sábado, 12 de maio de 2012

Elegemos Obama e fomos dormir


Stephen Lerner, 54 anos, é ativista norte-americano de movimentos sociais há mais de três décadas. Começou a atuar na organização de trabalhadores da agricultura, depois entre os setores de vestuário, tecnologia e comunicação, financeiro e de serviços. Integrante da direção do Sindicato Internacional dos Trabalhadores do Setor de Serviços (Seiu), no final da década de 1990 foi dos formuladores de uma bem-sucedida campanha por melhores condições de trabalho para as empregadas da limpeza em edifícios – o movimento Justice for Janitors acabou inspirando o filme Pão e Rosas (Bread and Roses, 2000), do diretor britânico Ken Loach.
No ano passado, junto com várias categorias de trabalhadores, lideranças comunitárias e estudantis, Lerner foi um dos mentores do movimento Ocupe Wall Street. A exemplo das manifestações que desencadearam a Primavera Árabe, a partir do Egito, e dos acampados em importantes praças europeias, o movimento eclodido em setembro é caracterizado pela ausência de lideranças políticas tradicionais e por ter a internet e as redes sociais como principal fonte de propagação. E, principalmente, por questionar o poder excessivo do sistema financeiro, responsabilizado por ditar os rumos da economia, pelo agravamento da concentração de renda e pelas crises que desde 2008 assolam os Estados Unidos, a Europa e põem em xeque o modelo capitalista.
O Ocupe Wall Street arregimentou milhares de ativistas em várias regiões dos Estados Unidos. Conhecido pelo mote “99% contra 1%”, traduziu o imaginário do país em relação ao momento em que, como lembra ele, os bancos receberam ajuda de US$ 17 trilhões, enquanto a renda dos trabalhadores despencou 60%. De passagem pelo Brasil no final de março, Lerner visitou a redação da Rede Brasil Atual, interessado na experiência que une dezenas de entidades sindicais num empreendimento de comunicação independente livre da mídia comercial. Em palestra no Sindicato dos Bancários de São Paulo, transmitida pelo programa de web TV da entidade, falou sobre a experiência inovadora de mobilização que está vivendo. 
Em entrevista coletiva, o sindicalista americano avaliou os resultados alcançados pelo movimento. Assinalou que nem a forte repressão sofrida em várias regiões dos Estados Unidos, com agressões policiais e muitas prisões, nem o rigoroso inverno do hemisfério norte, encerrado no mês passado, desmobilizaram o Ocupe. Com a chegada da primavera, novas atividades estão sendo gestadas para florescer neste mês de abril. Confira nas páginas seguintes os principais assuntos abordados.
Eu sou os 99%.  Escute-me rugir
“Eu sou os 99%.
Escute-me rugir!”













 Eduardo Munoz/REUTERS

Nas ruas e nas redes

Numa mobilização feita por meio dos blogs e mídias sociais, pela primeira vez em todo o país percebe-se um elevado nível de consciência das pessoas sobre o papel do capital financeiro, de Wall Street, dos bancos na dominação da vida econômica e também na vida política do país. É a primeira vez em muito tempo que a classe média americana está desafiando a desigualdade crescente e a concentração de riqueza. 
Em função da crise e da ausência de liberdade, o movimento sindical americano nunca esteve tão frágil. Só 7% dos trabalhadores são sindicalizados, e a destruição dos sindicatos do setor privado abriu as portas para que a direita americana atacasse também os empregados do setor público. Quando estourou a crise de 2008, Wall Street e os bancos receberam US$ 17 trilhões de ajuda do governo, enquanto nas comunidades negras e de imigrantes os trabalhadores perderam 60% de sua renda. A crise bancária se tornou uma desculpa para agravar a concentração de renda. A direita, Wall Street, a Fox News usaram a crise que eles mesmos criaram para consolidar ainda mais seu poder.
Nos últimos anos, os setores progressistas ficaram acuados e os conservadores partiram para a ofensiva. Estamos no sexto mês do Ocupe Wall Street, e a mensagem de que somos 99% e os super-ricos 1% capturou o imaginário popular. As palavras não bastavam para expressar a sensação de que uma gama tão pequena de pessoas tenha tanta riqueza e tanto poder. 
Com a ocupação, dia após dia, semana após semana, houve muitas prisões, muita gente apanhou. E todo o risco enfrentado por esses ativistas acabou valorizando ainda mais sua atitude desafiadora e inspirando outras pessoas ao redor do país, que também passaram a se expressar e a agir. 
No final do ano passado, quando a polícia desmontou a maior parte dos Ocupes, muitos achavam que o movimento acabaria minguando. Mas, com a chegada da primavera, as atividades do Ocupe estão florescendo novamente. 

EUA
(Foto:Brendan Mcdermid/Reuters)

Abril em três atos

Vou dar três exemplos dessa retomada. O primeiro é o movimento “Ocupar nossas casas”. A vizinhança se mobiliza, fica em torno de casas que estão sendo alvo de processos e não permite que a polícia promova as ações de despejo por parte dos bancos contra os endividados. Além disso, famílias que perderam casas que acabaram continuando vazias estão ocupando-as de volta. Argumentam que os bancos não têm legitimidade para tomá-las e é um crime permanecerem vazias enquanto elas não têm onde morar.
Plano de saúde, trabalho digno; educação pública  de qualidade; meio ambiente saudável para todos, não só para o 1%
O segundo ato é o dos estudantes, que acumulam dívidas altíssimas para pagar suas faculdades. Os bancos ganharam muito com o socorro do governo e o perdão de dívidas, e ganham novamente com os juros desses empréstimos. Então, no dia 25 de abril, quando esse endividamento atinge a soma de US$ 1 trilhão, estudantes e recém-formadoscomeçam a articular uma greve dos endividados e um movimento pela renegociação, com boicote aos pagamentos.
E para o terceiro, entre 9 e 14 de abril, promovemos um esforço de treinamento de 100 mil pessoas para atuar em protestos não violentos de ação direta. Isso não está sendo organizado de forma tradicional, e sim através das mídias sociais. Por exemplo, há uma mapa on-line, as pessoas se conectam, manifestam seu interesse em participar, apontam onde querem que o treinamento seja feito e se cadastram. 
Cerca de 50 mil pessoas farão de forma presencial e outras 50 mil receberão instruções virtualmente. Será uma experiência de conexão entre o ativismo on-line e off-line num mesmo movimento. É o que estamos procurando agora: entender como os diferentes universos de ocupação dos espaços – as mídias sociais, os sindicatos e ONGs tradicionais – podem encontrar meios de atuar juntos, construir um movimento gigante para desafiar o poder de Wall Street. 


Conexão Seattle-Ocupe

Há muitas conexões entre os movimentos antiglobalização do final dos anos 1990 e o atual. Muitos ativistas que participaram e aprenderam a se organizar com as manifestações de Seattle estão agora atuando na Ocupe. Mas vejo uma diferença conceitual. Aquele movimento lutava para que o governo mudasse a sua política. O Ocupe Wall Street tenta mudar também o comportamento das corporações. Não é ocupar o Senado, por exemplo. Trata-se de ocupar as ruas e questionar o poder do capital financeiro. Isso tem mais a ver com a vida das pessoas comuns, porque elas podem ver que perdem salário, emprego e até casa por causa de Wall Street. Agora temos uma oportunidade de engajar muito mais gente nesse movimento, que não necessariamente se engajaria no movimento antiglobalização – até porque mais gente foi afetada pela crise econômica.
O Ocupe Wall Street não está em um lugar só. Está em vários. E não há um líder convencional. Você não consegue ligar para o movimento e dizer “eu quero falar como o líder”. Mas nos últimos dois meses há determinados grupos de trabalho para cada ação. Um grupo adotou o “Ocupar minha casa”, por exemplo, e faz conferências nacionais a distância para coordenar essa atividade. Durante o inverno muitos grupos de trabalho começaram a se conectar comoutras pessoas para fazer com que o movimento seja mais amplo agora.
Atualmente há muitos sites, blogs, vídeos difundindo ações. Acabei de receber aqui notícias de um grupo de pessoas que estão levando seus móveis para prédios do Bank of America. “Vocês nos expulsaram de nossas casas, então viemos morar aqui”, cantavam. Mais de 100 mil pessoas viram no Youtube nos últimos dois dias. Isso vai ser a semente para que mais ações desse tipo aconteçam. 

 Partidos e Obama

Muitas pessoas começam a questionar hoje coisas que antes não questionavam. A maioria das pessoas já apoia a criação de impostos maiores para os mais ricos. A maioria já acredita que Wall Street não produz riqueza. Esse debate não aconteceu no país durante muitos anos. E parte do desafio é justamente fazer com que essa discussão ganhe o coração dos americanos, deixando de acreditar que o capitalismo é capaz de produzir riquezas inesgotáveis. O movimento Ocupe abriu portas e os grandes bancos estão tentando fechá-las novamente.
No atual processo eleitoral, a primeira surpresa vem dos republicanos. Um grupo de direita questiona a riqueza do principal candidato do partido, Mitt Romney. E muitas surpresas estão por vir. De nossa parte, vamos continuar insistindo no tema da desigualdade versus o poder de Wall Street. O modo como funciona o sistema partidário dos Estados Unidos torna muito difícil o espaço para uma terceira via, em âmbito nacional. Mas houve experiências estaduais e municipais interessantes. Por exemplo, em Nova York, um grupo chamado Partido das Famílias que Trabalham luta pela criação de um partido de trabalhadores. Num longo prazo, todos sentirão a frustração de esses dois partidos, Republicano e Democrata, terem sido cooptados pelos super-ricos.
Quando Obama venceu as eleições em 2008, houve uma grande euforia entre os sindicatos e as forças progressistas – “todos os nossos problemas vão ser resolvidos” –, e fomos dormir enquanto a direita se organizava. Não criamos nenhuma forma de pressão para reagir a esse ataque. Então, não é tão simples assim dizer que Obama não quis fazer certas coisas. Uma das coisas que precisamos fazer é ter a capacidade de produzir essas pressões, e não somente em temporadas de eleições. Em 2008, a direita estava em marcha e não parou. Se o Ocupe tivesse começado em 2008, e não em 2011, nosso país estaria muito diferente. Uma das mudanças mais importantes que temos de promover nos Estados Unidos é a tomada de consciência de que devemos marchar sempre. 

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