quinta-feira, 24 de maio de 2012

Anistiado defende julgamento justo de seus torturadores



Em um julgamento emocionante, a Comissão de Anistia reconheceu, por unanimidade, a condição de anistiado político do jornalista Anivaldo Pereira Padilha, 71 anos, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Em entrevista à imprensa, ele defendeu o julgamento justo dos seus torturadores. E criticou a interpretação da Lei da Anistia, de 1979, reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010.
Data: 24/05/2012
Brasília - Em um julgamento emocionante, a Comissão de Anistia reconheceu, por unanimidade, a condição de anistiado político do jornalista Anivaldo Pereira Padilha, 71 anos, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O julgamento ocorreu na terça (22), momento antes do que negou o mesmo status ao Cabo Anselmo, agente infiltrado da ditadura militar.

Editor de um jornal da Igreja Metodista de São Paulo, na década de 1960, ele militava na organização clandestina de esquerda Ação Popular (AP). Em consequência disso, foi preso e barbaramente torturado pelos agentes do regime. E, posteriormente, obrigado a viver no exílio, impedido do convívio com a família.

Anivaldo terá direito a receber uma pensão mensal de R$ 2.484, além do pagamento retroativo de R$ 229,3 mil, referente ao período em que o processo tramitou. Mas o que mais o deixou mais contente foi receber o pedido de perdão do estado brasileiro pelos crimes cometidos contra ele. “Eu sinto que minha dignidade como cidadão e brasileiro, hoje, foi restaurada”, afirmou.

Em entrevista à imprensa logo após o julgamento, ele falou sobre a necessidade de se estabelecer a verdade histórica no país. Defendeu o julgamento justo dos seus torturadores. Criticou a forma como a lei estabelece a reparação financeira aos anistiados. E, também, a interpretação da Lei da Anistia, de 1979, reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010.

O senhor está de alma lavada?

Bastante. Me sinto bastante leve, agora. Hoje realmente se encerra um ciclo importante da minha vida. As decisões da Comissão da Anistia, ao estabelecer seu voto, especialmente, pedir perdão em nome do estado brasileiro, ao pedir perdão pelos crimes que a ditadura cometeu contra nós, é uma forma de restaurar nossa dignidade. Eu sinto que minha dignidade como cidadão e brasileiro, hoje, foi restaurada.

No seu depoimento, o senhor citou o nome dos seus torturadores e pediu que a denúncia fosse encaminhada à Comissão da Verdade e ao Ministério Público. O senhor acha que eles devem ser julgados?

Eu acho que sim. E não é uma questão de vingança, revanche. Vingança seria se eu quisesse pegar esses torturadores e colocá-los no “pau-de-arara”, na “cadeira do dragão”. Ou que quisesse julgá-los de forma sumária, como todos nós fomos. Eu estou propondo que [ a denúncia] seja encaminhada ao Ministério Público para que faça as investigações. Se for o caso, que faça as denúncias e que eles sejam julgados com amplo direito à defesa. E porque eu e muitos de nós propõem isso? Porque, no Brasil, vivemos uma tradição de impunidade. Talvez o período mais sombrio da história do Brasil, além da ditadura, tenha sido a escravidão. E Rui Barbosa mandou queimar e destruir os documentos da escravidão. Nós temos uma tradição de acordo entre as elites do Brasil para que sempre seja mantida a impunidade. Eu creio que se os crimes cometidos pelo Estado Novo tivessem sido investigados - e os torturadores, assassinos e mandantes, punidos - talvez o golpe de 1964 não tivesse ocorrido e, especialmente, o estado de terror estabelecido a partir de 1964, não teria ocorrido. Não é questão de punir pensando no passado, mas punir pensando no futuro. Os torturadores continuam aí nas prisões e delegacias de todo o pais, porque sabem que podem ficar impunes.

O senhor pode repetir os nomes dos seus torturadores?

São vários. Tem o capitão Albernaz, o capitão Coutinho, o capitão Guimarães, o capitão Homero, o delegado Baêta e outros. Alguns já morreram. O Albernaz, por exemplo, eu soube que morreu, mas alguns estão na reserva. Alguns civis continuam aí. Há delegados ainda atuando.

E seria capaz de reconhecê-los?

Sim sem dúvidas, mesmo passados 40 anos, eu tenho certeza que os reconheceria.

O Senhor ficou satisfeito com os valores da indenização?

Eu não me preocupei muito com os valores. É claro que eu necessito. É importante, porque vai possibilitar que eu me aposente. Mas eu tenho uma vida simples e nunca fui atrás de riqueza e nem de dinheiro. A Lei que regula o trabalho da Comissão da Anistia estabelece uma reparação baseada em termos trabalhistas. E aí você perpetua a injustiça que há na sociedade. Porque que um profissional liberal ou intelectual tem que receber mais que um camponês ou um operário?

O senhor achou ruim testemunhar e reviver esta história densa e pesada?

Não achei ruim, não. Na verdade, sempre pensei que, no momento em que houvesse o julgamento, eu gostaria de estar presente. Por dois motivos. Primeiro, porque eu nunca me neguei a falar sobre aquele per[iodo. O que é também um processo terapêutico. Quanto mais colocamos para fora aquilo que passamos, mas fácil é superar. Segundo, é importante contar esta historia, porque muitas pessoas da nova geração não tem conhecimento, em geral. E pessoas que viveram na época, sob terror, evitavam obter informação. Não é penoso. É emocionante. Eu me emociono toda vez que falo sobre o período, porque eu me lembro dos companheiros que morreram, me lembro do sofrimento da minha família, da impossibilidade de conviver com meus filhos.

Como o senhor encara o fato do Cabo Anselmo pedir anistia tal como o senhor, que sofreu a perseguição da ditadura para a qual ele trabalhou?

Ao fazer o requerimento de anistia e pedir reparação, o Cabo Anselmo está cumprindo o papel que ele sempre cumpriu, que é o de agitador externo, um agitador infiltrado. Um sujeito que foi agente infiltrado, que teve um papel fundamental na preparação do golpe, com a Revolta dos Marinheiros, que foi o principal pretexto usado pelos militares para dar o golpe de estado. A violação da hierarquia militar foi liderada pelo Cabo Anselmo quando ele já era um agente golpista. Depois continuou como agente infiltrado. Ele mesmo confessou que foi responsável pela morte demais ou menos 200 companheiros. Ou seja, ele continuou como agente da ditadura. Se, por acaso, ele foi demitido ou sofreu qualquer coisa, foi para manter a fachada de aparência de alguém que não era infiltrado. O que ele quer é simplesmente turvar as águas.

O senhor acha que a Lei da Anistia precisa sofrer uma revisão para que torturadores sejam punidos?

Eu não diria uma revisão, mas uma reinterpretação correta. Essa Lei da Anistia foi imposta pelos militares. É uma auto-anistia. Claro que nos serve também, mas é uma auto-anistia. E é uma reinterpretação o que precisa, porque quando eles dizem que a Lei perdoa crimes conexos, isso não se aplica aos torturadores. Por exemplo, eu cometi um crime conexo, de acordo com a Lei de Segurança Nacional. Eu era militante de uma organização clandestina de esquerda que lutou contra a ditadura. Para me proteger, principalmente na clandestinidade, eu tinha um documento falso. Isso é um crime conexo. Um crime que cometi paralelamente. Os militares, não. A anistia não se aplica a eles porque se tratam de crimes cometidos por agentes do estado. Quer dizer, pessoas que estavam presas sob custodia do estado brasileiro. E foram torturadas, mortas, assassinadas. E ainda desapareceram com seus corpos. A Lei da Anistia não se aplica. O que há é o resultado de mais um acordo entre a elite para manter a impunidade. 

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