Saul Leblon

Nazistas marcavam as casas dos judeus com uma estrela de
David; era a senha: ali seriam colhidas as vítimas para os campos de
concentração, seus bens seriam pilhados, a casa expropriada, sua
existência física e civil dissolvida no estado de exceção.
Hoje
o método eletrônico é mais eficaz e fulminante: fornece-se o endereço
das vítimas na rede --como fez o roqueiro Lobão com o filho do Ministro
do STF, Teori Zavascki, que teve a sua casa cercada por bandos raivosos
nesta noite de terça-feira.
Ato contínuo,
milícias cevadas diuturnamente pelo ódio midiático destilado contra o
PT, os partidos, a política e, portanto, o Estado de Direito, as
garantias individuais e a democracia, saem sedentas de tacape nas mãos
para fazer o que é preciso.
Seguem o exemplo de seus doutrinadores.
Os donos
do monopólio da comunicação no Brasil --que o PT não civilizou com a
competente regularização democrática-- há muito decidiram que
podem fazer justiça com as próprias manchetes.
Por
que a turba, assim colonizada, não pode caçar os vermelhos nas ruas,
ainda que isso inclua deslizes, como hostilizar um cachorro com
lenço carmim na coleira, ou um menino de oito anos que vestia a camisa
com as cores da bandeira suíça?
Na mesma
sintonia, a Polícia Miliar de Geraldo Alckmin em São Paulo interveio em
conflito causado por um carro de som que ecoava mantras fascistas em
frente à Pontifícia Universidade Católica, PUC, na segunda-feira. As
forças da ordem do governo do Estado protegeram o agressor e dispararam
balas e bombas contra estudantes que reagiam à provocação.
Não foi longo o percurso até o clique que desencadeou o cerco à casa do filho do ministro Teori, em Porto Alegre.
É
resgatável, se algum jornalista digno quiser faze-lo, o alarido
midiático que transformou José Dirceu, por exemplo, em fascínora número
um do país, caçado pelas ruas por onde passava até cair no buraco negro
do justiceiro-mor, Sergio Moro.
Ao linchamento
de Zé Dirceu, seguiu-se o cerco à casa de Genoíno, depois, os insultos à
Dilma na Copa, então o Mantega; imediatamente em seguida, o ex-ministro
Padilha, então a casa de Lula, as ofensas a Jacques Wagner...
Lobão
é caso clínico? OK. Mas a TV Globo, Folha, Estadão, Veja e
assemelhados, que insuflaram e insuflam ódio ao governo e ao PT, ao
mesmo tempo em que convocam e bombam meetings fascistas na Paulista
sabem o que estão chocando.
Qual a diferença
entre o que o Lobão fez com a família do Ministro Teori e o que Moro e
sua milícia midiática fazem semanalmente com vazamentos destinados a
promover o linchamento do ex-presidente Lula, de sua família, do PT, do
governo e da Presidenta Dilma?
Qual a diferença
entre o que Lobão fez com a família do Ministro do STF e o que Gilmar
Mendes faz contra a agenda progressista que ele condena em cada
sentença, em cada entrevista, em cada manifestação política agressiva e
de ódio justiceiro que excreta, dentro e fora do Supremo?
Lobões, botelhos, mervais, bonners, waacks, cantanhedes, noblats, diegos e assemelhados constituem apenas a borra que flocula.
O
floculante tem origem mais embaixo: é a 'lógica dos livres mercados', a
virulenta campanha dos interesses graúdos que não podem permitir o
debate democrático do essencial; daí 'cruzada ética', a cortina de
fumaça que não renega a adesão de figuras impolutas do calibre de
um Eduardo Cunha.
O essencial nesse momento é
que o desenvolvimento brasileiro precisa ser repactuado para superar um
ciclo que se esgotou e deflagrar o passo seguinte da sua história.
Daí
a sofreguidão em esmagar, silenciar e desqualificar vozes e bandeiras,
lideranças e organizações que pretendem preservar conquistas acumuladas
e pautar outras novas.
O jornalismo isento e
seus colunistas não escondem a reação estupefata diante da adesão da
Presidenta Dilma a esse mutirão de resistência e construção de uma
rede da legalidade.
A edição do Globo desta
quarta-feira diz que Dilma 'radicaliza' ao levar o embate político para
as cerimônias do Palácio, interrompidas não raro pelo bordão-síntese do
embate político ora travado em campo aberto: 'o povo não é bobo,abaixo
a Rede Globo' . Da mesma forma, o rapaz da Folha que gargareja
rudimentos de economia em sua coluna afirma que é 'aloprado' resistir...
A
verdade é um pouco mais ampla que as cerimonias engajadas no Palácio de
onde querem expulsar a Presidenta e seus 54,5 milhões de votos.
A
parcialidade repugnante do noticiário e os métodos dos justiceiros de
Curitiba atingiram um ponto de saturação e nele catalisaram a
indignação cívica de intelectuais,juristas e artistas, cuja
credibilidade guiou a classe média democrática do sofá da
desilusão, para a luta pela legalidade nas ruas.
Esse é um fenômeno muito recente, de dias apenas.
Mas já mudou o país.
O
Brasil hoje é uma fornalha de atos pela legalidade democrática que
pipocam espontaneamente e se espalham por todo o território com energia
suficiente para alterar a relação de forças na sociedade e
mudar agenda do golpe para a da repactuação do desenvolvimemto pela
democracia.
Falta apenas planejamento e
desassombro para --sem prejuízo da autonomia dessas iniciativas--
dar-lhes a coordenação suficiente para levar às ruas o vigor capaz
de derrotar o golpe.
Foi o medo dessa virada em curso que desencadeou o ódio golpista contra o Ministro Teori Zavascki e sua família.
Nesta
terça-feira, ele determinou que que todas as investigações da Operação
Lava Jato na primeira instância da Justiça Federal que envolvam o
ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e políticos com foro
privilegiado, como a atual Presidente da República, sejam remetidas ao
Supremo.
Em um despacho contundente, desmontou a
condução justiceira do caso pelo juiz Sergio Moro, criticou duramente
os vazamentos e repôs a legalidade como alicerce da sociedade e escudo
dos direitos individuais.
Ao enquadrar o herói do golpismo, Teori devolveu ao Supremo o papel de guardião do Estado de Direito e da Constituição.
Com
firmeza, mas sem concessão ao espetáculo é como se ele colocasse Moro,
Gilmar Mendes, os promotores tucanos, a mídia golpista que deles se
serve em uma sala de aula e dissesse:
'Senhoras e senhores, vou lhes dizer o que é um juiz.
Um juiz não defende suas convicções políticas em público.
Juiz
não deve ter facebook, principalmente se for para manifestar opiniões
sobre pessoas e eventos que envolvam de alguma forma os fatos do
processo sobre sua jurisdição.
Não interessa ao juiz a opinião pública ou a publicada.
Juiz
não pode virar ídolo nacional a ponto de ser considerado
presidenciável. Isso, no mínimo, é sinal de que alguma coisa está
errada, porque um juiz de verdade não é parte, ou deixará de ser
juiz. Ele é isento. Caso contrário não pode decidir, porque o fará
injustamente.
Juiz não é justo, injusto ou justiceiro: é juiz, ponto.
Juiz
concilia, resolve conflitos. Um juiz não pode submeter réus a penas
superiores às condenações. Para isso deve ser o juiz natural. Deve
observar o princípio da inocência.
A
lei que quer um juiz socialize o apenado, jamais que se utiliza dela
como instrumento de tortura, linchamento ou humilhação, expondo-o
injustamente ao escárnio da sociedade.
Isso, senhores, é um juiz. Obrigado'.
Obrigado ao senhor, ministro Teori.
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