Por Igor Lopes Rocha
Desde o início da revolução industrial na Inglaterra, a atividade manufatureira tem sido a principal via de desenvolvimento econômico e “catching-up” das nações. Em meados do século XX, diversas economias hoje consideradas desenvolvidas já apresentavam um elevado grau de industrialização. Em países em desenvolvimento, como Brasil, México, Índia e China, o processo de industrialização ainda era incipiente, apenas intensificando-se em anos posteriores a partir de um movimento de mudança estrutural, que resultaria em grandes declínios relativos da participação da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) e aumentos da indústria.
Em 1950, a participação da indústria manufatureira no PIB dos países em desenvolvimento – representados aqui pela América Latina e Ásia em desenvolvimento – correspondia a 13%, enquanto nos países desenvolvidos esse número girava em torno de 31%. Na Ásia, essa parcela se aproximava de 10%, ao passo que na América Latina se encontrava em 16%. Esses números seguiram de forma ascendente, com a América Latina em patamares superiores aos asiáticos até 1980, quando atingiu 23%. Todavia, a partir daquela década, considerada “perdida” para os países latino-americanos, ocorreu uma mudança nessa trajetória, com queda da participação da indústria manufatureira no PIB e crescimento econômico extremamente insatisfatório.
Ao contrário da tendência da América Latina, as economias asiáticas persistiram no processo de industrialização, alcançando uma participação do setor manufatureiro no PIB de 28% em 2010. As participações mais elevadas em 2010 ficaram a cargo da China com 42%, seguida por Índia e Asean-4 (Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas) – com 24,5%.
Política de crescimento não pode ser enxergada por uma ótica exclusivamente macro ou microeconômica
O peso da indústria de transformação nas economias desenvolvidas caiu em 1980 de 24% para 21% em 1990, 18% em 2000 e 14% em 2010. No que tange à produtividade, assim como ocorrera no processo de industrialização dos países desenvolvidos, as economias asiáticas não deixaram a desejar. Motivados pelos efeitos dinamizadores da indústria de transformação, registraram-se extraordinários ganhos de produtividade na China, com médias de crescimento de 5,6% ao ano na década de 1990 e 10,3% ao ano nos anos 2000. De forma inversa, os países latino-americanos patinaram, com médias anuais de 1,3% nas décadas de 1990 e 2000.
Em conformidade com os fatos históricos apresentados, diversos estudos têm procurado teorizar a respeito da importância do setor manufatureiro como motor do crescimento econômico. Primeiro, há de se destacar uma relação empírica entre o grau de industrialização e a renda per capita nos países em desenvolvimento. Embora não haja uma correlação perfeita, pode-se afirmar, em grande medida, associação estreita entre o crescimento do PIB e o crescimento da indústria manufatureira.
Segundo, a produtividade é maior no setor industrial do que no setor agrícola. Desta forma, durante o processo de industrialização ocorre uma transferência de recursos da agricultura para a manufatura, engatilhando o processo de mudança estrutural. Neste quesito, pelo entendimento à la Kaldor depreende-se a ideia de que os ganhos de produtividade da indústria de transformação são superiores aos dos demais setores da economia. Mais recentemente, a literatura neo-schumpeteriana, em conformidade com a kaldoriana, tem procurado demonstrar que o valor adicionado na indústria foi sempre superior ao da agricultura. A trajetória recente de crescimento dos países da Ásia em desenvolvimento vis-à-vis os latino-americanos exemplifica esse aspecto.
Terceiro, o setor manufatureiro oferece oportunidades especiais para as economias de escala que não são encontradas na mesma intensidade na agricultura ou em serviços. Isso, no entanto, carece de uma observação adicional. Apesar de a literatura enfatizar os efeitos das economias de escala na indústria de transformação, essa propriedade especial da indústria manufatureira não é mais tão exclusiva, principalmente devido à ascensão de serviços associados às novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Essa observação parece condizente com as estratégias adotadas por países em desenvolvimento de articular a expansão das indústrias de transformação e das TICs, tal como explorado em relatório do Banco Mundial (Information and Communications for Development, 2009).
Quarto, em comparação com a agricultura, a indústria manufatureira proporciona maiores oportunidades de acumulação de capital. Isto porque, por questões geográficas, esse processo pode ser realizado mais facilmente na manufatura do que na agricultura. Isso contribui para justificar a importância da constituição da indústria manufatureira no crescimento e desenvolvimento das economias. Ademais, embora estimativas do estoque de capital para países em desenvolvimento sejam muito limitadas, os dados disponíveis indicam que após 1950, apesar do significativo incremento da mecanização do setor agrícola, a indústria manufatureira tem sido muito mais capital intensiva do que outros setores, reiterando sua importância no processo de acumulação capitalista.
Por último, o setor manufatureiro oferece oportunidades particulares para a difusão do progresso tecnológico direta e indiretamente à sua cadeia. Em outras palavras, o avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro se difunde por meio de “spillovers” para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a agricultura. Isso se dá não somente pela maior quantidade e intensidade dos índices de ligação para frente e para trás da cadeia, como também ao chamado “power-of-pull” – “poder de arrasto” – da indústria manufatureira sobre os demais setores da economia.
Sem dúvida, o setor industrial constitui o motor do crescimento e de “catching-up” das economias em desenvolvimento. Desta forma, reconhecer a centralidade da manufatura, suas limitações e especificidades constitui a via de acesso ao desenvolvimento econômico. Mais do que isso, a política de desenvolvimento não pode ser enxergada por uma ótica exclusivamente macro ou microeconômica. Neste cenário, especialmente para o caso brasileiro, faz-se mister aos “policy makers” entenderem que essas esferas devem ser combinadas num movimento de rearticulação do tripé entre política cambial, industrial e de comércio exterior. O sucesso asiático é a prova inequívoca disso.
Igor Lopes Rocha é economista, mestre pelo IE/Unicamp e doutorando da Universidade de Cambridge, Inglaterra.
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