**José Álvaro Cardoso
*Adhemar Mineiro
Não há consenso entre os estudiosos sobre
se há ou não um processo de desindustrialização no Brasil. Mas existem algumas evidências
do fenômeno consideravelmente fortes. Em 1940, a indústria representava 20% do PIB
no Brasil; em 1985 este número tinha crescido para 36%; no ano passado havia recuado
para 15,3% e certamente continua caindo neste ano. As exportações de
manufaturados, em quantidade, estão em declínio desde 2007, tendo sido, em 2011,
15% inferiores às daquele ano. No mesmo período a quantidade das importações de
manufaturados elevou-se em 59%.
Em 2011, 34% do aumento da demanda
agregada foi atendido por importações, percentual que impressiona pela magnitude,
mas principalmente pela velocidade com que se amplia. A produção industrial
encontra-se hoje praticamente no mesmo patamar existente antes da crise de
2008. Na primeira metade de 2012, o comércio internacional dos produtos típicos
da indústria de transformação teve déficit de US$ 27,6 bilhões, recorde para o
período. A balança comercial só continua superavitária devido ao intercâmbio de
bens intensivos em recursos naturais, commodities agropecuárias, energéticas e
minerais, cujas exportações chegaram a US$ 49,3 bilhões no primeiro semestre de
2012. Se não são definitivos, estes dados apontam para um processo de
desindustrialização no país.
Mas um país precisa mesmo de indústria? Porque
não importar todos os produtos industriais que o Brasil necessita, da Ásia, que
pretende ser a fábrica do mundo? Se os produtos industriais importados são mais
baratos que os produzidos internamente qual a necessidade do país ter
indústria? Bem, há alguns bons motivos para a defesa do setor industrial do
país, dos quais listamos alguns:
1º) Não há registro na história, de
nenhum país que tenha chegado ao desenvolvimento econômico e social, sem uma
generalizada industrialização e um forte e ativo Estado Nacional. Mesmo
economias que utilizaram mais as exportações de produtos primários para elevar
a sua renda per capita (como Austrália e Canadá), antes atravessaram por
períodos de elevada diversificação industrial, elemento essencial das suas
estratégias de desenvolvimento;
2º) Existe uma relação empírica
entre o grau de industrialização e a renda per capita, tanto nos países ricos,
quanto nos países em desenvolvimento;
3º) Há uma associação estreita
entre o crescimento do PIB e o crescimento da indústria manufatureira. A
dinâmica da economia brasileira, neste momento, ilustra o fenômeno. O produto
não está crescendo, em boa parte, porque a indústria de transformação está
estagnada;
4º) A produtividade é mais
dinâmica no setor industrial do que nos demais setores da economia, é o setor
industrial que puxa o crescimento da produtividade da economia;
5º) O avanço tecnológico que se
concentra no setor manufatureiro tende a se difundir para outros setores
econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Os bens com maior valor
adicionado, produzidos pela indústria, incorporam e disseminam maior progresso
técnico para o restante da economia.
O processo
de desindustrialização no Brasil tem sido considerado precoce, porque ocorre em
um estágio em que o nível de renda per capita é inferior ao que os países
desenvolvidos tinham no início do processo de industrialização. Nos países
desenvolvidos, que em alguns casos se desindustrializaram, a indústria nacional
já cumpriu o seu papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per
capita da população em elevado patamar. Ao se desindustrializar, o Brasil está
perdendo a sua maior conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a
economia brasileira cresceu a elevadas taxas (6,8% entre 1932-1980) com base no
chamado “processo de substituição de importações”, com fortes incentivos
estatais à industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal. Será
que vamos colocar todo esse esforço a perder e regredir à economia
primário-exportadora do século XIX?
Há que se
considerar ainda que parte do processo que resulta em uma concorrência que
destrói parte expressiva da produção industrial nacional decorre de um modelo
macroeconômico que vem desde o início do Plano Real, em 1994, fora alguns
pequenos interregnos de crises internas e externas, operando com taxas de
câmbio bastante desfavoráveis à produção industrial no Brasil, como reflexo das
elevadas taxas de juros praticadas no país e da liberalização financeira.
Assim, a liberalização comercial associada à liberalização financeira têm
constituído um ambiente excessivamente hostil à produção industrial doméstica.
O
desenvolvimento do Brasil não deve depender das exportações de commodities,
pois isto nos torna diretamente dependentes dos centros de crescimento mundial.
O que está acontecendo neste exato momento é ilustrativo do fenômeno: a crise
global e a desaceleração do crescimento chinês estão derrubando o preço do
minério de ferro e outras commodities, com importantes consequências sobre a
balança comercial e a produção brasileira. É ilusão achar que vamos dar conta
de gerar renda e milhões de empregos de qualidade para os brasileiros tendo
como eixo dinâmico da economia as exportações de commodities.
*Economista e técnico do DIEESE em Santa Catarina.
**Economista e técnico do DIEESE no Rio
de Janeiro.
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