Autor(es): José Luis Oreiro |
Valor Econômico - 27/12/2012 |
Os
dados divulgados recentemente pelo IBGE a respeito do PIB do terceiro
trimestre de 2012 confirmam as análises feitas anteriormente neste
espaço de que a economia brasileira encontra-se numa situação de
estagnação. Após um crescimento de 2,7% em 2011, a economia brasileira
corre o sério risco de crescer menos do que 1% em 2012 e apresentar um
crescimento inferior a 3% em 2013.
O
comportamento pífio do PIB ocorre, contudo, num contexto em que a média
móvel dos últimos 12 meses da taxa de desemprego nas regiões
metropolitanas continua sua trajetória de queda, encontrando-se hoje num
valor próximo a 5,5% da força de trabalho, menos da metade do valor
observado em dezembro de 2003. Curiosamente, a estagnação da economia
brasileira se dá num contexto de "pleno emprego" da força de trabalho.
Para
economistas de formação puramente keynesiana, o fenômeno da estagnação
com pleno-emprego é aparentemente incompreensível. Isso porque a
obtenção de um nível de emprego elevado seria um sinal claro de que o
nível de demanda efetiva prevalecente na economia é muito alto, o que
deveria se refletir positivamente na disposição dos empresários em
realizar grandes projetos de investimento. Nesse contexto, haveria uma
correlação negativa entre a taxa de desemprego e a taxa de investimento,
tornando assim impossível a ocorrência de uma situação de estagnação e
pleno emprego.
Medidas de estímulo à demanda são ineficazes porque não atuam para eliminar a perda de competitividade
A
compreensão da lógica da estagnação com pleno emprego exige um
arcabouço teórico mais abrangente do que a teoria keynesiana
"fundamentalista". De fato, a efetiva compreensão desse fenômeno exige a
utilização daquilo que podemos denominar de abordagem
keynesiano-estruturalista, que consiste na síntese entre a teoria
macroeconômica de inspiração keynesiana com a teoria estruturalista do
desenvolvimento.
Na
teoria estruturalista do desenvolvimento, o crescimento de longo prazo
depende da composição setorial da produção, mais especificamente depende
da participação da indústria de transformação no PIB. Isso porque a
indústria é o motor de crescimento de longo prazo das economias
capitalistas uma vez que ela é a fonte ou a principal difusora do
progresso técnico para a economia como um todo, é o setor com maiores
encadeamentos para frente e para trás na cadeia produtiva, é a fonte das
economias estáticas e dinâmicas de escala e o setor cujos produtos
possuem a maior elasticidade renda de exportação, permitindo assim o
relaxamento da restrição externa ao crescimento. Sendo assim, o
crescimento da economia no longo prazo é extremamente dependente do
crescimento da produção industrial.
A
partir desse referencial teórico, podemos constatar que a estagnação
recente da economia brasileira é decorrência da estagnação da produção
industrial. Com efeito, a média móvel dos últimos 12 meses da produção
física da indústria de transformação ficou estagnada ao longo do ano de
2011, apresentando uma nítida tendência de queda ao longo do ano de
2012. A estagnação/queda da produção industrial foi acompanhada pela
estagnação/queda da produtividade do trabalho na indústria (decorrência
da lei de Kaldor-Verdoorn). Como a indústria é o setor da economia que
utiliza mais intensamente máquinas e equipamentos não é surpresa se
verificar que a estagnação/queda da produção industrial tem sido seguida
por uma forte contração da formação bruta de capital fixo da economia
brasileira a partir do segundo trimestre de 2011.
Qual
a razão da estagnação da produção industrial? Essa situação não se deve
a uma suposta escassez de demanda agregada, haja vista que as vendas no
varejo mantém uma nítida tendência de elevação e, mais importante, o
faturamento da indústria também continua aumentando, apesar da
estagnação da produção física!!!
A
explicação para esses fatos é que a indústria brasileira não está
conseguindo ter acesso à demanda doméstica, uma vez que o acesso a essa
demanda depende da sua competitividade, a qual vem sendo corroída de
forma sistemática pelo crescimento dos salários na frente da
produtividade do trabalho e pela apreciação da taxa real de câmbio. De
fato, a relação custo unitário do trabalho/taxa real efetiva de câmbio
aumentou nada menos do que 60% entre dezembro de 2001 e dezembro de
2011. A perda de competitividade da indústria somada com uma expansão
ainda robusta da demanda doméstica, em função dos efeitos combinados do
crescimento dos salários e das medidas de estímulo do governo, acaba
atuando como elemento catalisador do processo de substituição da
produção doméstica por importações, a qual se expressa na brutal
elevação do coeficiente de penetração das importações, que passou de 10%
em 2003 para 21% em 2012. A substituição da produção doméstica por
importações explica o aparente paradoxo do aumento do faturamento da
indústria num contexto de estagnação da produção física, uma vez que a
indústria brasileira está se transformando crescentemente numa
maquiladora.
Por
fim, o ritmo robusto de expansão da demanda doméstica atua no sentido
de estimular o setor de serviços, o qual é altamente intensivo em mão de
obra, razão pela qual a estagnação da produção industrial se faz
acompanhar por um elevado nível de emprego.
Daqui
se segue que as medidas de estímulo à demanda agregada feitas pelo
Ministério da Fazenda e pelo Banco Central são ineficazes para lidar com
o problema de estagnação com pleno-emprego porque não atuam no sentido
de eliminar a perda de competitividade da indústria brasileira.
José
Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de
Brasília e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira
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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
Estagnação com pleno emprego
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