O aumento do salário mínimo chinês, decretado pelo
governo, deverá estimular mais indústrias a saírem do país em
busca de mão de obra mais barata em países do sudeste asiático,
segundo preveem analistas ouvidos pela BBC Brasil.
O 12º Plano Econômico
Quinquenal de Pequim anunciou recentemente um aumento anual de 13%
do salário mínimo até 2015 nas províncias chinesas, com o objetivo
de garantir a estabilidade social pela diminuição da diferença
entre a renda de ricos e pobres. Segundo o Conselho Nacional do
Congresso chinês, os 10% mais ricos do país ganham 23 vezes mais
do que os 10% mais pobres.
O governo anunciou também
o aumento do limite de isenção de Imposto de Renda de 2 mil yuans
(R$ 660) para 3,5 mil (R$ 1,155).
Para Tom Miller, da
consultoria GK Dragonomics, essa mudança de perfil "já vem
ocorrendo há três anos e, em uma década, deveremos ver o fim da
China barata", algo que deve afetar o preço das exportações do
país e a dinâmica da competitividade global no futuro.
Indústria mais cara
A mudança de filosofia que
vem sendo introduzida por Pequim prevê um foco menor no
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e mais ênfase a aumento
dos benefícios sociais, como seguro de saúde e alongamento da
licença maternidade de 90 para 98 dias.
Estima-se que esses
acréscimos elevem em 20% o custo de mão de obra. Isso deve ter um
impacto negativo na competitividade de produtos fabricados por
certos setores da indústria chinesa que, desde a reforma econômica
de 1979, vem se notabilizando pela produção em massa a custos
baixos.
"Está ficando mais caro
produzir na China, porque há mais oportunidades de trabalho",
explica Shaun Rein, autor do livro The End of Cheap China (O Fim da China Barata, em
tradução livre).
De acordo com Rein, a
expansão do setor de serviços acaba elevando gerando nos operários
chineses a expectativa de também receber salários mais altos.
Em abril deste ano, a
primeira ação coletiva para aumento de salário foi vencida em
Dalian, no noroeste da China. Cem mil trabalhadores da indústria
de software local assinaram um novo contrato que prevê o aumento
dos vencimentos em 6%. O acordo abrange 500 companhias e 70% da
mão de obra do setor.
Inflação mundial
Segundo Rein, a iniciativa
do governo de elevar o nível salarial do operário tem criado
discrepâncias. "Muitos profissionais graduados ganham hoje menos
do que um trabalhador da indústria", diz.
Um exemplo é o concorrido
posto de catador de lixo em Guangzhou, que oferece salário mensal
de 4 mil yuans (R$ 1.320) – enquanto isso, a média de salário de
um jovem recém-formado é de cerca de 2,5 mil yuans (R$ 825).
E de acordo com Rein, os
efeitos também serão sentidos no exterior, com produtos mais
caros. "As mudanças do estilo de crescimento e as políticas
governamentais concedendo maiores direitos aos trabalhadores vão
criar uma força inflacionária mundial."
Ao mesmo tempo, o
desenvolvimento do centro-oeste e do norte da China tem tirado do
rico leste centenas de milhares de trabalhadores migrantes,
atraídos por novos empregos em províncias centrais mais próximas a
suas casas.
Em Guangdong, a estimativa
é de que, neste ano, haja um deficit de 800 mil trabalhadores na
chamada "indústria barata" - setores de calçados, têxtil e
alimentos, conforme o departamento provincial de recursos humanos.
O brasileiro Otávio
Oliveira, que trabalha no grupo americano de calçados Camuto, diz
que 15% das operações da empresa já saíram de Guangdong para
diferentes áreas. "E estamos analisando oportunidades em outros
países da Ásia também. Esta é uma tendência irreversível no
segmento do calçado", diz Oliveira.
Ele conta ainda que muitos
de seus fornecedores perderam funcionários para a indústria
eletrônica, que é altamente incentivada por Pequim por ser uma
indústria "mais limpa" e que força a especialização da mão de
obra. "Por vezes enfrentamos atrasos e problemas de qualidade no
nosso produto porque as fábricas simplesmente não conseguem
cumprir as datas por não terem funcionários suficientes."
Salário mínimo menor
Com os salários na China
crescendo em ritmo duas vezes superior ao do PIB, o país perde
competitividade no mercado internacional e, com isso, muitas
empresas resolvem levar seus centros de produção para outros
países.
Vietnã, Indonésia e
Malásia têm a média do salário mínimo 30% inferior à da China,
aponta estudo de 2011 da consultoria KPMG.
O documento mostra que os
efeitos do aumento do custo de um empregado na China foram maiores
para os setores de calçados (que se deslocou para Indonésia, onde
as exportações cresceram 42% e chegaram a US$ 1,2 bilhão em 2011);
e vestuário e têxtil (movido para Bangladesh, com um crescimento
nas exportações de 43%, US$ 18 bilhões).
"Os nossos grandes
competidores, em termos de custo de produção, são outros países da
Ásia, como Indonésia, Vietnã, Índia, Camboja e, recentemente,
América Central", revela Oliveira. "A Camuto ainda consegue
crescer 20% o valor anual das exportações graças à transferência
de produção do Brasil para China e também ao crescimento da
companhia no mercado americano", acrescenta ele.
Competitividade e impacto no Brasil
Outro efeito do
encarecimento dos produtos exportados pela China é um possível
ambiente mais competitivo para a indústria global.
Mas, para Oliveira, a
abertura de fábricas em lugares ainda baratos, como Vietnã e
Camboja, dificulta a expansão calçadista brasileira.
Segundo a Associação
Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), até abril deste
ano o Brasil exportou 1,3% a menos de pares em relação a 2011.
Cristiano Korbes, diretor
de projetos internacionais da Abicalçados, defende que o futuro da
indústria calçadista brasileira está na valorização da moda
conceitual do país. "A competição com a China é muito forte, mas
temos capacidade de levar aos consumidores não apenas produtos,
mas conceito, estilo de vida brasileiro e muita moda 'Made in
Brazil'."
Outro ponto a ser desenvolvido no país é a infraestrutura
da cadeia industrial: "O Brasil precisa ainda resolver questões de
estrutura, logística, e esse esforço a China já fez", aponta
Korbes.
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