Entrevista
de Luiz Carlos Bresser-Pereira a José Luís Oreiro para a Associação
Keynesiana Brasileira, na véspera da homenagem que esta associação lhe
fez em seu IV Encontro Internacional, São Paulo, 21 de agosto de 2012.
a) Por que você resolveu estudar economia?
Em
1955 eu estava começando o terceiro ano de Direito na USP, e, de
repente, caiu-me nas mãos os textos dos intelectuais nacionalistas do
ISEB sobre a industrialização Brasileira e o pacto desenvolvimentista
que Getúlio Vargas estava liderando. Decidi então que não buscaria mais
ser juiz de direito; eu seria um economista ou um sociólogo do
desenvolvimento. A decisão pela economia aconteceu quando, em 1962,
logrei que Antonio Delfim Netto me aceitasse no programa de doutorado da
Faculdade de Economia e Administração da USP.
b) Em que momento você teve contato com as ideias de Keynes? Qual foi sua reação a elas?
Eu
primeiro me tornei um economista estruturalista e, em seguida, também
um keynesiano. Comecei a estudar a história do pensamento econômico em
1959, quando fiz o concurso para a FGV. E continuei a estuda-lo nos
Estados Unidos em 1960, quando fiz meu MBA. Ao mesmo tempo que lia meus
mestres, Arthur Lewis, Myrdall, eu lia Marx, Keynes, Kalecki e
Schumpeter. Primeiro, dei aulas de desenvolvimento econômico, a partir
de 1968, e, a partir de 1970, macroeconomia, quando criei o Departamento
de Economia na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas.
c) Que pessoas você considera seus mentores no estudo de economia?
Meus mestres de economia brasileira foram Ignácio Rangel e Celso Furtado; meus mestres de teoria econômica geral, Marx e Keynes.
d) Você se considera um economista Keynesiano ou Pós Keynesiano? Como você se diferencia de Keynesianos como Stiglitz e Krugman?
Eu
sou um economista keynesiano-estruturalista. A teoria econômica está
dividida em escolas, mas felizmente existe uma Teoria Econômica Básica
onde estão os princípios da teoria do desenvolvimento capitalista e da
teoria microeconômica clássicas e da macroeconomia keynesiana que estão
de alguma forma presentes em um bom texto introdutório de Economia.
Stiglitz e Krugman são antes neoclássicos; mas, como aprenderam essa
Teoria Econômica Básica e são profundamente inteligentes e criativos,
esquecem seus modelos hipotético-dedutivos quando analisam a realidade
econômica, e podem ser considerados neokeynesianos. Um verdadeiro
keynesiano deve pensar historicamente. Deve construir modelos
históricos, não construir castelos matemáticos sem correspondência na
realidade. Nos últimos 20 anos eu logrei elaborar uma crítica da teoria
econômica neoclássica que me parece original e decisiva. Ao invés de
simplesmente afirmar que os modelos neoclássicos não são realistas, eu
expliquei por que eles não são nem podem ser realistas. Essas ideias
estão no paper, “Os dois métodos e o núcleo duro da teoria econômica”
que eu demorei 15 anos para escrever. Eu parto de uma classificação de
ciências em metodológicas e substantivas, estas, por sua vez,
dividindo-se em ciências naturais e ciências sociais ou históricas. As
primeiras usam o método hipotético-dedutivo, porque não tem objeto
empírico de estudo; elas ajudam a pensar. Já as ciências substantivas
devem usar o método empírico-dedutivo ou histórico-dedutivo se forem
ciências sociais como é a economia. A teoria econômica neoclássica
ignorou essa distinção e, com os axiomas do homo economicus, das
expectativas racionais e dos rendimentos decrescentes, tornou-se uma
“ciência” hipotético-dedutiva, cujo critério de verdade não é a
aderência à realidade mas uma certa coerência lógica. Ora, uma ciência
substantiva que não adere à realidade é uma falsa ciência; é mero
exercício lógico-matemática destituído de validade. De acordo com esta
minha visão, a microeconomia marshalliana livrada da teoria subjetiva do
valor juntamente com a teoria dos jogos não constituem o
microfundamento da Economia mas são a base de uma ciência metodológica
como é também a Econometria: a Teoria da Tomada de Decisão Econômica.
Temos, assim, três ciências complementares, uma substantiva, que analisa
os sistemas econômicos – a Economia ou Economia Política –, que usa o
método histórico, e duas metodológicas que usam o método
hipotético-dedutivo: a Teoria da Tomada de Decisão Econômica e a
Econometria.
e) Como sua opção teórica se relaciona com sua visão política do mundo? Por que? Você se considera um socialdemocrata?
Eu
sempre me considerei um desenvolvimentista de centro-esquerda. Quero
uma sociedade mais desenvolvida e mais justa que caminhe na direção do
socialismo no longo prazo Sempre fui, portanto, um socialdemocrata.
Mais do que compatíveis, a teoria estruturalista do desenvolvimento e a
macroeconomia keynesiana são teorias históricas instrumentais para que
alcancemos esses objetivos – para que administremos o capitalismo mais
competentemente e com mais justiça que os liberais. Atualmente estou
ajudando a construir uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento
que une a visão keynesiana e estruturalista.
f) Qual a sua maior contribuição para o desenvolvimento do pensamento keynesiano ou heterodoxo?
Enumero
três: (1) o modelo histórico de desenvolvimento, distribuição e
progresso técnico com a inversão do modelo clássico de distribuição, eu
está em Lucro, Acumulação e Crise (1986); (2) a teoria da inflação inercial, com Yoshiaki Nakano, que está em Inflação e Recessão (1984); e (3) a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, que está em Globalização e Competição (2010).
g) Olhando os seus escritos acadêmicos pode-se perceber uma mudança no foco de interesse entre os anos 1990 e 2000. Com efeito, na década de 1990 você parecia estar mais interessado com questões relacionadas a eficiência na governança do Estado; ao passo que na década de 2000 seu interesse passa a ser a “macroeconomia da estagnação brasileira”. O que motivou essa mudança de foco?
Minha
preocupação com o a eficiência do aparelho do Estado decorreu de haver
sido nomeado Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado
(1995-98). Quando, em 1999, voltei para a vida acadêmica, voltei a
dedicar-me ao desenvolvimento econômico e à macroeconomia, e as juntei
não na “macroeconomia da estagnação brasileira” (esse é apenas o título
de um livro meu de 2007 sobre a economia brasileira), mas na
macroeconomia estruturalista do desenvolvimento.
h) No ano de 2002, você publicou um paper com o Nakano intitulado “Uma estratégia de desenvolvimento com estabilidade”. Aparentemente esse paper marca a retomada do seu interesse por questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, com ênfase na “semi-estagnação brasileira”. A linha de raciocínio ali exposta vai culminar com seu livro “A Macroeconomia da Estagnação”, publicado em 2007. Fale sobre o desenvolvimento de suas ideias entre o paper de 2002 e o livro de 2007.
Depois
que, com o uso da teoria da inflação inercial o Brasil logrou
estabilizar sua alta inflação inercial eu pensei que se desenvolveria de
forma extraordinária. Por isso, fiquei decepcionado com a política
econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Nos quatro anos e meio
que permaneci em seu governo manifestei sempre ao presidente meu
desacordo com a política ortodoxa que estava sendo praticada baseada em
altas taxas de juros e taxa de câmbio sobreapreciada. Comecei a fazer
minha crítica ainda em 1999, no trabalho, “Incompetência e confidence building por
trás de 20 anos de quase-estagnação da América Latina”. Quando, em
2001, meu velho companheiro de estudos e trabalhos, Yoshiaki Nakano,
também se desligou do governo, convidei-o para escrever, sucessivamente,
dois papers, “Uma estratégia de desenvolvimento com estabilidade” e
“Crescimento econômico com poupança externa”. Em seguida eu continuei a
trabalhar na crítica da poupança externa e da tese da restrição externa
ao mesmo tempo que orientava duas teses de doutorado sobre a taxa de
câmbio (de Paulo Gala e de Lauro Gonzales). Em seguida, escrevi um outro
modelo fundamental, o da doença holandesa, no qual apareceu o conceito
de equilíbrio industrial. Esses desenvolvimentos teóricos foram
essenciais para que eu publicasse em 2007 “Macroeconomia da Estagnação”.
Terminado o livro, desenvolvi o terceiro modelo da macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento, o modelo da tendência à
sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio que, em seguida, me
permitiu escrever o livro teórico para mim fundamental, “Globalização e
Competição”.
i) Você é o responsável pela criação do conceito “novo-desenvolvimentismo”. Conte-nos um pouco sobre o processo de criação desse conceito. É verdade que o termo “novo-desenvolvimentismo” foi ideia do Nakano?
Depois
de termos escrito os dois papers acima referidos eu fiquei convencido
que começávamos a definir uma nova abordagem para o desenvolvimento
econômico e a macroeconomia. Disse isso ao Nakano e perguntei que nome
poderíamos dar para as novas ideias. Ele sugeriu “novo
desenvolvimentismo”. Eu imediatamente aceitei e na quinta edição de meu
livro Desenvolvimento e Crise no Brasil (2003)discuti o novo
desenvolvimentismo no último capítulo. Só, porém, em 2006 eu teria um
artigo que me satisfez sobre o tema: “O novo desenvolvimentismo e a
ortodoxia convencional”.
j) Nos últimos anos você tem desenvolvido um novo conceito “a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”. Qual a relação da mesma com o “novo-desenvolvimentismo”? Por que razão você considera a “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento” uma nova escola de pensamento econômico?
Sempre
defini o novo desenvolvimentismo como uma estratégia nacional de
desenvolvimento, como a instituição fundamental para o desenvolvimento
econômico; a teoria que justifica esse conjunto de políticas econômicas é
a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Esta macroeconomia
não é uma criação apenas minha. Outros economistas têm dela participado.
Agora estou escrevendo um livro que deverá se chamar Structuralist Development Macroeconomics and New Developmentalism
com você, José Luiz Oreiro, e com Nelson Marconi. São ideias novas. Um
conjunto de modelos novos que renovam o estruturalismo e o
keynesianismo. Por isso entendo que estamos criando no Brasil uma nova
escola de pensamento. Uma escola que já tem participação internacional,
como pudemos ver com a aprovação das 10 Theses on New Developmentalism que foi subscrita originalmente, em 2010, por 80 economistas de todo o mundo.
k) Quais são os princípios teóricos fundamentais da “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”? Qual a relação da mesma com o pensamento Keynesiano ou Pós-Keynesiano?
Na
macroeconomia estruturalista do desenvolvimento temos três modelos
principais: a crítica à política de crescimento com poupança externa e à
tese de que os países em desenvolvimento enfrentam uma restrição
externa; o modelo da doença holandesa com duas taxas de câmbio de
equilíbrio e o conceito de taxa de câmbio de equilíbrio industrial –
aquela taxa que torna competitivas as empresas utilizando tecnologia no
estado da arte mundial; e o modelo da tendência à sobreapreciação
cíclica e crônica da taxa de câmbio. Esses modelos colocam a taxa de
câmbio pela primeira vez no centro da teoria do desenvolvimento. Essa é
uma teoria keynesiano-estruturalista que analisa países em
desenvolvimento de renda média no quadro histórico da globalização. É
uma teoria que ao enfrentar problemas novos, em certos casos crítica o
pensamento keynesiano e o pensamento estruturalista antigos. Por
exemplo, para a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento a
crônica falta de dólares ou a “restrição externa” deriva muito mais de
uma taxa de câmbio cronicamente sobreapreciada e, em consequência, de
déficits em conta corrente injustificáveis, do que das elasticidade
renda das importações e das exportações.
l) Como você avalia a Associação Keynesiana Brasileira?
Sinto-me
honrado em ser um de seus patronos. Seus dirigentes são todos amigos
próximos meus. Entendo que ela já está dando uma contribuição importante
para o desenvolvimento do pensamento econômico brasilleiro
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