quarta-feira, 30 de maio de 2012

Mercado interno para quem?



O mercado interno é o maior ativo que a economia de um país pode possuir; sua magnitude é
definida por seu Produto Interno Bruto (PIB), pela soma dos salários, dos lucros e das rendas
do capital. Foi buscando aproveitar esse mercado que os desenvolvimentistas brasileiros
defenderam nos anos 1950 o modelo de industrialização por substituição de importações. Foi
procurando ampliar esse mercado interno que, a partir do fim dos anos 1960, esses mesmos
economistas, vendo que o processo de substituição de importações se esgotara, apoiaram o
exitoso processo de ampliação das exportações de manufaturados que, concomitantemente,
aumentou o mercado interno. Hoje, depois de muitos anos de baixas taxas de crescimento e de
queda da participação dos manufaturados nas exportações totais, coloca-se novamente o
problema do aproveitamento e da ampliação do mercado interno.
No mundo atual, as economias são muito mais abertas que no passado; competir em pé de
igualdade pelos mercados de manufaturados (leia-se bens com maior valor adicionado e que
incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia) é necessário
para o aumento da produtividade e o alcançamento de taxas mais elevadas de
desenvolvimento econômico. Dado que não faz sentido voltar a reduzir o coeficiente de
importações, o desenvolvimento econômico brasileiro será limitado pela taxa de crescimento
das exportações.
Entretanto, uma parcela dos economistas brasileiros defende uma estratégia de crescimento
wage-led, baseada no aumento dos salários. Preferem conviver com a sobreapreciação cambial
existente, porque o custo de se colocar a taxa de câmbio no nível de equilíbrio (a do equilíbrio
industrial, que torna competitivas as empresas industriais eficientes) implicará alguma redução
dos salários reais e em aumento da inflação (ambos temporários). No fundo, querem voltar ao
modelo de substituição de importações, mas não propõem as altas taxas aduaneiras que seriam
necessárias para voltar a uma estratégia desse tipo, incompatível com o estágio de
desenvolvimento do Brasil.
34% do incremento da demanda agregada no Brasil foi atendido por importações nos anos
de 2010 e 2011
A estratégia de desenvolvimento não deve ser export-led ou wage-led, mas growth-led; deve
propiciar oportunidades de investimento lucrativas para os empresários que garantam uma
taxa de crescimento satisfatório. Se o patamar de crescimento é insatisfatória, como acontece
agora, este fato é causado principalmente por uma taxa de câmbio apreciada e uma taxa de
juros alta em termos reais, que resultam em baixas oportunidades de investimento lucrativos
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para as empresas industriais - justamente aquelas que proporcionam maior valor adicionado
per capita.
Como, a partir de 2004, a economia brasileira pareceu haver retomado o crescimento baseado
em uma estratégia do tipo wage-led - baseada no aumento real do salário mínimo, na Bolsa
Família e no crédito consignado, enquanto a taxa de câmbio se apreciava fortemente - surgiu a
tese de que seria possível para a economia brasileira crescer a partir da expansão do consumo
no mercado interno, não havendo necessidade de se depreciar a taxa de câmbio.
Aquele crescimento, porém, só foi possível porque uma economia mundial aquecida antes da
crise elevou os preços de nossos produtos exportados, principalmente das commodities (160%
entre 2002 e 2008, enquanto os preços das exportações de manufaturados cresceram 53% no
mesmo período), fato que possibilitou à economia brasileira financiar o aumento das
importações decorrente desta estratégia sem gerar um desequilíbrio significativo no saldo em
transações correntes.
Mas a continuidade desse modelo é inviável, primeiro, porque o cenário externo não permite
continuar a contar com o aumento do preço das commodities, e, segundo, porque o câmbio
sobreapreciado faz com que o mercado interno seja suprido por importações: com uma
pequena defasagem esse mercado interno foi entregue de graça aos exportadores de outros
países, principalmente aos chineses, e a indústria brasileira entrou em crise. As exportações de
manufaturados, calculadas em quantum, estão em declínio desde 2007, sendo que em 2011
foram 15% inferiores às daquele ano, enquanto o quantum das importações de manufaturados
aumentou 59% no mesmo período.
Os dados das Contas Trimestrais a preços constantes mostram que, em média, 34% do
incremento da demanda agregada no país foi atendido por importações nos anos de 2010 e
2011, enquanto esse percentual foi de cerca 10% entre 2000 e 2005. Não é a magnitude deste
percentual que impressiona, mas a velocidade da elevação das importações nos últimos anos.
Enquanto a produção industrial encontra-se praticamente no mesmo patamar que vigorava
antes dos reflexos mais significativos da crise no Brasil (a média de 2011 foi 2,7% superior à
média de 2008), o volume de vendas do comércio varejista foi 25,3% superior na mesma base
de comparação. Graças ao último aumento do salário mínimo, o mercado interno brasileiro
continua grande, mas não está dando emprego para brasileiros, e sim aos exportadores de
manufaturados para o Brasil.
Não se trata, portanto, de adotar uma estratégia "export-led" ao invés de "wage-led". Trata-se
de defender uma estratégia "growth-led", uma estratégia que garanta o crescimento do
mercado interno e dos salários de 5% a 6% ao ano ao invés de a 3% como voltou a acontecer
depois do boom das commodities. O limite desse crescimento é o do crescimento das
exportações. Alcançar esse crescimento graças aos preços das commodities não é mais
realista; tentar transformar o Brasil em uma grande fazenda é uma loucura. Felizmente, a
presidente Dilma Rousseff parece ter entendido isto e está gradualmente tirando a economia
brasileira da armadilha dos juros altos e do câmbio sobreapreciado.

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