Daniela
Chiaretti | De Berlim
A Alemanha
está perseguindo um cenário energético sem usinas nucleares e com mais energias
renováveis. Na primeira metade deste ano, vento, sol, água e até lixo
responderam por 25% da matriz elétrica alemã. A maior economia da Europa, com
mais de 80 milhões de habitantes, indústria competitiva e invernos rigorosos,
aposta em uma revolução energética sem precedentes e parece estar tendo
sucesso.
Em maio,
durante o feriado de Pentecostes, a energia solar supriu um terço da demanda por
eletricidade do país. "Foi um sábado ensolarado e era feriado, muita gente
estava fora de casa e o consumo de energia foi menor", relativiza Katharina
Umpfenbach, especialista em políticas de energias renováveis do Ecologic
Institute, um think tank alemão de pesquisas ambientais. "Mas é um indicador
forte que vamos chegar lá."
"Lá" é um
lugar onde se produz muita energia a partir de aerogeradores e placas de energia
solar, algumas hidrelétricas e biomassa. Neste caminho de muitos desafios há
dois bem grandes: como eliminar a energia nuclear sem emitir mais CO2 e como
produzir energia no inverno, quando não há sol, o frio é intenso, os dias são
curtos e escuros e o consumo energético é muito maior.
De fato,
no começo de fevereiro, o mês tradicionalmente mais frio na Alemanha, o país
arriscou sofrer um blecaute. Com oito de suas 17 usinas nucleares fechadas logo
depois do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, o cenário se complicou com o
frio afetando as entregas de gás da Rússia. Além disso, a maioria das nucleares
fechadas ficavam no Sul, onde estão os centros industriais - distantes, por sua
vez, das eólicas do Norte e das usinas de gás e carvão, reportou à época o
"Financial Times". Sem reservas energéticas e com a demanda mais forte pelo
inverno, a logística ficou difícil.
Por outro
lado, a solução renovável que o país busca para substituir seus cerca de 20
gigawatts de capacidade de geração nuclear - com 8 gigawatts já desativados - é
uma trilha de êxitos no verão. A fatia de energias alternativas na matriz alemã
vem crescendo. Segundo a BDEW, a associação da indústria de energia e operadores
de rede, a Alemanha bateu recordes na produção de energias verdes no primeiro
semestre de 2012 - 67,9 bilhões de quilowatts-hora e um crescimento de quase 20%
em relação ao mesmo período do ano anterior. Eólica é de longe a nova fonte mais
importante (9,2% de participação dentro das renováveis), seguida de biomassa
(5,7%) e solar (5,3% com painéis fotovoltaicos) que é a energia que mais cresce
e superou a hidrelétrica (4,0%) no suprimento da demanda. A meta alemã para
produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis é de 35% em 2050.
"Mas do jeito que está agora parece que vamos conseguir atingir este objetivo
antes", comemora a cientista política Katharina
Umpfenbach.
"Neste
momento, temos cerca de 25% de energia renovável e algumas vezes, quando há
muito vento e sol, temos mais energia do que precisamos. Por outro lado, quando
não há vento e sol, temos que comprar energia", disse o ministro de Cooperação
Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Dirk Niebel, durante a Rio+20, segundo
relato do repórter Rodrigo Polito. A energia nuclear responde por 28% da matriz
energética alemã. Niebel garantiu que as centrais nucleares que serão
desativadas até 2022 serão substituídas por parques eólicos, hidrelétricas e
painéis solares. "Vamos substituir por essas fontes",
disse.
Esta
mudança de rota, de menos nucleares e mais sol, vento e biomassa, é prioridade
no governo de Angela Merkel. Não foi assim no começo de sua gestão, quando ela
apoiava a energia nuclear com entusiasmo e reviu a decisão do governo anterior -
uma coalizão entre verdes e sociais democratas que queria o fim das usinas
nucleares na Alemanha até 2020. Merkel afirmava que energia nuclear era uma
"ponte necessária" para um futuro com mais renováveis, e que a Alemanha
continuaria assim por mais tempo. A decisão foi bastante impopular e só piorou
com as grandes manifestações do pós-Fukushima. A premiê teve que voltar atrás,
fechar logo oito usinas e decidir pelo fim da energia nuclear na Alemanha até
2022.
A
liderança alemã na tecnologia verde de geração de energia começou há duas
décadas, com a política de estímulo às renováveis conhecida por feed-in-tariffs,
a FIT. Por este mecanismo, fornecedores de energia renováveis na rede trabalham
com garantia de preço por 20 anos. Qualquer alemão, desde 1991, poderia instalar
placas de energia solar no teto de sua casa e jogar energia na rede - e
conseguir um preço melhor por isso do que aquele que paga ao consumir
eletricidade. Os operadores do sistema, por seu turno, teriam que adquirir
preferencialmente a energia renovável produzida.
"Este
sistema foi crucial porque estimulou a instalação de usinas solares e eólicas e
promoveu a produção de energia renovável na Alemanha", analisa Martin Kaiser,
especialista em clima e florestas do Greenpeace alemão. Neste sistema, cada
energia renovável tem preço diferenciado, mas quem produz energia solar, eólica
ou de biomassa sempre tem vantagem sobre as energias tradicionais. Kaiser dá um
exemplo: o preço médio do kWh é 20 centavos, mas quem joga energia eólica na
rede ganha 24 centavos por kWh. "A previsão é que as energias renováveis,
particularmente solar e eólica, possam substituir as usinas nucleares que ainda
estão conectadas à rede, mas que serão todas substituídas em 2022", diz o
ambientalista. "Não é ficção científica."
Segundo um
relatório recente do Pnuma, o braço ambiental das Nações Unidas, em 2011 havia
73 países no mundo que implementaram metas nacionais para ampliar a participação
das energias renováveis em sua matriz elétrica. A chamada feed-in tariff é a
política pública mais frequente para estimular o uso maior de renováveis. Em
2011, mais de 50 países tinha implantado algum tipo de FIT, sendo mais da metade
nações em desenvolvimento, mostra o estudo.
A Alemanha
tem várias metas que mudarão seu padrão energético em 2020 e até 2050. Uma das
principais estabelece que a participação das energias renováveis deva ser de 35%
na produção de eletricidade em 8 anos e de 80% em 2050. Eficiência energética é
um dos pilares desta equação, e a que está tendo pior performance. "A tarifa
feed in é muito popular porque garante o retorno do investimento", explica
Katharina Umpfenbach. "As pessoas investiram em solar, eólica e em biogás. Muito
mais difícil é ter gente investindo em eficiência energética. Parece ser menos
sexy."
"A forma
mais limpa de energia é aquela que ainda não foi usada", disse Christian Noll,
CEO da Iniciativa Alemã para Eficiência Energética (DENEFF), em uma palestra
recente. Na avaliação da entidade faltam políticas públicas que animem as
pessoas a reformarem o sistema de isolamento térmico de suas residências, por
exemplo.
Uma das
grandes discussões do setor energético alemão neste momento é quem irá pagar
pela modernização que tem que ser feita na rede. Energia é cara na Alemanha e
uma das questões é qual o impacto que todos estes movimentos terão na indústria.
Novas redes de alta voltagem terão que trazer a energia dos grandes parques
eólicos do Norte para os centros consumidores do Sul e do Oeste. A rede também
tem que ter qualidade técnica, o que não é nada fácil quando as condições de sol
e vento são imprevisíveis e não se tem ideia da decisão de muitos pequenos
investidores. Para que o sistema funcione e seja barato, a Alemanha terá que
contar com vizinhos europeus, como Áustria e Suíça. A "revolução energética" que
Angela Merkel prometeu há mais de um ano tem vários orçamentos - todos altos - e
atrasos na implementação.
O maior
dilema futuro, quando o país estiver perto de atingir 80% de renováveis em sua
matriz elétrica, será como conseguir estocar energia. "Um dia podemos ter mais
eletricidade do que iremos usar, e no outro, não ter o suficiente. Teremos que
ter uma espécie de "back up" energético", diz Katharina Umpfenbach. Uma das
opções em discussão são baterias, mas é muito cara. A outra tem logística
geográfica: estocar água em lagos situados em pontos altos dos Alpes, bombeando
água para cima quando houver abundância de energia solar e jogá-la montanha
abaixo, movimentando turbinas, no inverno.
Uma
terceira ideia é uma equação química que prevê gerar energia a partir da
produção de metano sintético e transformando-o em hidrogênio - e assim,
alimentando carros, por exemplo. Mas ainda se perde muita energia nesta
conversão. Os pesquisadores apostam que o futuro será um balaio de opções e que
não há bala de prata.
Há um
tópico na revolução energética alemã que os especialistas não gostam de
comentar: como o país irá cumprir a meta de emitir menos gases-estufa em 2020 e
nas próximas décadas se sua matriz energética continua fortemente baseada em
carvão e se colocou prazo de validade à energia nuclear. "Ninguém gosta de falar
muito nisso", reconhece a especialista Katharina Umpfenbach. "Estamos fazendo
muitos progressos, mas o problema é que as metas e objetivos preveem tudo ao
mesmo tempo."
A
jornalista viajou à Alemanha a convite do
governo
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