sábado, 22 de setembro de 2012

JABUTICABAS E JABUTICABEIRAS O TAMANHO DA ROTATIVIDADE NO BRASIL



Clemente Ganz Lúcio[1]

Conhecimento é poder, especialmente para quem quer mudar uma situação. E a tarefa primeira do movimento sindical é lutar para melhorar a realidade da vida dos trabalhadores! Lutamos por mudanças!

Por isso o movimento sindical criou o DIEESE, para produzir conhecimento. Recentemente lançamos um estudo inédito analisando a rotatividade de mão de obra, essa perversa caraterística das relações de trabalho no Brasil - uma das nossas jabuticabas! O livro “Rotatividade e Flexibilidade no Mercado de Trabalho” encontra-se disponível no nosso site (dieese.org.br).

A rotatividade é a troca de um trabalhador por outro no mesmo posto de trabalho. Não temos acesso a esta informação em relação a cada posto e em cada empresa, porque simplesmente as empresas não disponibilizam as informações. No Brasil, o direito à informação é muito limitado ou, na maior parte das vezes, inexistente. Como garimpeiros, escavamos bases de dados para descobrir, descrever e explicar os fenômenos. Outras vezes, acessamos bases de dados disponibilizadas pelo setor público e deduzimos explicações. Outras vezes ainda, reunimos recursos financeiros para ir à campo pesquisar.

Com base nos registros administrativos da RAIS analisamos o fluxo de demissões e contratações no mercado formal de trabalho. Consideramos que esse fluxo em relação ao total de ocupados com carteira assinada seria uma boa referência para nos aproximarmos da mensuração da rotatividade.

O resultado foi surpreendente! O estudo revela que nos últimos anos houve crescimento acentuado dos postos de trabalho formais, pois saímos de um estoque de 24 milhões de vínculos em 1997 para mais de 46 milhões de vínculos em 2011. A taxa de rotatividade, por sua vez, saltou de 45% (2001) para quase 54% (2010). As informações revelam que o crescimento do contingente de ocupados com carteira de trabalho assinada carregou e ampliou o ritmo frenético de contratações e demissões.

A rotatividade cresceu, ocorrendo justamente o contrário do que muitos esperavam! Para alguns a rotatividade era um fenômeno característico de uma economia em recessão ou que patinava para crescer. Assim, na crise a rotatividade cresceria, atuando como mecanismo de redução do custo do trabalho. Por outro lado, deveria diminuir quando a economia crescesse. Os dados não confirmam essas teses. Contrariados pelos fatos, alguns apressadinhos buscam “bem intencionadas” explicações: Ah!, são as falcatruas do nosso sistema! São o fundos que incentivam os trabalhadores a romperem os vínculos para acessar ao seguro desemprego ou ao FGTS! É a má gestão pública! dizem aqueles que não perdem a oportunidade de tentar desqualificar o Estado e o serviço público. Concluem, muitas vezes, com o velho argumento de que por detrás de problemas complexos, há soluções simples! Pena que, de forma geral, essas soluções são equivocadas! Nossa tarefa primeira, portanto, é qualificar o debate!

Vamos olhar o fenômeno com novas lentes. Em uma economia de mercado sem proteção contra a dispensa imotivada, como é o caso do Brasil, as empresas rompem unilateralmente os vínculos de emprego. Outras vezes a iniciativa de rompimento é do trabalhador. Em qual proporção isso ocorre? Não há outras situações nas quais o vínculo é rompido?

Bem, algumas vezes as pessoas morrem enquanto ainda trabalham, outras vezes se aposentam. Nessas duas situações há a interrupção do vinculo empregatício e a substituição por outro trabalhador. O estudo revelou que 1% dos desligamentos se devem a esses dois motivos.

Por sua vez, os registros administrativos consideram que quando um trabalhador troca de unidade da mesma empresa, por exemplo quando vai de uma filial ou matriz para outra, há o rompimento de um vinculo e o estabelecimento de um novo, apesar de o trabalhador não ficar nenhum dia desempregado. Essa prática representou pouco mais de 6% dos desligamentos nos anos analisados.

Calculamos ainda o volume de rompimentos de vínculos por inciativa do trabalhador, quando este “pede a conta”. Esse motivo representava 16,6% dos desligamentos em 2001 e 19,6% em 2009. É muito interessante observar que no período analisado cresce o volume de rompimentos por iniciativa do trabalhador, provavelmente porque ele percebe novas oportunidades ocupacionais em um mercado de trabalho aquecido, com  melhores salários e condições de trabalho. Ótimo, não?

Consideramos que esses casos formam um grupo de motivos que não devem ser objeto de nenhuma regulação. A vida resolve! Por exemplo, para a última situação, se uma empresa não quer perder o trabalhador, que faça uma oferta melhor, não? Ao retirarmos da taxa total esses casos (morte, aposentadoria, troca de sede na mesma empresa e pedido de demissão), ficamos com a taxa de rotatividade que ocorre por inciativa da empresa, a qual denominamos de taxa descontada. Esta a taxa em 2001 foi de 34,5% e em 2010 subiu para 37,3%. É no movimento de demissões expressos por essa taxa que se forma a demanda potencial de acesso ao seguro desemprego.

Nos setores os resultados são os seguintes:

Setor
Taxa Cheia %
Taxa Descontada %
Construção
108
86
Agrícola
98
74
Comércio
58
42
Serviços
54
38
Industria de transformação
50
37
Ind. Extrativa mineral
27
20
Serviços Ind. Util. Publica
25
17
Administração Pública
15
11

Essas taxas mensuram o movimento de milhões de trabalhadores que rodam como peões no tabuleiro do mercado de trabalho. Por que isso ocorre? Na próxima semana continuaremos refletindo sobre essa questão.

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