Thomaz
Ferreira Jensen*
Em meio às
dificuldades da economia brasileira, dois estudos recentemente divulgados
ilustram como o poder econômico está concentrado em pouquíssimas pessoas que,
nos tempos que correm, controlam os destinos do mundo, solapando a ação do
Estado e obstruindo qualquer possibilidade de controle social sobre os rumos da
economia. Informações que também ajudam a confirmar características das elites
nos países subdesenvolvidos, com passado de colonização e presente de
dependência, como o Brasil.
A primeira
pesquisa mostra que, no Brasil, corporações estrangeiras adquiriram 167
empresas de capital nacional no primeiro semestre de 2012, a maior liquidação
de empresas privadas brasileiras num único semestre de toda a história do país,
batendo o recorde do primeiro semestre de 2011 (94 empresas desnacionalizadas).
São dados da última Pesquisa de Fusões e Aquisições da consultoria KPMG. A
maior parte (71 empresas nacionais) foi adquirida por transnacionais com sede
nos EUA, seguido por corporações da França (13 empresas nacionais adquiridas),
da Inglaterra (12 empresas) e da Alemanha (11 empresas), entre outras. O
capital estrangeiro adquiriu controle de empresas nos mais diversos setores da
economia: de serviços para empresas (21 desnacionalizações) e tecnologia da
informação (17), passando por produtos químicos e farmacêuticos (17),
alimentos, bebidas e fumo (9), telecomunicações e mídia (8), mineração (7),
entre outros. Desde 2004, passaram a ser controladas de fora do país nada menos
que 1.167 empresas que antes eram nacionais, sendo 86,5% destas (1.009
empresas) desnacionalizadas após 2006, ano em que o Governo Federal passou a
facilitar o ingresso no País do chamado “investimento direto estrangeiro”,
eufemismo para a compra de empresas nacionais por transnacionais.
A segunda e mais
impressionante informação evidencia o que fazem os antigos empresários
nacionais com os recursos que recebem por desnacionalizarem suas empresas,
juntamente com os demais membros da seleta elite dos milionários do planeta. O
Brasil é o quarto país com maior volume de recursos depositados no exterior. Em
2010, nada menos do que US$ 520 bilhões (cerca de R$ 1,05 trilhão) estavam
depositados pelos mais ricos do país em paraísos fiscais. O valor é equivalente
a quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrado em 2010, de R$
3,7 trilhões, e muito superior à dívida externa do Brasil, que está em US$ 303
bilhões.
São dados do
relatório The Price of offshore revisited
(O preço do dinheiro em paraísos fiscais revisitado, em tradução livre) da ONG
inglesa Tax Justice Network (Rede de
Justiça Tributária, em tradução livre), elaborado pelo economista James Henry.
Trata-se do mais completo mapeamento dos recursos financeiros investidos em
paraísos fiscais, como a Suíça, as Ilhas Cayman e o Uruguai, e não declarados
às autoridades nacionais, como a Receita Federal, no Brasil. A fortuna dos
ricos brasileiros no exterior só perde para a dos chineses (US$ 1,1 tri), dos
russos (US$ 798 bi) e dos coreanos (US$ 779 bi). No total, o estudo estima em
pelo menos US$ 21 trilhões o total de recursos expatriados no mundo, valor
equivalente ao PIB somado dos EUA e do Japão, nas mãos de 10 milhões de
investidores. Deste montante, cerca de US$ 9,8 trilhões pertencem a apenas 91
mil pessoas, ou 0,001% da população mundial.
Até o fim de
2010, os 50 maiores bancos privados do mundo administravam US$ 12,1 trilhões em
ativos investidos além das fronteiras dos países de origem dos recursos. O
volume era de US$ 5,4 trilhões em 2005, um crescimento anual da ordem de 16%
nesse período. Os bancos que detêm o maior volume de recursos desta natureza
são os suíços UBS e Credit Suisse e o estadunidense Goldman Sachs. “Esses
bancos agem, principalmente, abordando as elites de países exportadores de
riquezas minerais (petróleo, minério de ferro, pedras preciosas) – inclusive os
africanos – para que enviem seus recursos ao exterior”, afirma o diretor da Tax Justice Network John Christensen. Na
América Latina, além do Brasil, México (US$ 417 bilhões), Venezuela (US$ 406
bilhões) e Argentina (US$ 399 bilhões) estão entre os 20 países cujas elites
mais enviaram dinheiro a paraísos fiscais ao logo das últimas três décadas.
O autor do estudo ressalta que a desigualdade no mundo é
muito maior do que a estimada nos trabalhos já realizados sobre o tema, uma vez
que estes não levam em conta os valores expatriados pelos super-ricos do mundo,
considerando apenas a renda das pessoas, basicamente decorrente de salários.
Assim, a desigualdade de riqueza aprofunda absurdamente a desigualdade de
renda.
Uma economia
crescentemente desnacionalizada, com os centros de decisão das empresas
deslocados para o exterior, num contexto de extrema concentração de riqueza nas
mãos de um reduzido número de pessoas, com fortunas familiares que superam em
muito o PIB da maioria dos países do planeta: eis a correlação de forças do
mundo em que vivemos.
Particularmente,
a elite brasileira, completamente desenraizada em seu próprio país, é incapaz
de se reconhecer na sofrida história latino-americana e por isso projeta suas
raízes nos países do centro do sistema capitalista, de onde importa costumes,
valores e modas estéticas e intelectuais. O desenraizamento da elite brasileira
determina seu padrão de consumo. E, com conseqüências ainda mais dramáticas,
influencia o espelhamento da classe trabalhadora nos padrões globais de consumo
e na forma de vida defendida pela elite brasileira. O desejo de consumir como a
elite consome passa a condicionar o horizonte político de ação dos
trabalhadores, estreitando suas lutas emancipatórias e reduzindo-as aos limites
estreitos do corporativismo sindical, cuja direção torna-se presa fácil para a
cooptação pelos interesses empresariais. O estudo verificou que a maior
parte dos países que possuem dívidas externas é, na verdade, credor, quando se
computam os recursos depositados em paraísos fiscais. O problema é que esta
riqueza, sob controle das elites locais, está expatriada, enquanto a dívida é
paga por todos os cidadãos. Como
escreveu Simone Weil, “o dinheiro destrói as raízes por onde vai penetrando,
substituindo todos os motivos pelo desejo de ganhar (...). Nada mais claro e
simples que uma cifra” (A condição
operária e outros estudos sobre a opressão, 1943).
Diante de tamanho
desafio, é alentador recorrer à força utópica de Carlos Drummond de Andrade:
“Tantos pisam este chão que ele talvez / um dia se humanize (...) / Nossos
donos temporais ainda não devassaram / o claro estoque de manhãs / que cada um
traz no sangue, no vento” (“Contemplação no banco”, Claro Enigma, 1951).
*Thomaz Ferreira
Jensen, 35 anos, é economista, trabalha
em assessoria ao movimento sindical e assessora encontros de
reflexão sobre trabalho de base realizados por comunidades e
movimentos populares. Entre outros livros e estudos técnicos,
organizou, com Frei Betto e Adélia Bezerra de Meneses, Utopia
Urgente. Escritos em Homenagem a Frei Carlos Josaphat nos seus
80 anos (Casa Amarela/Editora da PUC, 2002) e “Desafios do
Mundo do Trabalho” (CEPIS e DIEESE, 2009), disponível em:
http://www.quimicosabc.org.br/downloads/Desafios_do_Mundo_do_Trabalho.pdf
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário