sábado, 29 de dezembro de 2012

"Milagres econômicos" da guerra fria


"Milagres econômicos" da guerra fria
Por José Luís Fiori
Salvo engano, foi o jornal "The Times" que falou pela primeira vez -
em 1950 - de "milagres econômicos", referindo-se a países com
prolongados períodos de altas taxas de crescimento econômico
sustentado. Depois, essa expressão foi utilizada para caracterizar o
crescimento da Alemanha, Itália, Japão, Coreia e Brasil, entre as
décadas de 50 e 80, período áureo da Guerra Fria. Entre 1950 e 1973, o
produto nacional da Republica Federal Alemã, cresceu a uma taxa média
anual de 5,05%; no mesmo período, a Itália cresceu 5,68%; o Japão,
9,29%; e a Coreia do Sul, 9.85%. No Brasil, as taxas foram mais altas
e descontínuas, com uma média de 8%, entre 1955 e 1960, 11%, entre 67
e 73, e 6,4% entre 74 e 80, mas com uma queda significativa no período
61/67. Assim mesmo, depois de 1980, a taxa de crescimento de todos
esses países caiu de forma desigual mas permanente.

Agora bem, a despeito de suas grandes diferenças históricas e
políticas, Alemanha, Japão, Itália e Coreia foram derrotados e
destruídos - na Segunda Guerra Mundial ou na Guerra da Coreia - e
depois foram ocupados e transformados em "protetorados militares" dos
EUA. Logo depois da guerra, a ideia americana era desmontar as antigas
estruturas econômicas desses países. Mas, com o começo da Guerra Fria
e o fim da Guerra da Coreia, esse projeto inicial foi substituído por
uma política diametralmente oposta, de estímulo ao crescimento
econômico, com forte participação dos governos locais, e dos próprios
agentes econômicos e instituições privadas do pré-guerra. Por isso se
pode dizer com toda certeza que a lógica da Guerra Fria pesou
decisivamente na origem dos "milagres econômicos", e na transformação
posterior daqueles países em peças centrais da engrenagem econômica do
poder global dos Estados Unidos, pelo menos até a década de 70.

No caso do Brasil - que foi aliado dos EUA na Segunda Guerra Mundial -
o caminho foi diferente, mas também se pode falar de um "convite" que
foi aceito - depois do Acordo Militar Brasil-EUA, de 1952 - e que
transformou o Brasil no pivot central da estratégia desenvolvimentista
americana, para a América Sul. A nova política foi experimentada
primeiro com o governo JK - inteiramente alinhado com os EUA e com o
colonialismo europeu - e só depois, a partir de 1964, sob comando
direto do regime militar.

Estratégia americana permitiu o cerco e a desconstrução final da União
Soviética e o fim da Guerra Fria

Depois de quase três décadas de "milagre econômico", entretanto, esse
processo foi interrompido pela "crise americana" da década de 70, e
pela nova mudança da política internacional dos EUA. Tudo começou com
a reaproximação da China, no início da década de 70, que levou à
derrota/saída americana do Vietnã, e ao redesenho do equilíbrio do
poder no sudeste asiático. Foi nesse mesmo contexto que os EUA
decidiram abandonar Bretton Woods, liberando sua moeda e iniciando a
desregulação do seu mercado financeiro, com a lenta construção de um
novo sistema monetário internacional, baseado no dólar, mas sem base
metálica. A nova estratégia permitiu o cerco e desconstrução final da
URSS e o fim da Guerra Fria, mas, ao mesmo tempo, ela desativou ou
esvaziou o papel econômico que fora ocupado pela Alemanha e pelo
Japão, e secundariamente pelo Brasil, durante as primeiras décadas da
Guerra Fria. O crescimento econômico médio anual da Alemanha caiu para
2,10%, entre 1973 e 1990; o do Japão, caiu para 2,97%; o da Itália,
para 1,76; o da Coreia, para 6,77; enquanto o Brasil entrava num longo
período de estagnação.

Ao mesmo tempo em que a China se transformou no novo milagre econômico
do sistema capitalista mundial, a Alemanha e o Japão seguiam na sua
condição de gigantes industriais e tecnológicos, mas com "pés de
barro", ainda na condição de protetorados militares dos EUA e sem
dispor de recursos naturais essenciais, além de serem igualmente
dependentes do ponto de vista alimentar e energético.

Assim mesmo, no início da segunda década do século XXI, pode ser que o
Japão e a Alemanha venham a ser resgatados, uma vez mais, como caminho
de saída da crise, para os EUA, e como instrumentos da nova doutrina
Obama, que se propõe fazer - desta vez - o cerco econômico e militar
da China. O Japão e a Coreia estão sendo pressionados para participar
da Trans-Pacific Partenership - TPP, que é hoje a pedra angular da
política comercial de Obama, e que se propõe reunir dos dois lados do
Pacífico uma grande zona de livre comércio. Ao mesmo tempo em que a
Alemanha vem sendo estimulada a liderar um grande pacto comercial
transatlântico, entre a UE e os EUA, há quem proponha que o Brasil se
junte à "aliança do pacífico". Neste novo xadrez, entretanto, o Brasil
é muito menos desenvolvido que a Alemanha e o Japão, mas dispõe de
recursos naturais e é autossuficiente, do ponto de vista alimentar e
energético. Por isso, talvez só o Brasil tenha hoje condições reais de
escolher um caminho que lhe dê maior grau de autonomia estratégica, e
maior capacidade de projetar seus interesses e sua influência, numa
escala global.

José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional
da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e
coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a
Geopolítica do Capitalismo".

www.poderglobal.net




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