terça-feira, 21 de agosto de 2012

O processo de desindustrialização no Brasil




**José Álvaro Cardoso
*Adhemar Mineiro
    
     Não há consenso entre os estudiosos sobre se há ou não um processo de desindustrialização no Brasil. Mas existem algumas evidências do fenômeno consideravelmente fortes. Em 1940, a indústria representava 20% do PIB no Brasil; em 1985 este número tinha crescido para 36%; no ano passado havia recuado para 15,3% e certamente continua caindo neste ano. As exportações de manufaturados, em quantidade, estão em declínio desde 2007, tendo sido, em 2011, 15% inferiores às daquele ano. No mesmo período a quantidade das importações de manufaturados elevou-se em 59%.
     Em 2011, 34% do aumento da demanda agregada foi atendido por importações, percentual que impressiona pela magnitude, mas principalmente pela velocidade com que se amplia. A produção industrial encontra-se hoje praticamente no mesmo patamar existente antes da crise de 2008. Na primeira metade de 2012, o comércio internacional dos produtos típicos da indústria de transformação teve déficit de US$ 27,6 bilhões, recorde para o período. A balança comercial só continua superavitária devido ao intercâmbio de bens intensivos em recursos naturais, commodities agropecuárias, energéticas e minerais, cujas exportações chegaram a US$ 49,3 bilhões no primeiro semestre de 2012. Se não são definitivos, estes dados apontam para um processo de desindustrialização no país.
     Mas um país precisa mesmo de indústria? Porque não importar todos os produtos industriais que o Brasil necessita, da Ásia, que pretende ser a fábrica do mundo? Se os produtos industriais importados são mais baratos que os produzidos internamente qual a necessidade do país ter indústria? Bem, há alguns bons motivos para a defesa do setor industrial do país, dos quais listamos alguns:
1º) Não há registro na história, de nenhum país que tenha chegado ao desenvolvimento econômico e social, sem uma generalizada industrialização e um forte e ativo Estado Nacional. Mesmo economias que utilizaram mais as exportações de produtos primários para elevar a sua renda per capita (como Austrália e Canadá), antes atravessaram por períodos de elevada diversificação industrial, elemento essencial das suas estratégias de desenvolvimento;
2º) Existe uma relação empírica entre o grau de industrialização e a renda per capita, tanto nos países ricos, quanto nos países em desenvolvimento;
3º) Há uma associação estreita entre o crescimento do PIB e o crescimento da indústria manufatureira. A dinâmica da economia brasileira, neste momento, ilustra o fenômeno. O produto não está crescendo, em boa parte, porque a indústria de transformação está estagnada;
4º) A produtividade é mais dinâmica no setor industrial do que nos demais setores da economia, é o setor industrial que puxa o crescimento da produtividade da economia;
5º) O avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro tende a se difundir para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Os bens com maior valor adicionado, produzidos pela indústria, incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia.
     O processo de desindustrialização no Brasil tem sido considerado precoce, porque ocorre em um estágio em que o nível de renda per capita é inferior ao que os países desenvolvidos tinham no início do processo de industrialização. Nos países desenvolvidos, que em alguns casos se desindustrializaram, a indústria nacional já cumpriu o seu papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per capita da população em elevado patamar. Ao se desindustrializar, o Brasil está perdendo a sua maior conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a elevadas taxas (6,8% entre 1932-1980) com base no chamado “processo de substituição de importações”, com fortes incentivos estatais à industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal. Será que vamos colocar todo esse esforço a perder e regredir à economia primário-exportadora do século XIX?
    Há que se considerar ainda que parte do processo que resulta em uma concorrência que destrói parte expressiva da produção industrial nacional decorre de um modelo macroeconômico que vem desde o início do Plano Real, em 1994, fora alguns pequenos interregnos de crises internas e externas, operando com taxas de câmbio bastante desfavoráveis à produção industrial no Brasil, como reflexo das elevadas taxas de juros praticadas no país e da liberalização financeira. Assim, a liberalização comercial associada à liberalização financeira têm constituído um ambiente excessivamente hostil à produção industrial doméstica.
    O desenvolvimento do Brasil não deve depender das exportações de commodities, pois isto nos torna diretamente dependentes dos centros de crescimento mundial. O que está acontecendo neste exato momento é ilustrativo do fenômeno: a crise global e a desaceleração do crescimento chinês estão derrubando o preço do minério de ferro e outras commodities, com importantes consequências sobre a balança comercial e a produção brasileira. É ilusão achar que vamos dar conta de gerar renda e milhões de empregos de qualidade para os brasileiros tendo como eixo dinâmico da economia as exportações de commodities.
                                                                 *Economista e técnico do DIEESE em Santa Catarina.                                            
       **Economista e técnico do DIEESE no Rio de Janeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário