José Álvaro de Lima Cardoso*
Diferentemente do que ocorreu no segundo
semestre de 2009, o Brasil não está conseguindo engatar uma marcha de
crescimento com base no mercado interno, que compense a perda de dinamismo da
economia mundial. A produção física industrial, assim como o emprego no setor,
vêm recuando nos últimos meses, como mostram os dados mais recentes. A taxa de
desemprego está estabilizada, o mercado continua gerando empregos, mas isso não
tem sido suficiente para a recuperação da atividade econômica. A indústria não
vem conseguindo reagir, apesar da vigência das menores taxas de juros da
história do país, com Selic de 8% ao ano e da redução de impostos. A crise da
indústria é complexa, e está relacionada com a perda de competitividade pelo
câmbio desfavorável (apesar da melhora recente), da grande concorrência de
importados em um mundo cujos mercados encolhem, e baixo nível de investimentos
em formação bruta de capital fixo.
Ao contexto descrito, se soma uma
sobreoferta de produtos industriais no mundo em função da crise, que não
descarta, inclusive, o comprometimento do crescimento industrial no Brasil em
2013. Há uma nítida deterioração das expectativas no setor
industrial que fala em "semestre perdido", devido à queda de
produção, redução do emprego, baixa utilização dos pátios das fábricas e
elevação dos estoques. Neste ano, a crise está sendo mais generalizada,
afetando segmentos como material de transportes; papel, papelão, editorial e
gráfica; mecânica; metalúrgica; e também a indústria de produtos alimentares e
de bebidas. Todos estes segmentos são muito tradicionais e historicamente
bastante competitivos no Brasil. Em segmentos mais intensivos em tecnologia,
como microeletrônica e informática, a situação é ainda mais preocupante e o
déficit comercial do Brasil é enorme.
De acordo com os últimos resultados
divulgados pelo Banco Central, o superávit primário do setor público
consolidado, no acumulado de doze meses até junho, atingiu R$116,2 bilhões
(2,71% do PIB). Os
resultados primários das contas públicas, no atual contexto de crescimento
quase nulo, torna oportuna a discussão acerca do superávit primário no Brasil,
que tem sido uma espécie de tabu para boa parte dos economistas brasileiros. O
fato é que, especialmente entre 2004 e 2008 - período em que o PIB cresceu 4,2%
em média – foi possível compatibilizar superávit primário e expansão do nível
de atividade. A economia cresceu, neste período, embalada principalmente pelas
exportações. Neste período, as críticas feitas à política de superávit
primário, especialmente ao fato de que o mesmo inibia o crescimento perderam a
razão de ser. Num processo de recessão ou de baixo crescimento a retomada irá
depender fundamentalmente de um ou da combinação de três fatores para estimular
a demanda agregada: do
investimento privado, do excedente de exportações ou do investimento público (ver
o artigo “O fetiche do superávit primário” do economista J. Carlos de Assis).
No período 2005/2008 o crescimento da
economia foi alavancado por uma taxa de câmbio muito favorável às exportações e
pela exuberante alta das importações de commodities agrícolas e minerais, da
China e demais países asiáticos. O crescimento econômico do Brasil, no período,
portanto, foi decorrência direta do grande crescimento das exportações. Os
saldos comerciais do Brasil em 2005 (US$44,9 bilhões) de 2006 (US$ 46,4
bilhões) e 2007 (US$ 40 bilhões) foram os maiores da história. Neste período
excepcional do comércio exterior, foi possível combinar crescimento econômico
com elevados níveis de superávits primários. A situação atual é completamente diferente.
A taxa de câmbio ainda continua desfavorável à exportação de produtos
manufaturados, como revela o déficit da balança comercial dos manufaturados em 2011, que
chegou ao recorde de US$ 92,46 bilhões em 2011, especialmente com o
acirramento da disputa por mercados que encolheram nos últimos anos. Além
disso, em decorrência da recessão na Europa e da desaceleração do crescimento
chinês o preço das commodities vêm caindo.
Nesta conjuntura, em que o investimento
privado despencou e são muito limitadas as chances de expandir o saldo
comercial no curto prazo, é fundamental aumentar o investimento público. O investimento público federal (excluindo estatais), na média
2010 e 2011, foi de apenas 1,2% do PIB, valor muito semelhante ao que o governo
federal investia em 2001-2002 (1% do PIB). O aumento do investimento público, ao mesmo
tempo em que resolve os gargalos estruturais da infra estrutura brasileira,
poderá ser o principal instrumento de curto prazo para alavancar o crescimento
da economia. É a política de gastos governamentais como instrumento
anticíclico, só que, diferentemente de 2009, quando o gasto foi direcionado
para despesas de pessoal e custeio, voltada desta vez para os investimentos.
Daí a necessidade de se pensar seriamente em reduzir o superávit primário. A
autorização do Congresso Nacional para isso, inclusive, já existe, na medida em
que a Lei
Orçamentária Anual possibilita ao governo federal descontar mais de R$ 40
bilhões das despesas com o Programa de Aceleração Econômica (PAC) da meta do
superávit primário.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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