“A atual ‘crise’ é, na realidade, um processo
de ‘saque público planejado’ pelas grandes empresas para
aumentar a riqueza de uma minoria. O caso da Iberdrola é paradigmático neste sentido”,
afirma Luismi Uharte. Isso porque, “as
multinacionais são as instituições dominantes no capitalismo
atual, com uma função bem precisa, que é concentrar
propriedade, recursos e riqueza, em detrimento da maioria da
população de todos os países do mundo. A Iberdrola é uma empresa a mais, que
reproduz esta lógica perversa do capitalismo”, acrescenta o
pesquisador.
Luismi Uharte é professor/pesquisador da Universidade do País Basco-Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU) e doutor em Estudos Latino-Americanos. Está adscrito ao Instituto sobre Desenvolvimento e Cooperação ‘Hegoa’, da UPV/EHU, e é membro do Grupo de Pesquisa ‘Parte Hartuz’, desta mesma universidade. Acaba de publicar o livro“As multinacionais no século XXI: impactos múltiplos. O caso da Iberdrola no México e no Brasil”, sem tradução para o português.
A entrevista é de Aníbal Garzón Baeza e publicada no sítio espanhol Rebelión, 18-12-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O livro que acaba de publicar é fruto de uma pesquisa sobre o fenômeno das multinacionais e mais concretamente sobre a transnacional elétrica Iberdrola. Quem impulsionou esta investigação e qual foi o seu principal objetivo?
Efetivamente, o livro é o produto final de um processo de pesquisa de mais de um ano, que foi impulsionado pelaPlataforma 2015 y +, um espaço de encontro em nível estatal de diferentes organizações sociais que, entre outras pesquisas, decidiram realizar um estudo sobre os impactos da Iberdrola no México e no Brasil. O objetivo fundamental foi identificar os principais impactos que esta multinacional está provocando em dois países latino-americanos (México e Brasil), a partir de uma perspectiva multidimensional, isto é, avaliando impactos ambientais e sociais, mas também de ordem econômica, política e cultural.
Por que uma pesquisa expressamente sobre a Iberdrola?
Porque é uma das principais multinacionais do Estado espanhol, com forte presença na América Latina, assim como outras (Telefónica, Repsol, Santander, BBVA...), mas sobre a qual se havia realizado apenas pesquisas críticas. Portanto, via-se a necessidade de um estudo de impactos sobre uma transnacional que, em sua publicidade, insiste em projetar uma imagem idílica em termos ambientais e sociais.
Parece que a Iberdrola pretende apresentar-se publicamente como se fosse uma multinacional “diferente”. Isso é verdade?
A primeira coisa que lhe diria é que a Iberdrola é uma multinacional a mais, nem melhor nem pior que as outras, para além da publicidade autocomplacente que faz. Creio que é importante deixar claro que a Iberdrola é uma multinacional e, portanto, um agente estratégico do capitalismo, que desempenha uma função bem precisa no contexto histórico e econômico atual.
A que se refere quando fala de “agente estratégico do capitalismo”?
Ao fato de que as multinacionais são as instituições dominantes no capitalismo atual, com uma função bem precisa, que é concentrar propriedade, recursos e riqueza, em detrimento da maioria da população de todos os países do mundo. A Iberdrola é uma empresa a mais, que reproduz esta lógica perversa do capitalismo.
E neste contexto de “crise” esse papel concentrador seria então mais evidente?
Sem dúvida. A atual “crise” é, na realidade, um processo de “saque público planejado” pelas grandes empresas para aumentar a riqueza de uma minoria. O caso da Iberdrola é paradigmático neste sentido, já que em seu “Relatório de Resultados de 2010”, jacta-se de ter obtido os maiores lucros da história, enquanto paralelamente, no Estado espanhol, a pobreza e o desemprego aumentaram, os despejos são um drama diário, etc.
Pode nos dizer algo sobre os impactos ambientais da Iberdrola? Não é uma empresa que promove o respeito ao meio ambiente?
Em matéria ambiental, a publicidade “verde” e favorável às energias renováveis produzida pela Iberdrola está muito distante de suas práticas diárias. Em primeiro lugar, deve-se precisar que mais de 50% da energia que produz não é limpa, isto é, é energia produzida a partir de combustíveis fósseis. Se a isso acrescentarmos a produção nuclear, temos que mais de 2/3 é “suja” ou de alto risco. Na realidade, apenas 15% é eólica ou similar; os 14% restantes são gerados em grandes hidrelétricas, que também provocam graves impactos ambientais.
Um dos países que você estudou foi o México. Quais foram os principais impactos que detectou?
Tanto no México como no Brasil, um dos principais impactos é a perda de soberania sobre um recurso estratégico como é a eletricidade. Isto se combina com a mercantilização de um serviço público básico como é o fornecimento de energia elétrica, que representou um aumento exponencial das tarifas. A isto é preciso acrescentar a prática sistemática do lobby para que as autoridades políticas legislem a favor das multinacionais.
No México você realizou trabalho de campo no sul do país, em Oaxaca, onde a Iberdrola tem vários projetos eólicos em andamento. Por que você decidiu ir até lá e quais estão sendo os impactos mais importantes?
A Iberdrola tem várias plantas térmicas no norte do México e até o momento três parques eólicos no sul. A priori, parece que os maiores impactos se dariam em suas centrais de gás, que são mais poluidoras. No entanto, todas as pessoas que consultei me indicaram que devia ir a Oaxaca, já que ali havia um conflito social muito forte devida à presença da Iberdrola e de outras empresas estrangeiras. Os impactos são múltiplos. A Iberdrola e as outras empresas cooptaram as autoridades locais para que operem em função de seus interesses. Desta maneira, enganaram os camponeses fazendo-os assinar contratos de aluguel de suas terras muito desvantajosos. Isto provocou o levantamento social e dos povos indígenas do Istmo de Tehuantepec e a resposta foi a criminalização e a repressão.
Luismi Uharte é professor/pesquisador da Universidade do País Basco-Euskal Herriko Unibertsitatea (UPV/EHU) e doutor em Estudos Latino-Americanos. Está adscrito ao Instituto sobre Desenvolvimento e Cooperação ‘Hegoa’, da UPV/EHU, e é membro do Grupo de Pesquisa ‘Parte Hartuz’, desta mesma universidade. Acaba de publicar o livro“As multinacionais no século XXI: impactos múltiplos. O caso da Iberdrola no México e no Brasil”, sem tradução para o português.
A entrevista é de Aníbal Garzón Baeza e publicada no sítio espanhol Rebelión, 18-12-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O livro que acaba de publicar é fruto de uma pesquisa sobre o fenômeno das multinacionais e mais concretamente sobre a transnacional elétrica Iberdrola. Quem impulsionou esta investigação e qual foi o seu principal objetivo?
Efetivamente, o livro é o produto final de um processo de pesquisa de mais de um ano, que foi impulsionado pelaPlataforma 2015 y +, um espaço de encontro em nível estatal de diferentes organizações sociais que, entre outras pesquisas, decidiram realizar um estudo sobre os impactos da Iberdrola no México e no Brasil. O objetivo fundamental foi identificar os principais impactos que esta multinacional está provocando em dois países latino-americanos (México e Brasil), a partir de uma perspectiva multidimensional, isto é, avaliando impactos ambientais e sociais, mas também de ordem econômica, política e cultural.
Por que uma pesquisa expressamente sobre a Iberdrola?
Porque é uma das principais multinacionais do Estado espanhol, com forte presença na América Latina, assim como outras (Telefónica, Repsol, Santander, BBVA...), mas sobre a qual se havia realizado apenas pesquisas críticas. Portanto, via-se a necessidade de um estudo de impactos sobre uma transnacional que, em sua publicidade, insiste em projetar uma imagem idílica em termos ambientais e sociais.
Parece que a Iberdrola pretende apresentar-se publicamente como se fosse uma multinacional “diferente”. Isso é verdade?
A primeira coisa que lhe diria é que a Iberdrola é uma multinacional a mais, nem melhor nem pior que as outras, para além da publicidade autocomplacente que faz. Creio que é importante deixar claro que a Iberdrola é uma multinacional e, portanto, um agente estratégico do capitalismo, que desempenha uma função bem precisa no contexto histórico e econômico atual.
A que se refere quando fala de “agente estratégico do capitalismo”?
Ao fato de que as multinacionais são as instituições dominantes no capitalismo atual, com uma função bem precisa, que é concentrar propriedade, recursos e riqueza, em detrimento da maioria da população de todos os países do mundo. A Iberdrola é uma empresa a mais, que reproduz esta lógica perversa do capitalismo.
E neste contexto de “crise” esse papel concentrador seria então mais evidente?
Sem dúvida. A atual “crise” é, na realidade, um processo de “saque público planejado” pelas grandes empresas para aumentar a riqueza de uma minoria. O caso da Iberdrola é paradigmático neste sentido, já que em seu “Relatório de Resultados de 2010”, jacta-se de ter obtido os maiores lucros da história, enquanto paralelamente, no Estado espanhol, a pobreza e o desemprego aumentaram, os despejos são um drama diário, etc.
Pode nos dizer algo sobre os impactos ambientais da Iberdrola? Não é uma empresa que promove o respeito ao meio ambiente?
Em matéria ambiental, a publicidade “verde” e favorável às energias renováveis produzida pela Iberdrola está muito distante de suas práticas diárias. Em primeiro lugar, deve-se precisar que mais de 50% da energia que produz não é limpa, isto é, é energia produzida a partir de combustíveis fósseis. Se a isso acrescentarmos a produção nuclear, temos que mais de 2/3 é “suja” ou de alto risco. Na realidade, apenas 15% é eólica ou similar; os 14% restantes são gerados em grandes hidrelétricas, que também provocam graves impactos ambientais.
Um dos países que você estudou foi o México. Quais foram os principais impactos que detectou?
Tanto no México como no Brasil, um dos principais impactos é a perda de soberania sobre um recurso estratégico como é a eletricidade. Isto se combina com a mercantilização de um serviço público básico como é o fornecimento de energia elétrica, que representou um aumento exponencial das tarifas. A isto é preciso acrescentar a prática sistemática do lobby para que as autoridades políticas legislem a favor das multinacionais.
No México você realizou trabalho de campo no sul do país, em Oaxaca, onde a Iberdrola tem vários projetos eólicos em andamento. Por que você decidiu ir até lá e quais estão sendo os impactos mais importantes?
A Iberdrola tem várias plantas térmicas no norte do México e até o momento três parques eólicos no sul. A priori, parece que os maiores impactos se dariam em suas centrais de gás, que são mais poluidoras. No entanto, todas as pessoas que consultei me indicaram que devia ir a Oaxaca, já que ali havia um conflito social muito forte devida à presença da Iberdrola e de outras empresas estrangeiras. Os impactos são múltiplos. A Iberdrola e as outras empresas cooptaram as autoridades locais para que operem em função de seus interesses. Desta maneira, enganaram os camponeses fazendo-os assinar contratos de aluguel de suas terras muito desvantajosos. Isto provocou o levantamento social e dos povos indígenas do Istmo de Tehuantepec e a resposta foi a criminalização e a repressão.
É muito significativo que várias pessoas que
aceitaram ser entrevistadas fizeram-no na condição de que seu
testemunho fosse anônimo, já que tinham medo das represálias
da empresa. Uma delas assegurou que a empresa chegou a ameaçar
de morte caso não parassem os protestos. A Assembleia dos Povos Indígenas do Istmo de Tehauntepec caracterizou
a chegada da Iberdrola e das outras
multinacionais como uma segunda colonização. O choque de
imaginários é muito forte, já que enquanto para as empresas o
vento é um recurso para fazer negócio, para os povos indígenas
é um elemento sagrado de sua cultura.
Quanto ao Brasil. Quais foram os principais impactos que detectou?
Em relação ao Brasil, além da perda de soberania e da mercantilização acima citadas, acrescentaria o alto preço da energia, que é a quinta mais cara do mundo. Isto significa que o alto grau de rentabilidade da empresa se dá, em parte, devido às tarifas desproporcionais que milhões de brasileiros e brasileiras são obrigados a pagar. Por outro lado, em termos ambientais, apenas 2% de sua produção no país é eólica, isto é, limpa.
No Brasil o trabalho de campo você fez no Norte do país, no Pará, onde a Iberdrola integra um consórcio responsável pela construção da hidroelétrica de Belo Monte, que será a terceira maior do mundo. Por que decidiu ir a Belo Monte e quais são os impactos mais importantes?
O tamanho da barragem e seus impactos brutais associados indicavam que esse era o empreendimento de maior conflitividade em que a Iberdrola estava envolvida. Os impactos são numerosos e muito graves. Em primeira instância, é preciso assinalar que Belo Monte faz parte de um grande projeto transnacional para colonizar a Amazônia em função dos interesses do capitalismo transnacional. Está planejada a construção na selva amazônica de mais de uma dezena de hidroelétricas que fornecerão energia ao complexo mineiro-metalúrgico transnacional que está sendo instalado na região.
No caso de Belo Monte, o Norte Energia, consórcio integrado pela Iberdrola e outras empresas, converteu-se no senhor do território. Não cooptou apenas os políticos, mas até mesmo a polícia trabalha diretamente para a empresa. Imagina que a empresa equipou a polícia com veículos e esta leva em seus carros propaganda da empresa. Visualmente é muito agressivo porque de maneira descarada mostra quem manda em Belo Monte.
Por outro lado, as condições de trabalho são espantosas. Operam com sindicatos pró-empresas, o que levou ao surgimento de sindicatos espontâneos para poder defender os direitos dos trabalhadores. Rebaixaram o salário em cerca de 30%, reduziram as férias e, além disso, as condições de segurança e higiene (alimentação) são depreciáveis. Isto levou ao surgimento de várias greves dos trabalhadores no último ano. Além disso, ca
Quanto ao Brasil. Quais foram os principais impactos que detectou?
Em relação ao Brasil, além da perda de soberania e da mercantilização acima citadas, acrescentaria o alto preço da energia, que é a quinta mais cara do mundo. Isto significa que o alto grau de rentabilidade da empresa se dá, em parte, devido às tarifas desproporcionais que milhões de brasileiros e brasileiras são obrigados a pagar. Por outro lado, em termos ambientais, apenas 2% de sua produção no país é eólica, isto é, limpa.
No Brasil o trabalho de campo você fez no Norte do país, no Pará, onde a Iberdrola integra um consórcio responsável pela construção da hidroelétrica de Belo Monte, que será a terceira maior do mundo. Por que decidiu ir a Belo Monte e quais são os impactos mais importantes?
O tamanho da barragem e seus impactos brutais associados indicavam que esse era o empreendimento de maior conflitividade em que a Iberdrola estava envolvida. Os impactos são numerosos e muito graves. Em primeira instância, é preciso assinalar que Belo Monte faz parte de um grande projeto transnacional para colonizar a Amazônia em função dos interesses do capitalismo transnacional. Está planejada a construção na selva amazônica de mais de uma dezena de hidroelétricas que fornecerão energia ao complexo mineiro-metalúrgico transnacional que está sendo instalado na região.
No caso de Belo Monte, o Norte Energia, consórcio integrado pela Iberdrola e outras empresas, converteu-se no senhor do território. Não cooptou apenas os políticos, mas até mesmo a polícia trabalha diretamente para a empresa. Imagina que a empresa equipou a polícia com veículos e esta leva em seus carros propaganda da empresa. Visualmente é muito agressivo porque de maneira descarada mostra quem manda em Belo Monte.
Por outro lado, as condições de trabalho são espantosas. Operam com sindicatos pró-empresas, o que levou ao surgimento de sindicatos espontâneos para poder defender os direitos dos trabalhadores. Rebaixaram o salário em cerca de 30%, reduziram as férias e, além disso, as condições de segurança e higiene (alimentação) são depreciáveis. Isto levou ao surgimento de várias greves dos trabalhadores no último ano. Além disso, ca
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