sábado, 4 de agosto de 2012

Está na hora de mexer na política de superávit primário



José Álvaro de Lima Cardoso*

     Diferentemente do que ocorreu no segundo semestre de 2009, o Brasil não está conseguindo engatar uma marcha de crescimento com base no mercado interno, que compense a perda de dinamismo da economia mundial. A produção física industrial, assim como o emprego no setor, vêm recuando nos últimos meses, como mostram os dados mais recentes. A taxa de desemprego está estabilizada, o mercado continua gerando empregos, mas isso não tem sido suficiente para a recuperação da atividade econômica. A indústria não vem conseguindo reagir, apesar da vigência das menores taxas de juros da história do país, com Selic de 8% ao ano e da redução de impostos. A crise da indústria é complexa, e está relacionada com a perda de competitividade pelo câmbio desfavorável (apesar da melhora recente), da grande concorrência de importados em um mundo cujos mercados encolhem, e baixo nível de investimentos em formação bruta de capital fixo.
     Ao contexto descrito, se soma uma sobreoferta de produtos industriais no mundo em função da crise, que não descarta, inclusive, o comprometimento do crescimento industrial no Brasil em 2013. Há uma nítida deterioração das expectativas no setor industrial que fala em "semestre perdido", devido à queda de produção, redução do emprego, baixa utilização dos pátios das fábricas e elevação dos estoques. Neste ano, a crise está sendo mais generalizada, afetando segmentos como material de transportes; papel, papelão, editorial e gráfica; mecânica; metalúrgica; e também a indústria de produtos alimentares e de bebidas. Todos estes segmentos são muito tradicionais e historicamente bastante competitivos no Brasil. Em segmentos mais intensivos em tecnologia, como microeletrônica e informática, a situação é ainda mais preocupante e o déficit comercial do Brasil é enorme.
         De acordo com os últimos resultados divulgados pelo Banco Central, o superávit primário do setor público consolidado, no acumulado de doze meses até junho, atingiu R$116,2 bilhões (2,71% do PIB). Os resultados primários das contas públicas, no atual contexto de crescimento quase nulo, torna oportuna a discussão acerca do superávit primário no Brasil, que tem sido uma espécie de tabu para boa parte dos economistas brasileiros. O fato é que, especialmente entre 2004 e 2008 - período em que o PIB cresceu 4,2% em média – foi possível compatibilizar superávit primário e expansão do nível de atividade. A economia cresceu, neste período, embalada principalmente pelas exportações. Neste período, as críticas feitas à política de superávit primário, especialmente ao fato de que o mesmo inibia o crescimento perderam a razão de ser. Num processo de recessão ou de baixo crescimento a retomada irá depender fundamentalmente de um ou da combinação de três fatores para estimular a demanda agregada: do investimento privado, do excedente de exportações ou do investimento público (ver o artigo “O fetiche do superávit primário” do economista J. Carlos de Assis).
    No período 2005/2008 o crescimento da economia foi alavancado por uma taxa de câmbio muito favorável às exportações e pela exuberante alta das importações de commodities agrícolas e minerais, da China e demais países asiáticos. O crescimento econômico do Brasil, no período, portanto, foi decorrência direta do grande crescimento das exportações. Os saldos comerciais do Brasil em 2005 (US$44,9 bilhões) de 2006 (US$ 46,4 bilhões) e 2007 (US$ 40 bilhões) foram os maiores da história. Neste período excepcional do comércio exterior, foi possível combinar crescimento econômico com elevados níveis de superávits primários. A situação atual é completamente diferente. A taxa de câmbio ainda continua desfavorável à exportação de produtos manufaturados, como revela o déficit da balança comercial dos manufaturados em 2011, que chegou ao recorde de US$ 92,46 bilhões em 2011, especialmente com o acirramento da disputa por mercados que encolheram nos últimos anos. Além disso, em decorrência da recessão na Europa e da desaceleração do crescimento chinês o preço das commodities vêm caindo.
     Nesta conjuntura, em que o investimento privado despencou e são muito limitadas as chances de expandir o saldo comercial no curto prazo, é fundamental aumentar o investimento público. O investimento público federal (excluindo estatais), na média 2010 e 2011, foi de apenas 1,2% do PIB, valor muito semelhante ao que o governo federal investia em 2001-2002 (1% do PIB).  O aumento do investimento público, ao mesmo tempo em que resolve os gargalos estruturais da infra estrutura brasileira, poderá ser o principal instrumento de curto prazo para alavancar o crescimento da economia. É a política de gastos governamentais como instrumento anticíclico, só que, diferentemente de 2009, quando o gasto foi direcionado para despesas de pessoal e custeio, voltada desta vez para os investimentos. Daí a necessidade de se pensar seriamente em reduzir o superávit primário. A autorização do Congresso Nacional para isso, inclusive, já existe, na medida em que a Lei Orçamentária Anual possibilita ao governo federal descontar mais de R$ 40 bilhões das despesas com o Programa de Aceleração Econômica (PAC) da meta do superávit primário.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

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