Autor(es): Denise Neumann |
Valor Econômico - 28/05/2012 |
Os dados de varejo, crédito e inadimplência dos primeiros meses do ano levaram muitos analistas a cravar que a economia brasileira vive um esgotamento do ciclo de consumo que sustentou o crescimento do PIB nos últimos anos. Esse é um ponto controverso.
Os dados da principal pesquisa de consumo do país - a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE - apontaram um expressivo crescimento do volume de vendas no primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2011, feitos os ajustes sazonais. A alta foi de 3% e, na última vez em que o crescimento das vendas do varejo foi tão expressivo, o consumo das famílias dentro do PIB cresceu 2% e ajudou a puxar o desempenho do conjunto da economia, que ficou em 1,1%.
Quando se coloca uma lupa sobre os dados do varejo e do crédito percebe-se que houve uma migração do consumo. Talvez ela não explique toda a desaceleração no mercado de automóveis, mas que ela aconteceu, aconteceu. No primeiro trimestre, o volume de vendas no comércio de automóveis cresceu 1% em relação ao mesmo período de 2011, segundo o IBGE. Na mesma comparação, as vendas nos supermercados foram 11,9% superiores, enquanto as de eletrodomésticos e móveis ficaram 15,9% maiores e as de bens de informática cresceram 32%.
Esses não são, em hipótese alguma, números que sustentem a tese de esgotamento da capacidade de consumo das famílias brasileiras. O mesmo crédito que recuou para os automóveis no primeiro trimestre (com queda de 7% nas novas concessões, segundo dados do Banco Central relativos ao período janeiro-março de 2011 e 2012) aumentou 80% para os outros bens.
No auge do Plano Real, os fabricantes brasileiros de televisores ficaram impressionados com o boom no consumo desses aparelhos e aumentaram muito a capacidade instalada de suas fábricas. Entre 1986 e 1993, o país vendeu em média 2 milhões de aparelhos/ano, número que cresceu vertiginosamente e bateu recorde de 9,6 milhões em 1997. Na época, imaginou-se que esse era o novo padrão de consumo brasileiro, mas logo os fabricantes perceberam que o volume daqueles anos foi uma resposta à demanda reprimida. Uma vez atendida, a demanda acomodou-se. Em 2010 e 2011 (15 anos depois daquele auge do Plano Real), foram vendidos 12 milhões de televisores. Pensar na evolução recente do mercado de automóveis como demanda reprimida faz todo sentido.
Mudança na demanda atrapalhou menos a importação
Em evento na semana passada, a economista Monica Baumgarten de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria, destacou que a dívida das famílias representa 20% do PIB, muito abaixo do patamar de países como EUA (91%), Espanha (90%) e Polônia (38%), segundo dados citados por ela. Ou seja, tem espaço para crescer, mesmo considerando que a renda da família brasileira seja bem menor que a desses países. As contas do endividamento no Brasil também embutem um hábito mais recente das famílias, que é o de trazer para o cartão de crédito as despesas correntes (supermercado, combustíveis e mesmo o almoço do meio da semana, aproveitando assim as políticas de milhagem).
Felizmente, e infelizmente por outro lado, foi o consumo que continuou a puxar a economia no primeiro trimestre, só que agora ele favoreceu mais outros segmentos do varejo em detrimento do de automóveis.
A parte da "infelicidade" é que essa migração do objeto do consumo das famílias afetou ainda mais a produção da já combalida indústria de transformação, porque o consumo se concentrou em segmentos muito abertos à competição de produtos importados, como eletrodomésticos e bens de informática. A indústria produziu 3% menos no primeiro trimestre em relação aos primeiros três meses de 2011 e 0,5% menos na comparação com os últimos quatro meses de 2011. E essa contração foi puxada pelos bens de capital e pelos bens duráveis. No primeiro trimestre, enquanto a produção de bens de capital caiu 11,4%, a importação dos mesmos bens subiu 4,3%; e enquanto a produção de bens de consumo duráveis encolheu 11,3%, a importação caiu bem menos, 5,2%.
O gráfico abaixo mostra como o movimento de descolamento entre o rumo da produção doméstica no setor de transformação e o volume de vendas no varejo ampliado continuou constante neste início de 2012, indicando que é mesmo controversa a tese de que o modelo de crescimento econômico baseado no consumo das famílias já se esgotou. Entre março de 2011 e março deste ano a distância entre os dois pontos (varejo e indústria) passou de 62 para 77 pontos - e era de apenas 25 pontos antes da crise de 2008.
O consumo está meio cansado e tomou alguns rumos diferentes, mas ainda tem fôlego. Ainda mais diante dos aumentos reais de salários. E pode ser que o consumo das famílias seja nota que surpreenda o "mercado" quando o PIB do primeiro trimestre de 2012 for divulgado na sexta-feira. O investimento vai cair, mas não se pode esperar o mesmo da demanda das famílias. Ela pode surpreender - como no terceiro trimestre de 2011, quando a maioria dos analistas não esperava uma demanda tão fraca, mas ela estava lá, pré-anunciada no resultado do varejo do IBGE. Só que desta vez, a surpresa seria para cima.
O crescimento do primeiro trimestre e também o do ano será fraco, mas não pelo consumo interno e sim pelo investimento, pela demanda externa e pela produção industrial e agrícola, esta última afetada pela seca no Sul e no Nordeste.
Denise Neumann é editora de Brasil e escreve excepcionalmente nesta semana
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terça-feira, 29 de maio de 2012
Consumo migra e afeta mais a indústria
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