quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Retomada no Brasil é questão de tempo


Retomada no Brasil é questão de tempo

Por Alex Ribeiro | De Washington
Eugenio Savio/Valor / Eugenio Savio/Valor
Williamson, criador da expressão "Consenso de Washington": taxas reais de juros ainda são positivas no Brasil, diferentemente da maior parte do mundo
Criador da expressão "Consenso de Washington", o economista britânico John Williamson está convencido de que a desaceleração econômica no Brasil é sobretudo cíclica e de que será apenas uma questão de tempo para a atividade econômica reagir aos estímulos feitos pelo governo.
"Ainda é cedo", disse Williamson, que recebeu o Valor para uma entrevista, cujos principais trechos são publicados a seguir, em uma manhã ensolarada em seu escritório no Peterson Institute for International Economics, em Washington. Os juros mais baixos e câmbio desvalorizado, afirma ele, ainda vão fazer a diferença. "Não é de se esperar que os efeitos apareçam tão rápido."
A falta de reação da economia tem levado alguns analistas a especular se haveria algo estruturalmente errado com Brasil, como, por exemplo, constrangimentos do lado da oferta que fariam a expansão ser mais modesta daqui para diante. Williamson não compartilha essa visão - para ele, o crescimento potencial do Brasil está na casa dos 4% anuais. Não tão bom quanto os 5% ou mais que os otimistas projetam, mas não tão ruim como os 3% apontados pelos mais pessimistas.
Williamson acha que o Banco Central está correto em se preocupar com outras metas, como a estabilidade financeira e a taxa de câmbio, em vez de focar apenas no controle da inflação. Para ele, não é correto afirmar que, apenas por se preocupar com mais de uma meta, o Brasil tenha abandonado o regime de metas nem trocado o câmbio flutuante por um sistema de bandas.
"O BC tem que ter em mente a importância da taxa de câmbio", afirma. "É de se esperar que, na maior parte do tempo, a taxa de câmbio não dite a política monetária. Mas é bom estar preparado para mudar a política monetária para dar uma olhada na taxa de câmbio."
"Os controles de capitais afetam outros países. Não é apenas uma decisão nacional"
Williamson é reconhecido por ter cunhado a expressão "Consenso de Washington", interpretado por muitos como um conjunto de recomendações feitas na década de 90 pelos organismos multilaterais sediados na cidade, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, que incluem austeridade fiscal, privatizações, desregulamentação e liberalização comercial.
Na entrevista, ele afirma que o governo Dilma tem sido excessivamente dirigista, mas não considera que o clima para investimentos no Brasil seja negativo.
Valor: O Brasil caiu de novo na armadilha do baixo crescimento?
John Williamson : Não. A desaceleração do crescimento econômico é um fenômeno essencialmente cíclico. Não vejo como algo majoritariamente do lado da oferta. Há potencial para a recuperação, e isso deve acontecer.
Valor: Muita gente achava que, se o juro caísse e o câmbio se desvalorizasse, voltaríamos a crescer. O que esta acontecendo?
Williamson : Ainda é muito cedo. Não é de se esperar que os efeitos apareçam tão rápido.
Valor: Então é uma questão de ser paciente?
Williamson : Quem não tem acesso aos juros baixos do BNDES depende das taxas de juros de mercado. Esses estão apenas começando a ver os resultados da política monetária. Ainda não houve tempo para serem tomadas as decisões de investimento.
Valor: Muita gente ficou desapontada porque achava que, agora, o Brasil poderia crescer mais, na casa dos 5%. Não estaríamos de volta ao padrão de crescimento de 3%?
Williamson : Pode crescer mais do que 3%. Eu coloco o crescimento potencial do Brasil em 4%, ou meio ponto percentual acima ou abaixo disso. Porém, não vejo uma grande aceleração no crescimento potencial da economia.
Valor: Por que não? O Brasil não deveria estar crescendo mais próximo dos outros BRICs?
Williamson : O Brasil já era um país com renda acima da média para os padrões dos BRICs. Está melhor do que a Índia e a China. Não sei se melhor do que a Rússia, que tem a vantagem de ser um grande exportador de petróleo. Ninguém deve ficar surpreso se o Brasil crescer menos do que os BRICs. O que se deve é olhar as políticas que estão sendo implementadas no país. Com a presidente Dilma, as políticas se tornaram mais dirigistas, centradas no Estado. É o que se vê com a ênfase no BNDES, com a ênfase no investimento público em vez do privado.
Valor: Há queixas de que o BC agora tem muitas metas. O Banco Central está se afastando do regime de metas de inflação? É algo com que a gente tem de se preocupar?
Williamson : Se a inflação estourar os intervalos de tolerância, isso é algo a se preocupar. Ninguém quer voltar ao tipo de inflação alta que o Brasil teve antes de 1994. Seria algo terrível. Mas, subordinado a isso, faz sentido ter outras metas. Estabilidade financeira é um objetivo levado em consideração por muitos bancos centrais. E os bancos centrais devem ter à sua disposição um segundo conjunto de instrumentos para perseguir a estabilidade financeira, essencialmente as medidas macroprudenciais. Assim o BC pode apertar a regulação quando há um "boom" preocupante no mercado de imóveis, por exemplo. Dessa forma, é perfeitamente possível ter um sistema com metas múltiplas.
"Com a presidente Dilma, as políticas se tornaram mais dirigistas, centradas no Estado"
Valor: Incluindo até meta para a taxa de câmbio?
Williamson : O BC precisa ter em mente a importância da taxa de câmbio. Não faz sentido não se preocupar nem um pouco com o câmbio como fazem os Estados Unidos. É um erro nos Estados Unidos, e seria um erro no Brasil, conduzir a política monetária de forma completamente independente das implicações para a taxa de câmbio. É de se esperar que, na maior parte do tempo, a taxa de câmbio não dite a política monetária. Mas é bom estar preparado para mudar a política monetária para dar uma olhada na taxa de câmbio.
Valor: O Brasil está manejando bem esses múltiplos objetivos? Não teria abandonado o sistema de câmbio flutuante para adotar um regime de bandas?
Williamson : Não existe um regime de bandas, pelo menos que eu esteja a par. Ainda é um sistema em que a política monetária é voltada sobretudo para a meta de inflação. A [variação] da taxa de câmbio foi apenas uma consequência. Eles não gostaram, compraram reservas internacionais e tomaram medidas tentando influenciar a taxa de câmbio. Não me parece ser um mau sistema. Não é perfeito, mas existem sistemas muito piores por aí.
Valor: O Brasil é uma vítima de uma guerra cambial?
Williamson : Guerra cambial foi uma expressão infeliz. A crítica aos Estados Unidos é legítima, eles não levam em conta o efeito [da política monetária] na taxa de câmbio, dos Estados Unidos ou de outros países. Eles simplesmente não olham as taxas de câmbio. Então é errado dizer que eles lançaram uma guerra de moedas. Eles lançaram uma expansão quantitativa que teve implicações para as cotações das moedas. Mas é difícil dizer que outra coisa eles poderiam ter feito. O Federal Reserve é o único com alguma margem de manobra, e eles queriam expandir a economia. Então eles agiram da única maneira possível.
Valor: O Brasil estaria sendo muito suave com a China nesse tema de manipulação de moeda?
Williamson : Infelizmente, esse é um equívoco [do Brasil]. É a China quem está interferindo diretamente nos mercados de câmbio. Uma aliança entre Brasil e Estados Unidos nessa questão seria muito poderosa. Poderia ter muito mais impacto, sobretudo se trouxer para a discussão a Europa e outros BRICs, como Índia e África do Sul. Esse é o verdadeiro problema para o Brasil.
Valor: O Brasil acertou ao impor controles de capitais? É algo que funciona?
Williamson : Não tenho a crença de que não seja possível conseguir nada com controles de capitais. Você não consegue tudo, mas certamente os controles de capitais funcionam em parte. Há enorme evidência disso. Veja o meu país, a Grã-Bretanha. Tivemos controles de capitais até 1979. Funcionou. Havia um prêmio de 30% no dólar em determinados investimentos no exterior. Os controles de capitais funcionam, mas há formas de contorná-los, da mesma forma como impostos são contornáveis. Ninguém afirma que os impostos devem desaparecer apenas porque são contornáveis. Minha diferença de opinião em relação ao Brasil é com a afirmação de que os países devem decidir individualmente sobre os seus controles de capitais, que não deve ter influência internacional. É um equívoco.
Valor: Então o senhor defende mudanças nos artigos de constituição do Fundo Monetário Internacional (FMI) que asseguram o direito de seus membros adotarem controles de capitais?
Williamson : Sim, acho que deve mudar. São necessários controles internacionais sobre movimentos de capitais pelas mesmas razões que existem [regras] para o comércio. Os controles de capitais afetam outros países. Não é apenas uma decisão nacional. Essa negociação deve ser feita numa organização internacional como o FMI.
"Produtividade faz um país rico ou pobre. Não é algo que faz com que um país tenha um bom setor exportador"
Valor: O governo Dilma está sendo protecionista?
Williamson : Sim, claramente. É muito ruim. Essa é uma das razões porque se espera que o Brasil vá crescer um pouco mais lentamente. É a política de discriminação de alguns setores, com algumas empresas favorecidas, e o resto das empresas do outro lado.
Valor: Mas essa não seria apenas uma legítima defesa comercial contra a concorrência desleal que está destruindo a indústria nacional?
Williamson : Com relação a taxas de câmbio, há um argumento válido. A China e os Estados Unidos são responsáveis por problemas que o Brasil enfrenta. Mas esse é um problema de taxa de câmbio. Você não resolve dando privilégios para setores específicos.
Valor: O investimento no Brasil tem sido muito baixo. Há algum problema no clima para investimentos no país?
Williamson : Não é o melhor, mas não é o pior. É intermediário. A tendência é favorecer setores específicos, com protecionismo. Quando o governo procura favorecer o setor de equipamentos de petróleo, por exemplo, com exigência de conteúdo nacional, o efeito mais imediato é diminuir investimentos da Petrobras, tornando-os mais caros.
Valor: E por que os investimentos estão tão baixos?
Williamson : O problema tem sido altas taxas de juros. Elas baixaram desde fins de 2011 e agora estão nos menores patamares já registrados. As taxas reais de juros ainda são positivas no Brasil, diferentemente da maior parte do resto do mundo.
Valor: O baixo investimento teria algo a ver com a incerteza no cenário internacional?
Williamson : Sim, em alguns mercados voltados para a exportação. O mercado chinês não é mais o que era, levando a Vale a reduzir investimentos. Mas é sobretudo uma falta de confiança no mercado brasileiro.
Valor: A América Latina está dividida num grupo composto por economias que patinam, da Argentina e do Brasil de um lado, e de outro o forte crescimento do México, Colômbia e Chile?
Williamson : É verdade que a América Latina é mais dispersa do que era. Mas vejo uma divisão diferente. É uma divisão ideológica, com Argentina, Venezuela e Equador de um lado. De outro, o Brasil estaria com o Chile, Peru, Colômbia e México, num grupo com políticas relativamente mais bem equilibradas.
Valor: Então porque o Brasil cresce menos do que México, Peru e Colômbia?
Williamson : O México está ligado ao mercado americano, que está parecendo melhor, e está recuperando competitividade em relação à China. Peru é o país que cresce mais rápido na América Latina, excetuando Panamá. A extração mineral explica muito desse crescimento.
Valor: O senhor vê o risco de desindustrialização no Brasil? O que pode ser feito?
Williamson : A taxa de câmbio é vital nesse aspecto. É a taxa de câmbio que determina quanto do setor externo estará no Brasil, quando será produzido lá.
Valor: Seria um problema de custo de mão-de-obra e baixa produtividade?
Williamson : Se, por exemplo, a produtividade aumentar, isso dará uma grande vantagem. Mas, depois, isso aparece no custo de mão-de-obra ou na taxa de câmbio. Produtividade faz um país rico ou pobre. Não é algo que faz com que um país tenha um bom setor exportador.
Valor: Quais reformas precisam ser feitas no Brasil para acelerar o crescimento?
Williamson : Os gastos públicos cresceram muito rapidamente. É preciso reduzir. Em segundo lugar, há o mercado de trabalho. Uma questão é a exigência de longos períodos de férias. Há muitos casos de pessoas que, em vez de quatro semanas de férias por ano, gostariam de ter a renda de duas semanas e folgar apenas duas. Se as pessoas gostam de férias, faz sentido a regra. Mas não faz sentido obrigá-las a tirar férias. Há uma diferença entre dar um direito a algo e exigir que algo seja feito. O mercado de trabalho é excessivamente controlado. Um terceiro tema é a complexidade do sistema tributário. O Brasil é reconhecido como um país em que as empresas levam muito tempo preenchendo formulários para o fisco. Há também as dificuldades para criar novas empresas, que variam conforme os Estados. O Brasil como um todo vai muito mal nesse quesito, mas alguns Estados se saem muito bem. É uma questão de um Estado aprender com a experiência do outro.
Valor: O surgimento da nova classe média brasileira poderá ser um motor para o crescimento econômico daqui por diante?
Williamson : Não é a primeira vez em que ocorre um crescimento da classe média no Brasil. Ela cresceu no milagre econômico dos anos 70 e nos anos de Getúlio Vargas. Não é um fenômeno histórico novo. A nova classe média significa novos consumidores. Isso em si mesmo é uma vantagem. Mas não estou certo se leva uma situação completamente diferente do ponto de vista histórico.


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