O Lucro Brasil
“O Brasil está numa posição muito, muito especial. Eu vou
produzir petróleo a US$ 18 (o barril). Pergunta se eu estou preocupado se ele
está caindo de US$ 100 para US$ 90. Se cair para US$ 80, tudo bem, who cares
(quem se importa, em inglês)? Meu custo de produção de minério de ferro é de
US$ 29. O minério chegou a mais de US$ 170 em meio à crise, subiu de preço”
(empresário Eike Batista, em entrevista ao jornal O Globo).
.
Recentemente
a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma lista com 101 sugestões visando elevar
a competitividade e a produtividade da indústria brasileira, através da redução
de custos, da diminuição da burocracia, e principalmente, de mudanças nas leis
trabalhistas. O documento, intitulado “Propostas para Modernização Trabalhista”,
é bastante abrangente, propõe a substituição do legislado pelo negociado e pede
a revogação de Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, na visão dos
empresários, favorecem aos trabalhadores. Um dos aspectos centrais do referido
documento é a flexibilização e redução dos direitos trabalhistas, via mudança
constitucional ou na legislação infraconstitucional, através de mudanças na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Para acabar com as “irracionalidades” da CLT a
Confederação sugere 65 projetos de lei, três projetos de lei complementar,
cinco projetos de emenda à Constituição (PECs), 13 atos normativos, sete
revisões de súmulas do TST, seis decretos, cinco portarias e duas normas de
regulamentação (NR) do Ministério do Trabalho na área da saúde e segurança do
trabalho. Segundo a CNI a adoção das medidas tornará a indústria brasileira
mais competitiva e preparada para enfrentar a concorrência internacional, que
tende a aumentar com o prolongamento da crise na Europa.
É
importante observar que as medidas foram sugeridas pela CNI, em um momento que
o Governo Dilma tem atendido a várias reivindicações históricas do
empresariado. Destaco algumas mais importantes:
1)Desoneração da folha de pagamentos, que abrangerá
42 setores (15 já estão sendo desonerados). Somente com esse incentivo, o governo vai deixar de recolher R$ 16
bilhões em 2013. Com essa e as demais desonerações, o governo deixou de
arrecadar em 2012 cerca de R$ 45 bilhões, equivalente a 1% do PIB;
2) A pedido do
setor industrial o governo tem elevado alíquotas de importação de inúmeros produtos,
decisão que afeta principalmente produtos da China e Estados Unidos, dois dos principais concorrentes;
3) Recentemente o governo
divulgou um pacote de medidas que atende reivindicações históricas de redução
do custo da energia elétrica para as indústrias. Estima-se
que na média, a indústria passe a pagar 20% menos pela energia elétrica,
tirando o Brasil do topo do ranking das mais caras energias do mundo;
4) O Brasil
pratica atualmente as menores taxas de juros da história (menos de 2% em termos
reais), caminhando em direção a uma confluência com as taxas internacionais. No
médio prazo isso trará expressivos benefícios para o setor produtivo, que terá
custos de obtenção do capital compatíveis. Essa medida, somada às outras
medidas de desoneração, permitirá a redução dos preços, combaterá a inflação e contribui
para elevar a competitividade da indústria brasileira;
5) Recentemente
foi anunciado um ambicioso programa de investimentos em rodovias e ferrovias,
com previsão de mais de R$ 130 bilhões em recursos e cuja implantação deve
acelerar a partir de 2013;
6) Em 04 de dezembro foram anunciadas uma série de medidas
que criam uma
robusta linha de crédito e diminuem a cobrança de impostos para incentivar o
setor da construção civil. As medidas prevee ainda a desoneração da folha no
setor e a criação de uma linha de crédito para fluxo de caixa de micro e
pequenas empresas. Os incentivos fiscais para outros setores econômicos, claro,
também devem impactar na construção civil e ajudar a crescer;
7) O custo financeiro para
investimentos sofreu uma readequação estrutural. Além da mencionada queda da
taxa Selic o governo reduziu a taxa de juros do Programa de
Sustentação do Investimento (PSI) para 2,5% ao ano no último trimestre de 2012.
Este Programa que está sendo renovado para 2013, disponibilizará para as
empresas R$ 100 bilhões para investimentos, com taxa média em torno de 3,5% ao
ano.
A lista poderia ser bem mais longa, se
houvesse espaço neste artigo. É curioso como o empresariado brasileiro insiste
em atribuir o chamado Custo Brasil aos salários e aos direitos trabalhistas,
quando se sabe que a margem de lucro no Brasil é uma das mais elevadas do
mundo. Veja o caso das montadoras, um dos mais extremos. Há décadas os
dirigentes do setor vendem a ideia de que o elevado preço dos carros no Brasil
se deve à carga tributária e ao custo Brasil, ou seja, à burocracia, estrutura
logística inadequada, taxas de juros exorbitantes, e coisas dessa natureza. Essas
dificuldades competitivas explicariam porque o brasileiro desembolsa US$ 37.636
por um Corolla e o norte-americano paga US$ 15.450 pelo mesmo veículo. Enquanto
o brasileiro paga R$ 65.000 no Jetta, no México custa R$ 40 mil e R$ 30 mil nos
EUA. Recentemente a revista Forbes ridicularizou os preços no Brasil, mostrando
que um Jeep Grand Cherokee básico custa US$ 89.500 (R$ 179 mil) aqui, enquanto,
por esse valor, em Miami, é possível comprar três unidades do modelo, que custa
US$ 28 mil. Os inúmeros exemplos estão estampados na mídia.
Se realmente o alegado custo Brasil fosse
uma razão fundamental para os elevados preços dos veículos, como explicar que,
após a crise de 2008, os preços diminuíram significativamente? A crise mostrou
que havia margens muito significativas de lucro, que poderiam baixar. Tanto é
verdade que enquanto em 2008 e 2009 as montadoras tiveram grandes prejuízos em
todo o mundo, no Brasil, entre 2009 até meados de 2012, as montadoras enviaram US$
14,6 bilhões, à título de remessa de lucros para suas matrizes, localizadas nos
países desenvolvidos (o lucro
enviado ao exterior é semelhante ao valor das isenções fiscais obtidas pelas
empresas no período). Os carros importados da China mostraram o quanto os
carros estão caros no país. Muito mais equipados e baratos, os veículos
chineses obrigaram as montadoras tradicionais no Brasil a reposicionarem os seu
preços e melhorar a qualidade de seus carros para enfrentar a concorrência.
O assunto é tão importante que a Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado realizou em novembro de 2012 uma audiência
pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos
automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”. Um Estudo
apresentado na audiência pelo SINDIPEÇAS (Sindicato Nacional da Indústria de
Componentes para Veículos Automotores) revelou que a margem de lucro das
montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de
10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%. Segundo o referido estudo o custo
de produção do veículo no Brasil é menor do que em qualquer parte do mundo, equivalendo
a 58% do valor final do carro. A média mundial é de 79%, e nos Estados Unidos
esse custo sobre para uma faixa entre 88% e 91%.
Uma das alegações dos empresários para
justificar a elevada rentabilidade dos negócios no Brasil são os custos de
remuneração do capital, uma das maiores do mundo, em função das históricas
taxas de juros elevadas. Neste momento, em que as taxas de juros no Brasil
estão confluindo para níveis internacionais, (com grande oposição do setor
financeiro, historicamente habituado às mais altas taxas de lucros do mundo) esse
discurso vai ficar cada vez mais desmoralizado.
José Álvaro de Lima Cardoso
(Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina).
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