quinta-feira, 17 de maio de 2012

"A eurozona está se auto-destruindo", diz presidente do Banco da Inglaterra


Carta Maior


O botão de alarme do pânico está soando para além da moeda única europeia. No parlamento britânico, o primeiro ministro David Cameron assinalou nesta quarta-feira que a eurozona “precisa decidir se segue adiante ou não e traçar uma estratégia coerente a respeito”. O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, uniu-se ao pessimismo dizendo que a eurozona “está se autodestruindo”. O artigo é de Marcelo Justo.
Data: 16/05/2012
Londres - Queda do euro, governo interino na Grécia, impasse franco-alemão, austeridade e recessão, aumento do déficit, desemprego, indignados: a lista de tormentas da eurozona é interminável. O botão de alarme do pânico está soando para além da moeda única europeia. No parlamento britânico, o primeiro ministro David Cameron assinalou nesta quarta-feira que a eurozona “precisa decidir se segue adiante ou não e traçar uma estratégia coerente a respeito”. O presidente do Banco da Inglaterra (Banco Central), Mervyn King, uniu-se ao pessimismo dizendo que a eurozona “está se autodestruindo”.

Cameron e King gritam desde as margens do cenário: junto à economia britânica sofrem as peripécias da tragédia, mas podem fazer pouco para influir no desenlace. Muito mais grave ainda para a obra é o diagnóstico diferente que fazem da crise a austera dama de ferro alemã Angela Merkel e o pró-crescimento presidente da França, François Hollande. Alemanha e França são o eixo da eurozona: suas diferenças pressagiam uma paralisia. No momento, a eurozona existe em um estado similar à definição que Alfred Hitchcock tinha sobre o suspense: “imagine uma bomba colocada debaixo de um banco a ponto de explodir; o espectador pode vê-la, o protagonista não”.

A bomba a ponto de explodir é a Grécia, que tem novas eleições no próximo dia 17 de junho e empossou nesta quarta um governo interino. Os analistas antecipam que uma vitória da coalizão de esquerda Syriza (trotskistas, maoístas, verdes, independentes), que rechaça a austeridade acordada com a Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), em troca de 130 bilhões de euros para evitar uma moratória, significará a saída da Grécia da eurozona.

Em seu encontro na terça-feira, Merkel e Hollande disseram que queriam a Grécia na eurozona, mas a chanceler alemã deixou claro que os compromissos devem ser respeitados. O empréstimo da troika só será entregue se o próximo governo se comprometer a cortar outros 10 bilhões de euros em junho numa economia que já anda no quinto ano consecutivo de recessão. Os gregos começam a se preparar. Na segunda-feira, retiraram cerca de 600 milhões de euros dos bancos e calcula-se que uns 28 bilhões estão escondidos sob o colchão para caso de vir o estouro e o retorno do dracma com uma megadesvalorização incluída.

A preocupação britânica expressa por Cameron e King é compreensível, mas tem uma perna bamba ou, ao menos, curiosa. Em abril, a economia britânica entrou oficialmente em recessão: a eurozona conseguiu evitá-la por um fio de cabelo. Seguindo o escritório de estatísticas Eurostat, o crescimento foi nulo, mas esta “boa notícia” esconde uma história de duas eurozonas. A Alemanha com um crescimento de 0,5%, acompanhada pela Bélgica, Eslováquia e um reduzido número de países compensou a recessão da Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Grécia (que experimentou uma queda de 6,2%). Para o futuro, os analistas advertiram que este desempenho alemão é insustentável com uma eurozona ferida.

Contágio econômico e político
O fantasma mais temido de um default grego é o contágio na direção dos famosos PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, sem o G da Grécia. Os cálculos variam, mas uma estimativa média coloca o custo da saída grega da eurozona ao redor de 400 bilhões de euros. A reestruturação da dívida grega e a desvalorização de sua moeda fariam a União Europeia e o FMI perder cerca de 240 bilhões, os bancos centrais uns 130 bilhões e os bancos privados uns 25 bilhões. Mais grave ainda seria a ameaça que pairaria sobre Espanha, Itália e Portugal e seus frágeis sistemas financeiros que poderiam provocar, segundo alguns analistas, uma crise similar a de 2008.

Neste contexto, a crise de legitimidade dos governos começa a parecer uma enfermidade crônica. Desde o estouro da dívida soberana em 2010, 16 países mudaram de governo, mais da metade dos 27 que compõem a UE. Estes novos governos têm uma legitimidade de curto alcance, como sabe em primeira mão o presidente da Espanha, Mariano Rajoy, que já perdeu uma considerável parte do apoio majoritário que recebeu nas eleições do final do ano passado.

Com um desemprego entre os jovens que supera os 50%, os indignados da Espanha parecem ter um futuro assegurado. Na Itália, o primeiro-ministro Mario Monti corre o perigo de perder o apoio inicial se a Itália seguir empacada em seu explosivo coquetel de recessão e ajuste. No dia 31 de maio, a Irlanda vota em um referendo sobre o acordo fiscal europeu firmado por 25 membros da UE no final de 2011 para garantir que ninguém tenha um déficit fiscal superior a 3% e uma dívida pública superior a 60% do PIB.

Em meio a esse panorama sombrio todavia há vozes que enxergam luzes no fim do túnel. Segundo um novo “paper” do ECFR (Conselho Europeu de Relações Exteriores), um “think thank” pan-europeu, a relação entre François Hollande e Angela Merkel será mais produtiva do que aquela que havia com Nicolas Sarkozy. “A experiência mostra que é mais fácil o acordo e a cooperação de dois partidos com ideias diferentes que devem firmar um compromisso do que no caso de uma dupla simbiótica como a Merkozy”, assinala Ulrike Guerrot, do ECFR.

Mesmo uma saída da Grécia do Euro tem seus simpatizantes, como o analista Simon Jenkins, que, no The Guardian, não dúvida de apresentar a Argentina como um exemplo das bondades de uma reestruturação da dívida. “Só quando a Grécia se livrar da dívida que tem, como fizeram Islândia e Argentina, poderá reconstruir sua economia com base em uma taxa de câmbio realista”, assinalou Jenkins.

Tradução: Katarina Peixoto

Nenhum comentário:

Postar um comentário