sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A DESCONSTRUÇÃO POLÍTICA



Frei Betto




      A atual campanha  eleitoral às prefeituras tem muito de temperamental. No início, candidatos  majoritários prometiam evitar baixarias e se pautar pelos compromissos  elencados nos programas partidários. Seria uma campanha de “alto nível”  disseram alguns, até porque representam partidos que convergem no apoio ao  governo Dilma.

      Assim, nos primeiros  debates no rádio e na TV cada candidato se esforçava para convencer o eleitor  de que, caso mereça ser eleito, a nova administração municipal (ainda que de  um candidato à reeleição) será melhor que a anterior. Haverá avanços no  atendimento à saúde, na qualidade da escola pública, no transporte coletivo,  na coleta de lixo etc. Gerenciar bem a cidade é o que  importa.

      Então surgiram as pesquisas – o  fantasma estatístico que, como espada de Dâmocles, paira sobre a cabeça de  cada concorrente ao pleito. A pesquisa indica a chance de vitória de cada  aspirante a futuro prefeito. Uma outra pesquisa aponta ao candidato como o  público reage a seus programas no rádio e na  TV.

      Ora, o público  televisivo-internáutico do Brasil não merece aplausos em matéria de  preferência. Gosta de baixaria real (Big Brother) ou virtual (novelas). Nada  que faça pensar e ter opções próprias. E programa de governo faz pensar e  exige um mínimo de discernimento crítico.

      O que dá ibope é a relação conflituosa  entre Carminha e Nina, e não entre a máfia da especulação imobiliária e os  sem-teto e os que vivem de aluguel.

       Assim, candidatos com índices insuficientes de preferência eleitoral, e também  aqueles que, à frente no páreo, se sentem ameaçados pelos concorrentes tendem,  na reta final da campanha, a esquecer as promessas administrativas e partir  para a agressão verbal. Qual mágicos de um circo de terror, tiram da cartola  todas as acusações, mazelas e maracutaias que possam afetar os  adversários.

      O mais curioso é que, na  falta de reforma política (sempre prometida e adiada), os eleitores assistem à  uma esdrúxula panaceia. Aliados de ontem são inimigos de hoje nas eleições  municipais. Ontem, beijos; hoje, tapas.

       Ocorre que, com raras exceções, acusadores e acusados na esfera municipal são,  ainda hoje, aliados na esfera federal. O que revela uma política cada vez mais  despolitizada, desideologizada, atrelada à mera fome de  poder.

      Como não há almoço de graça nem  barraco sem roupa suja a ser lavada, os efeitos dessa nefasta maneira de fazer  política serão sentidos nas próximas eleições para governadores e presidente  da República, em 2014.

      As fissuras no  edifício da base aliada do governo federal já começam a aparecer. PT e PSB  andam se estranhando. O PMDB, por enquanto, fica que nem bala de coco em boca  de banguela. Mas pode, em breve, querer se livrar da síndrome de linha  auxiliar e, como glutão de votos, ocupar a posição central de principal  protagonista.

      Toda a questão de fundo  dessa conjuntura reside na cultura (a)política que respiramos nesse clima de  neoliberalismo. Nenhum candidato questiona o sistema em que vivemos. Já não se  fala em aproveitar o período eleitoral para “conscientizar e organizar a  classe trabalhadora”. Tudo se resume, como nas eleições presidenciais nos EUA,  a criar impactos emotivos para tirar o eleitor do marasmo e do desencanto. E  os recursos mais utilizados são o “retrato de família” (vejam como sou feliz  com minha esposa e filhos) e o medo: do desemprego, da crise financeira, do  terrorismo, da perda de direitos civis.

       Estamos todos sendo progressivamente domesticados pela mídia controlada pelo  grande capital, de modo a trocar liberdade por segurança, opinião própria por  consenso, espírito crítico por venerável anuência à palavra do líder. Corremos  o risco de ter, no futuro, uma sociedade de invertebrados  políticos.



Frei Betto é escritor, autor, em parceria com  Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros  livros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário