O presidente do Equador respondeu conciso e
sem incômodo sobre sua relação com os meios de comunicação, sua receita
econômica e a corrupção. "Nós não estamos lutando por nenhum controle
de meios, nem de espaço radioelétrico. Queremos ter uma verdadeira
liberdade de expressão e uma verdadeira comunicação social", afirmou
Rafael Correa em entrevista especial ao jornal Página/12.
Santiago O’Donnell e Mercedes López San Miguel
Data: 05/12/2012
Buenos Aires - Rafael Correa chega com
passo firme à sala de entrevistas do Hotel Alvear, relaxado e de bom
humor, encabeçando uma nutrida comitiva de assessores e encarregados de
segurança. Casaco azul marinho, camisa branca com bordado étnico e gola
Mao, olhos verdes bem abertos, cumprimenta, toma assento, convida a
perguntar. Recém apresentado como candidato à reeleição frente a uma
oposição fragmentada e débil, com sua recente notoriedade mundial por
dar asilo ao fundador do sitio de megafiltrações Wikileaks, aparenta um
tom mais sereno do que em sua última visita há dois anos, quando veio
apresentar um livro em meio de uma forte disputa com jornalistas de seu
país por um editorial calunioso e um livro de investigação sobre seu
irmão.
Antes de almoçar com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner e de receber o prêmio Rodolfo Walsh da Universidad de La Plata à liberdade de expressão, respondeu curto, conciso e sem incômodo diferentes perguntas de Página/12 sobre sua relação com os meios de comunicação, os resultados de sua receita econômica e como erradicar a corrupção. Também se mostrou como um admirador da presidenta argentina e do ex-presidente Kirchner, expressou seu apoio aos processos de integração regional, manifestou seu repúdio às ações dos fundos abutres e explicou por que tenta um novo mandato presidencial.
– A lei de meios Argentina foi inspiradora do projeto de lei no Equador?
– Provavelmente o processo equatoriano começou antes que o argentino. A Constituição aprovada nas urnas em outubro de 2008 com 63% dos votos do povo equatoriano ordenava como prazo máximo um ano para aprovar uma nova lei de comunicação e os meios a bloquearam sistematicamente. Não conheço a fundo a lei argentina, mas temos conceitos claros: é evidente que se requer uma lei de comunicação para regular e ter controle social de algo tão importante como a comunicação – que pode fazer ou desfazer sociedades – e dentro dela, a informação.
– Por que a lei equatoriana está travada no Congresso?
– Porque quando lhes convém, eles (os meios de comunicação) são os fundamentalistas da democracia, estão acima do bem e do mal. Há um direito fundamental para a sociedade que é a informação. Maravilhoso. Se é tão importante, deve haver um controle social. Mas no final do dia não querem nenhum tipo de regulação nem de responsabilidade, essa é uma dupla moral. Caem na contradição de que privilegiam uma lei da ditadura, onde está tudo isso que supostamente recusam. Incluindo um organismo regulador com maioria do governo, algo que não está na nova lei. Já na lei da ditadura está o organismo regulatório, só que essa parte da lei não se cumpre, porque toca interesses. Cuidado, estamos falando de uma lei de comunicação que incorpora meios escritos, audiovisuais, etc. Mas a comunicação não é dos meios, é dos povos. Esse é o conceito da lei de comunicação que se está tratando no Equador e que para desbloqueá-la na Assembleia, incorporamos uma pergunta na consulta popular de 2011, onde novamente o povo equatoriano ordenou a aprovação da lei. Continua bloqueada e isto põe em evidência a contradição dos poderes fáticos, que falam de democracia e de Estado de Direito quando lhes convém e quando não, são os primeiros em bloquear a manifestação soberana do povo equatoriano.
– O governo não conta com maioria para aprová-la?
– Não, temos a maior minoria. Por isso é que se vem podendo bloquear. Nas próximas eleições presidenciais e legislativas, que se darão no dia 17 de fevereiro, queremos tratar de conseguir essa maioria. Porque não é só a lei de comunicação, também está bloqueado o código penal, leis muito importantes que esperamos aprovar com maioria própria.
– Se estão dando elementos comuns na relação de governos progressistas com os grandes meios de comunicação privados. Em que momento se está na luta pelo controle do espaço radioelétrico?
– Nós não estamos lutando por nenhum controle de meios, nem de espaço radioelétrico. Queremos ter uma verdadeira liberdade de expressão e uma verdadeira comunicação social. Existe um conflito de base: negócios privados com fins de lucro provendo um bem fundamental como a informação. Se é que ao melhorar a qualidade desse direito diminuem as utilidades de negócio, por definição prima o bem privado, não o bem social.
É um conflito que a sociedade tem que ter claro para superá-lo. Como se faz? Uma forma é democratizando os meios de comunicação, criando meios fora da lógica de mercado. Isso significa criar meios públicos, comunitários, sem fins de lucro. Há que avançar em todas essas estratégias. Mas aqui ninguém está contra a liberdade de expressão. Sim contra o problema latente para a democracia e o Estado de Direito: o estado de opinião que nos querem criar, negócios privados dedicados à comunicação, que tem um poder enorme. Também colidem entre eles.
– Parece que o fato de haver processado jornalistas pode estar freando a aprovação da lei?
– Provavelmente. Mas esse é o melhor exemplo do que estamos dizendo. Que com seu poder midiático havia uma lei não escrita de que estes senhores estavam acima da lei. Em um Estado de Direito se perseguem delitos, não pessoas. No Equador havia cerca de três mil processos por injúrias, eu fui denunciado por injúrias pelos opositores. Nunca se falou de falta de liberdade de expressão até que se processou por injúrias um jornalista e então sim se disse: atentado à liberdade de expressão. No Equador não se perseguem pessoas, jornalistas, bombeiros. Os delitos são perseguidos, e todos devemos ser iguais perante a lei. Aí sim se está rompendo o Estado de Direito.
– Qual é seu balanço sobre o que fez e o que lhe falta fazer em um próximo mandato?
– Temos a responsabilidade de continuar com este processo que já é lenda no Equador, que está transformando o país. As estradas, as hidrelétricas, os portos, aeroportos, escolas do milênio, hospitais. Estamos transformando um Estado burguês em Estado popular, transformando as relações de poder. Por que a América Latina, tendo tudo para ser a região mais próspera do mundo, tem ainda pobreza e miséria generalizada? A resposta é complexa, um dos enigmas do desenvolvimento. Em parte se deve à classe de poderes que nos dominaram. Colombo, quando “descobriu”, entre aspas, a América, se encontrou com uma região que tinha mais recursos naturais, ciência, tudo, e não nos desenvolvemos. Parte da resposta vem da classe de poderes que nos dominaram. No Equador já não nos dominam os banqueiros, já não nos dominam as burocracias internacionais como o Fundo Monetário e o Banco Mundial.
Tampouco os países hegemônicos. No Equador quem manda é o povo, e esse é o ponto para o desenvolvimento. Mas ainda falta, devemos consolidar esse processo. Tenho que aceitar o desafio de ser quem aspira a cumpri-lo. Se pudesse haver outra pessoa que o garanta mais do que eu posso fazer, bem-vindo seja e me coloco de lado. Meu movimento político achou que era eu quem oferecia mais garantias de vitória e tenho que aceitar essa responsabilidade.
– A propósito das diferentes lideranças na região, acredita que o processo de integração depende da permanência de Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador ou Cristina Fernández na Argentina?
– As pessoas e as lideranças sempre são importantes. Entretanto, eu acredito que um dos grandes avanços da região é que, independentemente da orientação política dos governos – direita ou esquerda –, temos denominadores comuns, como a defesa da democracia e uma vocação integracionista. Essa tem sido uma agradável experiência nestes anos de governo. Independentemente de se o Chile tem um governo de esquerda ou de direita, o denominador comum é a aspiração de criar a pátria grande. As convicções e fundamentos na região superam as pessoas e as lideranças nestes momentos.
– Qual é sua opinião sobre o processo que está se dando na Argentina?
– É um processo tremendamente exitoso. Admiro muito a Cristina, é uma mulher extremamente brilhante. E admiro os últimos governos argentinos, me refiro ao de Néstor Kirchner e o dela. Recuperou-se o orgulho argentino, a autoestima que estava muito baixa. Lembrem o que foi a época de Menem! Em nível econômico é uma Argentina renascendo das cinzas como a Ave Fênix, das cinzas às que levaram o neoliberalismo. O colapso da convertibilidade foi um escuro capítulo da longa e triste noite neoliberal. Admiro o processo argentino e a sua Presidenta. Admiro também ao Néstor, fundador da Unasul, um convencido integracionista. O primeiro secretário geral da Unasul.
– A Unasul respaldou a postura argentina de limitar o acionar dos fundos abutre. O que pode dizer a respeito?
– Evidente! Isso não faz outra coisa senão demonstrar a supremacia do capital financeiro sobre os povos. Fundos marginais! Quando ganha o capital especulativo, eles celebram; quando perdem, aí temos que perder todos. O que tratam é, utilizando a instância jurídica – que sempre está em função do grande capital em determinados países ao menos –, buscar o máximo de rentabilidade de seus investimentos especulativos. É evidente que a América Latina deve recusar de forma contundente essas ações.
– Apelando a sua formação como economista, queria perguntar por que seus dois vizinhos, ao norte e ao sul, conseguiram resultados macroeconômicos superiores ao Equador aplicando receitas neoliberais.
–(Sorrindo) Felicito esses vizinhos. Cuidado que o fim último não são os resultados macroeconômicos, menos ainda os indicadores neoliberais da economia ortodoxa. O fim último é o ser humano. Vejamos quanto se reduziu a pobreza e se conseguiu equidade, ou a própria taxa de crescimento do emprego. O salário real, também. Insisto: é fácil manipular as cifras macroeconômicas: se amanhã eu digo às empresas petroleiras que venham e invistam e podem levar todo o petróleo, verão que triplico o investimento, e duplico a taxa de crescimento, mas não sobra nada no país. De que nos serve esse crescimento? Quantas vezes os indicadores macroeconômicos são conceitos vazios? O importante é ver a repercussão desses indicadores no nível de vida das pessoas. Se você quer, inclusive para uma situação como a da América Latina, o continente mais desigual do planeta, com pobreza e miséria, o melhor indicador de desenvolvimento e da qualidade das políticas públicas seria a redução de pobreza absoluta. De acordo com a própria Cepal em seu último relatório, o Equador, em 2011, foi um dos dois países que mais reduziu a pobreza na região.
– Que acrescentaria a incorporação do Equador ao Mercosul e como prevê a dinâmica das relações?
– Já temos diferentes relações com todos os membros do Mercosul e acho que seria altamente benéfico para o bloco ter um membro com costa no Pacífico, seria a saída para o Pacífico. Claro que para o Equador apresenta vantagens que estamos estudando e certos riscos como para já tomar uma decisão definitiva. Fomos convidados, nos sentimos honrados e estamos analisando a proposta.
– Que opina do processo de paz na Colômbia?
– É das melhores notícias dos últimos anos. Uma decisão política histórica e valente do presidente Santos. Do Equador a apoiamos de coração e fazemos votos para que o processo de paz chegue a um fim exitoso e termine a guerra fratricida na Colômbia, uma guerra de meio século que afetou o Equador – em vidas, em recursos –, mas, sobretudo custou demasiado sangue na Colômbia. Para buscar a justiça social existem alternativas, já se derramou muito sangue.
– Como estão as relações com os Estados Unidos?
– Bem, sempre que se desenvolvam em um marco de mútuo respeito, dignidade e soberania, é maravilhoso. É nosso principal sócio comercial. Eu morei nos Estados Unidos, é um país que aprecio muito. Tenho dois diplomas em universidades norte-americanas, morei quatro anos com minha família nos Estados Unidos. Foram anos dos mais tranquilos e felizes. Fui professor universitário e sempre gostei mais de aprender que de ensinar. Deram-me uma bolsa, me pagavam para aprender. Tenho gratas lembranças dos Estados Unidos.
– Deram algum sinal a respeito das preferências tarifárias?
– Renovaram por um ano. É algo que devemos superar na região andina. Cada ano vivemos preocupados em ver se nos renovam ou não. É uma pequena porção de exportações que se beneficiam para nosso país. O Equador é um dos países mais exitosos na luta antidrogas, o único país andino sem cultura de drogas e está em meio de dois dos maiores produtores de cocaína do mundo, Peru e Colômbia. As preferências tarifárias foram criadas no governo de Clinton como compensação à luta antidrogas, uma luta que é caríssima. Mas pouco a pouco se transformou em um instrumento de política exterior: se te comportas mal, te tiro. O Equador não vai se submeter a essa classe de ameaças. Se nos dão as preferências, em boa hora; se não, também.
– Como se combate a corrupção?
– De muitas formas. A luta contra a corrupção não é só do presidente, é do povo. E a América Latina tem sido muito tolerante com a corrupção. Se um vizinho assume uma função pública e em pouco tempo vemos que adquire bens que não pode justificar, não podemos aceitá-lo. Devemos ser os mais duros autocríticos, tivemos antivalores e temos sido tolerantes com diferentes formas de corrupção, como a mentira. É antinatural a mentira, e é parte deste problema. Se um político mente em outras partes do mundo, não ganha nem meia eleição. Se um jornalista mente, perde seu trabalho.
A luta contra a corrupção é de todo um povo, não só dos políticos. Claro que existem estratégias muito concretas para essa luta, como as leis para evitar o enriquecimento público e privado também. Nisso estamos. Foi aprovado, na consulta popular, sancionar o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e também do setor privado se não pode justificar de onde provêm seus lucros. Temos que tornar mais transparentes as compras públicas, podem ser aplicadas muitas políticas de transparência.
Também há a necessidade de um Poder Judiciário honesto e que sancione. Mas, sobretudo, que exista consciência na sociedade, que exista uma sanção moral.
– E a exemplaridade?
– Evidente, o exemplo deve ser dado pelos líderes.
Antes de almoçar com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner e de receber o prêmio Rodolfo Walsh da Universidad de La Plata à liberdade de expressão, respondeu curto, conciso e sem incômodo diferentes perguntas de Página/12 sobre sua relação com os meios de comunicação, os resultados de sua receita econômica e como erradicar a corrupção. Também se mostrou como um admirador da presidenta argentina e do ex-presidente Kirchner, expressou seu apoio aos processos de integração regional, manifestou seu repúdio às ações dos fundos abutres e explicou por que tenta um novo mandato presidencial.
– A lei de meios Argentina foi inspiradora do projeto de lei no Equador?
– Provavelmente o processo equatoriano começou antes que o argentino. A Constituição aprovada nas urnas em outubro de 2008 com 63% dos votos do povo equatoriano ordenava como prazo máximo um ano para aprovar uma nova lei de comunicação e os meios a bloquearam sistematicamente. Não conheço a fundo a lei argentina, mas temos conceitos claros: é evidente que se requer uma lei de comunicação para regular e ter controle social de algo tão importante como a comunicação – que pode fazer ou desfazer sociedades – e dentro dela, a informação.
– Por que a lei equatoriana está travada no Congresso?
– Porque quando lhes convém, eles (os meios de comunicação) são os fundamentalistas da democracia, estão acima do bem e do mal. Há um direito fundamental para a sociedade que é a informação. Maravilhoso. Se é tão importante, deve haver um controle social. Mas no final do dia não querem nenhum tipo de regulação nem de responsabilidade, essa é uma dupla moral. Caem na contradição de que privilegiam uma lei da ditadura, onde está tudo isso que supostamente recusam. Incluindo um organismo regulador com maioria do governo, algo que não está na nova lei. Já na lei da ditadura está o organismo regulatório, só que essa parte da lei não se cumpre, porque toca interesses. Cuidado, estamos falando de uma lei de comunicação que incorpora meios escritos, audiovisuais, etc. Mas a comunicação não é dos meios, é dos povos. Esse é o conceito da lei de comunicação que se está tratando no Equador e que para desbloqueá-la na Assembleia, incorporamos uma pergunta na consulta popular de 2011, onde novamente o povo equatoriano ordenou a aprovação da lei. Continua bloqueada e isto põe em evidência a contradição dos poderes fáticos, que falam de democracia e de Estado de Direito quando lhes convém e quando não, são os primeiros em bloquear a manifestação soberana do povo equatoriano.
– O governo não conta com maioria para aprová-la?
– Não, temos a maior minoria. Por isso é que se vem podendo bloquear. Nas próximas eleições presidenciais e legislativas, que se darão no dia 17 de fevereiro, queremos tratar de conseguir essa maioria. Porque não é só a lei de comunicação, também está bloqueado o código penal, leis muito importantes que esperamos aprovar com maioria própria.
– Se estão dando elementos comuns na relação de governos progressistas com os grandes meios de comunicação privados. Em que momento se está na luta pelo controle do espaço radioelétrico?
– Nós não estamos lutando por nenhum controle de meios, nem de espaço radioelétrico. Queremos ter uma verdadeira liberdade de expressão e uma verdadeira comunicação social. Existe um conflito de base: negócios privados com fins de lucro provendo um bem fundamental como a informação. Se é que ao melhorar a qualidade desse direito diminuem as utilidades de negócio, por definição prima o bem privado, não o bem social.
É um conflito que a sociedade tem que ter claro para superá-lo. Como se faz? Uma forma é democratizando os meios de comunicação, criando meios fora da lógica de mercado. Isso significa criar meios públicos, comunitários, sem fins de lucro. Há que avançar em todas essas estratégias. Mas aqui ninguém está contra a liberdade de expressão. Sim contra o problema latente para a democracia e o Estado de Direito: o estado de opinião que nos querem criar, negócios privados dedicados à comunicação, que tem um poder enorme. Também colidem entre eles.
– Parece que o fato de haver processado jornalistas pode estar freando a aprovação da lei?
– Provavelmente. Mas esse é o melhor exemplo do que estamos dizendo. Que com seu poder midiático havia uma lei não escrita de que estes senhores estavam acima da lei. Em um Estado de Direito se perseguem delitos, não pessoas. No Equador havia cerca de três mil processos por injúrias, eu fui denunciado por injúrias pelos opositores. Nunca se falou de falta de liberdade de expressão até que se processou por injúrias um jornalista e então sim se disse: atentado à liberdade de expressão. No Equador não se perseguem pessoas, jornalistas, bombeiros. Os delitos são perseguidos, e todos devemos ser iguais perante a lei. Aí sim se está rompendo o Estado de Direito.
– Qual é seu balanço sobre o que fez e o que lhe falta fazer em um próximo mandato?
– Temos a responsabilidade de continuar com este processo que já é lenda no Equador, que está transformando o país. As estradas, as hidrelétricas, os portos, aeroportos, escolas do milênio, hospitais. Estamos transformando um Estado burguês em Estado popular, transformando as relações de poder. Por que a América Latina, tendo tudo para ser a região mais próspera do mundo, tem ainda pobreza e miséria generalizada? A resposta é complexa, um dos enigmas do desenvolvimento. Em parte se deve à classe de poderes que nos dominaram. Colombo, quando “descobriu”, entre aspas, a América, se encontrou com uma região que tinha mais recursos naturais, ciência, tudo, e não nos desenvolvemos. Parte da resposta vem da classe de poderes que nos dominaram. No Equador já não nos dominam os banqueiros, já não nos dominam as burocracias internacionais como o Fundo Monetário e o Banco Mundial.
Tampouco os países hegemônicos. No Equador quem manda é o povo, e esse é o ponto para o desenvolvimento. Mas ainda falta, devemos consolidar esse processo. Tenho que aceitar o desafio de ser quem aspira a cumpri-lo. Se pudesse haver outra pessoa que o garanta mais do que eu posso fazer, bem-vindo seja e me coloco de lado. Meu movimento político achou que era eu quem oferecia mais garantias de vitória e tenho que aceitar essa responsabilidade.
– A propósito das diferentes lideranças na região, acredita que o processo de integração depende da permanência de Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador ou Cristina Fernández na Argentina?
– As pessoas e as lideranças sempre são importantes. Entretanto, eu acredito que um dos grandes avanços da região é que, independentemente da orientação política dos governos – direita ou esquerda –, temos denominadores comuns, como a defesa da democracia e uma vocação integracionista. Essa tem sido uma agradável experiência nestes anos de governo. Independentemente de se o Chile tem um governo de esquerda ou de direita, o denominador comum é a aspiração de criar a pátria grande. As convicções e fundamentos na região superam as pessoas e as lideranças nestes momentos.
– Qual é sua opinião sobre o processo que está se dando na Argentina?
– É um processo tremendamente exitoso. Admiro muito a Cristina, é uma mulher extremamente brilhante. E admiro os últimos governos argentinos, me refiro ao de Néstor Kirchner e o dela. Recuperou-se o orgulho argentino, a autoestima que estava muito baixa. Lembrem o que foi a época de Menem! Em nível econômico é uma Argentina renascendo das cinzas como a Ave Fênix, das cinzas às que levaram o neoliberalismo. O colapso da convertibilidade foi um escuro capítulo da longa e triste noite neoliberal. Admiro o processo argentino e a sua Presidenta. Admiro também ao Néstor, fundador da Unasul, um convencido integracionista. O primeiro secretário geral da Unasul.
– A Unasul respaldou a postura argentina de limitar o acionar dos fundos abutre. O que pode dizer a respeito?
– Evidente! Isso não faz outra coisa senão demonstrar a supremacia do capital financeiro sobre os povos. Fundos marginais! Quando ganha o capital especulativo, eles celebram; quando perdem, aí temos que perder todos. O que tratam é, utilizando a instância jurídica – que sempre está em função do grande capital em determinados países ao menos –, buscar o máximo de rentabilidade de seus investimentos especulativos. É evidente que a América Latina deve recusar de forma contundente essas ações.
– Apelando a sua formação como economista, queria perguntar por que seus dois vizinhos, ao norte e ao sul, conseguiram resultados macroeconômicos superiores ao Equador aplicando receitas neoliberais.
–(Sorrindo) Felicito esses vizinhos. Cuidado que o fim último não são os resultados macroeconômicos, menos ainda os indicadores neoliberais da economia ortodoxa. O fim último é o ser humano. Vejamos quanto se reduziu a pobreza e se conseguiu equidade, ou a própria taxa de crescimento do emprego. O salário real, também. Insisto: é fácil manipular as cifras macroeconômicas: se amanhã eu digo às empresas petroleiras que venham e invistam e podem levar todo o petróleo, verão que triplico o investimento, e duplico a taxa de crescimento, mas não sobra nada no país. De que nos serve esse crescimento? Quantas vezes os indicadores macroeconômicos são conceitos vazios? O importante é ver a repercussão desses indicadores no nível de vida das pessoas. Se você quer, inclusive para uma situação como a da América Latina, o continente mais desigual do planeta, com pobreza e miséria, o melhor indicador de desenvolvimento e da qualidade das políticas públicas seria a redução de pobreza absoluta. De acordo com a própria Cepal em seu último relatório, o Equador, em 2011, foi um dos dois países que mais reduziu a pobreza na região.
– Que acrescentaria a incorporação do Equador ao Mercosul e como prevê a dinâmica das relações?
– Já temos diferentes relações com todos os membros do Mercosul e acho que seria altamente benéfico para o bloco ter um membro com costa no Pacífico, seria a saída para o Pacífico. Claro que para o Equador apresenta vantagens que estamos estudando e certos riscos como para já tomar uma decisão definitiva. Fomos convidados, nos sentimos honrados e estamos analisando a proposta.
– Que opina do processo de paz na Colômbia?
– É das melhores notícias dos últimos anos. Uma decisão política histórica e valente do presidente Santos. Do Equador a apoiamos de coração e fazemos votos para que o processo de paz chegue a um fim exitoso e termine a guerra fratricida na Colômbia, uma guerra de meio século que afetou o Equador – em vidas, em recursos –, mas, sobretudo custou demasiado sangue na Colômbia. Para buscar a justiça social existem alternativas, já se derramou muito sangue.
– Como estão as relações com os Estados Unidos?
– Bem, sempre que se desenvolvam em um marco de mútuo respeito, dignidade e soberania, é maravilhoso. É nosso principal sócio comercial. Eu morei nos Estados Unidos, é um país que aprecio muito. Tenho dois diplomas em universidades norte-americanas, morei quatro anos com minha família nos Estados Unidos. Foram anos dos mais tranquilos e felizes. Fui professor universitário e sempre gostei mais de aprender que de ensinar. Deram-me uma bolsa, me pagavam para aprender. Tenho gratas lembranças dos Estados Unidos.
– Deram algum sinal a respeito das preferências tarifárias?
– Renovaram por um ano. É algo que devemos superar na região andina. Cada ano vivemos preocupados em ver se nos renovam ou não. É uma pequena porção de exportações que se beneficiam para nosso país. O Equador é um dos países mais exitosos na luta antidrogas, o único país andino sem cultura de drogas e está em meio de dois dos maiores produtores de cocaína do mundo, Peru e Colômbia. As preferências tarifárias foram criadas no governo de Clinton como compensação à luta antidrogas, uma luta que é caríssima. Mas pouco a pouco se transformou em um instrumento de política exterior: se te comportas mal, te tiro. O Equador não vai se submeter a essa classe de ameaças. Se nos dão as preferências, em boa hora; se não, também.
– Como se combate a corrupção?
– De muitas formas. A luta contra a corrupção não é só do presidente, é do povo. E a América Latina tem sido muito tolerante com a corrupção. Se um vizinho assume uma função pública e em pouco tempo vemos que adquire bens que não pode justificar, não podemos aceitá-lo. Devemos ser os mais duros autocríticos, tivemos antivalores e temos sido tolerantes com diferentes formas de corrupção, como a mentira. É antinatural a mentira, e é parte deste problema. Se um político mente em outras partes do mundo, não ganha nem meia eleição. Se um jornalista mente, perde seu trabalho.
A luta contra a corrupção é de todo um povo, não só dos políticos. Claro que existem estratégias muito concretas para essa luta, como as leis para evitar o enriquecimento público e privado também. Nisso estamos. Foi aprovado, na consulta popular, sancionar o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e também do setor privado se não pode justificar de onde provêm seus lucros. Temos que tornar mais transparentes as compras públicas, podem ser aplicadas muitas políticas de transparência.
Também há a necessidade de um Poder Judiciário honesto e que sancione. Mas, sobretudo, que exista consciência na sociedade, que exista uma sanção moral.
– E a exemplaridade?
– Evidente, o exemplo deve ser dado pelos líderes.
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