sábado, 15 de dezembro de 2012

TRABALHO ESCRAVO, QUANDO ACABA? Frei Betto





     Em janeiro de 2004,  três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em Unaí  (MG) ao investigarem trabalho escravo em uma lavoura de feijão. Em janeiro  próximo se completam 9 anos de impunidade. Até agora ninguém foi condenado  pela chacina que tirou as vidas dos auditores Eratóstenes de Almeida  Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva, e do motorista  Ailton Pereira da Silva.
     O Brasil possui uma  eficiente fiscalização do trabalho degradante. O Grupo Móvel atua desde 1995  e, a partir de 2003, já libertou mais de 35 mil trabalhadores, segundo dados  da CPT (Comissão Pastoral da Terra).
     Há obstáculos  permanentes a enfrentar, como aponta meu confrade Xavier Plassat (Prêmio  Nacional de Direitos Humanos 2008), como a burocracia que atrasa a apuração de  denúncias; dificuldades operacionais para agilizar a Polícia Federal, que atua  como polícia judiciária; resistência de algumas superintendências regionais a  fiscalizações efetivas.
     A fiscalização,  entretanto, tem melhorado. Apenas 1/3 das denúncias continua sem investigação.  Isso não significa que libertar trabalhadores faz cessar a escravidão. Ela  deita raízes profundas no solo brasileiro: tivemos o mais longo período de  escravidão nas Américas, 358 anos (1530-1888) e, hoje, a ganância, a miséria e  a impunidade favorecem esse crime hediondo.
     A escravidão não ocorre  apenas em áreas rurais. Expande-se aos grandes centros urbanos, como em  confecções de São Paulo, que exploram a mão de obra de imigrantes bolivianos e  asiáticos.
     Em 2010,  242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades  não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural,  2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento,  abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana de açúcar, soja,  algodão, milho, café, e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de  siderurgias.
     A maioria  dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região  amazônica, principalmente nos estado do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato  Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo Dom Pedro Casaldáliga, ainda  hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio  Nacional de Direitos Humanos 2012).
     Por que trabalho  escravo em pleno século XXI? O lucro! E quando flagrado, o proprietário finge  não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros,  parlamentares, magistrados, artistas de TV, figuram entre proprietários rurais  que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho  escravo.
     Daí a  dificuldade de a Câmara dos Deputados aprovar, após espera de 8 anos, a emenda  constitucional que propõe cancelar a propriedade da terra de quem adota mão de  obra escrava. Felizmente, a PEC 438 foi aprovada em maio deste ano e, agora,  aguarda aprovação do Senado.
     Hoje, o proprietário  rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e  reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da  mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três  ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana  têm, em pleno século XXI, expectativa de vida inferior aos escravos do século  XIX.
     O trabalho  escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio  brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras  (metade dos libertados), e carvão vegetal.
     Há uma estreita  vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia  globocolonizada e a precarização das relações trabalhistas. Eis a  contradição, alerta frei Xavier Plassat: o mesmo governo que estimula as  monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca,  inclusive à imagem do Brasil no exterior.
     A OIT (Organização  Internacional do Trabalho) calcula que, atualmente, haja no mundo de 12 a 27  milhões de trabalhadores escravos. No Brasil, estima-se em 25 mil o número de  pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, inclusive crianças.  
     É hora de as centrais  sindicais descruzarem os braços quanto a essa nódoa do cenário  brasileiro.


Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão”  (Agir), entre outros livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário