sábado, 26 de março de 2016

Sul 21: Emir Sader: ‘Lula não entrou para se proteger, mas porque o governo tem que melhorar’.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
O sociólogo avalia que com a retomada do crescimento econômico, a crise política deve melhorar
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto
O sociólogo Emir Sader não esconde sua posição política e ideológica ligada ao Partido dos Trabalhadores. Professor aposentado da Universidade de São Paulo, ele é um dos intelectuais mais respeitados do país, já tendo presidido a Associação Latino-Americana de Sociologia, além de ser um dos idealizadores do Fórum Social Mundial.
Em Porto Alegre a convite da Fetrafi (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras), Sader também participou do ato em defesa da democracia na última sexta-feira (18) na capital gaúcha. Em entrevista exclusiva ao Sul21, ele avalia a atual conjuntura política brasileira, sustentando que a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo pode gerar uma retomada do crescimento econômico, a partir do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de relações exteriores. “O projeto deles, exatamente duas semanas atrás, era prender o Lula, linchá-lo moralmente na mídia, ter a Dilma isolada e derrubá-la. Fracassaram e isso os levou ao desespero”, aponta.
Agora, especialmente após os atos desta sexta-feira em todo o país, a expectativa é positiva, segundo ele. “O juiz [Sérgio] Moro, que estava no limite de ações ilegais, passou a linha vermelha, agora, obviamente, ele fez coisas abertamente ilegais”, afirma, referindo-se ao juiz federal que ganhou notoriedade por ser o responsável pelas decisões da Operação Lava Jato na primeira instância e divulgou, na última semana, uma série de gravações de conversas do ex-presidente.
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Sader veio a Porto Alegre a convite da Fetrafi, e participou do ato a favor da democracia | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Confira a entrevista completa:

Sul21 – Na sua avaliação, é possível que o governo Dilma saia dessa crise política? E por onde passa essa possível saída?

Emir Sader – A raiz da crise está na política econômica do governo. Porque está socialmente errada, pune os trabalhadores, é economicamente ineficiente. Não se retomou o crescimento econômico, ao contrário, estamos no pior dos mundos, com estagnação e inflação. E é politicamente desastrosa, quer dizer, o governo perdeu as bases de apoio, por isso se tornou frágil e por isso essas ofensivas contra o governo. Nenhuma delas tem fundamento e elas só existem pela fragilidade do apoio popular. Então a entrada do Lula, embora não seja expressamente para mudar a política econômica, vai ter que ter ver com isso. Ele não entra com responsabilidade econômica, entra com PAC e outras coisas, mas se supõe que ele vai discutir esses temas, então eu acho que essa é a raiz a partir da qual é possível dar uma virada, além da questão da credibilidade.
É um governo que vai passar a ter articulação política, vai passar a ter intermediações com movimentos de esquerda, vai passar a ter intermediação com empresários e espera-se que vá haver um discurso público do governo. Embora com a gentileza e a delicadeza que o Lula tem, ele não fica quieto, digo no sentido de explicar o que ele está fazendo, onde estão os problemas. Além de que, na prática, vai enfraquecer a Lava-Jato, que obviamente era para persegui-lo, e enfraquecer o próprio impeachment, porque uma retomada das relações mais próximas com o PMDB enfraquece a base fundamental da aliança PMDB-PSDB, que poderia levar ao impeachment.
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“O projeto deles era prender o Lula, linchá-lo moralmente na mídia, ter a Dilma isolada e derrubá-la”. | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21 – Desde que foi anunciado que o presidente Lula seria ministro, está havendo um momento em que todos os ânimos estão acirrados, tanto dos que defendem o governo quanto dos que criticam. Mesmo assim, é possível que essa perseguição ao Lula “saia pela culatra”?
Emir Sader – As manifestações do dia 13 foram muito claras. É um setor grande, mas a maioria da classe média-alta, da burguesia, segundo o próprio DataFolha. Portanto, eles não têm mais gente do que eles tinham antes. Eles têm as mesmas pessoas, mas mais radicalizadas. Conforme eles radicalizam, inclusive com apelo à violência, se isolam dentro da própria classe média. Eu acho que eles perderam o “timing”. O projeto deles, exatamente duas semanas atrás, era prender o Lula, linchá-lo moralmente na mídia, ter a Dilma isolada e derrubá-la. Fracassaram e isso os levou ao desespero. O juiz Moro, que estava no limite de ações ilegais, passou a linha vermelha, agora obviamente ele fez coisas abertamente ilegais. Os setores de oposição passaram para ações de agressões, de violência expressa. Eu acho que é um gesto de desespero da parte deles, que os isola mesmo dentro da própria base, que tem um radicalismo verbal, mas não esse radicalismo da violência, da transgressão da legalidade.
Sul21 – Nesse quesito, levando em conta as manifestações na rua e o papel da imprensa, é possível estabelecer uma comparação com o clima que antecedeu o golpe de 1964?
Emir Sader – Há duas diferenças fundamentais. Primeiro: o golpe de 1964 foi articulado desde o começo pelas Forças Armadas, desde o final dos anos 1940, quando fundaram a  Escola Superior de Guerra. Portanto era uma situação típica daquela época, um golpe militar. O resto era desestabilização política social para favorecer a intervenção militar. Esse fator não existe. Mas era uma marcha de maneira tão conservadora quanto esta: Deus, família, liberdade. Num primeiro momento pode parecer um elemento comum, mas existia um monopólio ainda maior dos meios de comunicação. Sabe-se hoje, por pesquisas de Ibope, que o governo Jango tinha maioria no apoio popular. A gente só soube muito tempo depois. Naquele momento eles davam a impressão de ser um governo absolutamente isolado, não havia outro meio de controlar isso. Hoje eles não podem. Nas manifestações de hoje, qualquer que seja o tamanho, elas vão ser socialmente muito diferentes daquelas. A cara, a etnia, a própria idade das pessoas, é muito diferente. Então eu acho que essa disputa é muito mais aberta do que aquela do monopólio privado dos meios de comunicação, sobretudo naquela época: rádio, jornal, que passavam a impressão de um isolamento absoluto do governo.
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“Na internet a gente faz guerrilha, mas eles têm o exército regular”, avalia | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21 – Ainda existem os grandes meios de comunicação. A diferença seria a força das redes sociais fazer? Elas poderiam fazer alguma diferença?
Emir Sader – Eu acho que eles [a grande mídia] ainda têm um monopólio. Na internet a gente faz guerrilha, mas eles têm o exército regular, que ocupa os grandes espaços e define as agendas. Não os jornais, que são cada vez menos lidos, mas os jornais dão a pauta para a cadeia de rádio e televisão com as quais eles se identificam. E na internet também tem uma presença muito forte dos sites ligados a eles. E a própria Dilma, assim como Lula, está ocupando espaço nas redes sociais para falar, então eu acho que a disputa vai ser mais equilibrada. Naquela sexta-feira [11], o Lula começou perseguido levado para Congonhas para ser transferido para Curitiba, para ser linchado pelos meios de comunicação. Ele terminou o dia com dez minutos no Jornal Nacional, se lançando candidato, colocando os temas no debate. É um debate sobre o projeto do país. Isso é o que está em questão.
Sul21 – Esse discurso que parte da direta faz, de que todos devem ser investigados, tem um fundo de realidade? Será que eles defenderiam a continuidade das investigações caso aconteça o impeachment?
Emir Sader – É uma hipocrisia de dizer que todos devem ser investigados, mas ao mesmo tempo apoiar o Eduardo Cunha, com todas as evidências de corrupção contra ele, que continua como presidente da Câmara e está liderando o processo de impeachment de uma presidente da qual não há nenhum fundamento de pedir o seu impedimento. Então isso dá a ideia de que querem investigar todos, mas todos do outro lado. Não estou nem falando de Aécio [Neves], mas daquele que está levando adiante o processo de impeachment [Cunha], no qual eles estão apostando fortemente.
Sul21 – A direita vem tomando espaço em alguns outros países da América Latina, como Argentina e Venezuela. O que pode explicar esse momento?
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“Há erros internos também. O mais importante foi não ter democratizado os meios de comunicação”| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Emir Sader – Há uma combinação de fatores objetivos. A situação econômica estava favorável e agora está desfavorável, com a prolongação da recessão, diminuição dos preços dos produtos primários de exportação e, por outro lado, há erros internos também. O mais importante foi não ter democratizado os meios de comunicação, mesmo nos países onde se avançou, como a Argentina, o Judiciário brecou tudo. Na Venezuela, eles continuam a ter o predomínio. No Brasil, nem se fala. E outros erros que eles [a mídia] magnificam, como denúncias contra o Evo Morales e o que estão fazendo com o Rafael Correa, vão tentar fazer com a Cristina Kirchner agora. Eles tentam desqualificar a imagem. Por outro lado, o pessimismo econômico e a corrupção, que para a imprensa só interessa os casos ligados ao Estado, ao governo e não ao HSBC, tudo isso é deixado de lado.
Sul21 – Aqui, nos protestos, vemos uma crítica aos políticos, aos partidos e exaltação ao Judiciário e à Polícia Federal. Na sua opinião, qual a razão?
Emir Sader – Naqueles protestos de 2013, havia movimentos de crítica à política tradicional. Não era a esquerda que estava protestando para tentar renovar a política com métodos mais populares, mais transparentes, era a direita que estava nas ruas. E eles [a oposição] se valeram disso. Agora, desqualificar a política como um todo não é só desqualificar o governo do PT, mas é desqualificar o único líder político que tem prestígio, que é o Lula. Não é preciso dizer que nenhum outro deles tem prestígio, por isso que a obsessão deles é tirar o Lula da jogada no tapetão, porque nas eleições, eles perdem mesmo. Na pesquisa está ele e o Aécio. Bota ele e o Aécio fazendo debate para ver o que vai acontecer. Então, eles querem deixar o Lula sem prestígio pra dizer que está tudo contaminado, para que pudesse aparecer um líder como o Moro ou alguém de fora da política, porque na política, eles estão perdendo.
Sul21 – O Moro está sendo considerado um novo herói da direita, isso pode estar acontecendo pela falta de uma liderança política na direita?
Emir Sader – É uma questão mais de fundo. Nós [o PT] cometemos erros gravíssimos de ou ter sido incompetentes ou coniventes com a corrupção de empresários em relação à empresa mais importante da economia brasileira, que é a Petrobrás. Não estou acusando ninguém em particular, mas governamos o país por 12 anos e deixamos acontecer isso. Não fomos capazes de descobrir, denunciar e combater, criamos um espaço que gera algo que a maioria da população considera positivo, que é colocar esses caras, especialmente das empreiteiras, na prisão. Da maneira arbitrária que seja, mas isso importa menos em relação a essa novidade que rico vai pra prisão.O Moro claramente se aproveita disso pra desqualificar a politica como um todo e em particular o PT. O objetivo político é reescrever a história do Brasil, como se tudo o que o PT tivesse feito fosse indevido por ter sido com dinheiro da corrupção.
E se pode falar que o futuro político do Brasil é “o Lula ou o Moro”, ou seja, ou uma liderança popular forte ou a destruição da política e a aparição de alguém autoritário, como o Moro, pregando uma certa superação de esquerda e direita, moralismo. Eu acho que eles não vão se arriscar, o ex-presidente do Supremo [Joaquim Barbosa] também tinha prestígio da direita. Enquanto o Lula estiver aí e estiver falando, vai dificultar para eles. Ainda mais no governo, podendo melhorar o governo. Por isso eu acho que nós revertemos a situação, a gente estava no canto do ringue, só se esquivando, eles atacavam e nós desmentíamos. Agora recuperamos capacidade de iniciativa. Lula no governo significa que há possibilidade de esperança para que seja um governo de esquerda, com apoio popular, discutindo alternativas no país.
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“O Lula conseguiu injetar de novo confiança, discurso, desmascarar o caráter das denúncias que estava tendo”| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21 – O senhor também defendeu recentemente uma reforma no Judiciário. Acredita que seria possível isso acontecer?
Emir Sader – Acho que foi uma surpresa para todo mundo que o Judiciário brasileiro seja tão engajado politicamente, de maneira tão unilateral. A imagem que a gente tem de juiz é de uma certa imparcialidade, teoricamente um juiz que tem o grau de engajamento do Moro… E não é só opinião, ele esteve na campanha do candidato a prefeito de São Paulo pelo PSDB pelo menos duas vezes. Isso é impossível, inviável. A tolerância do Judiciário com isso surpreende o país e isso desmoraliza o Judiciário, mesmo que a questão de colocar rico na cadeia fortaleça. E o Moro vai acabar sendo punido, porque ele toma atitudes de desafio, parece uma criança testando limites, o próprio Supremo está de alguma maneira amedrontado.
Sul21 – O senhor acredita que o PT consiga se manter no governo e retomar o crescimento do país, ao invés de ficar preso nesse debate sobre corrupção?
Emir Sader – O momento mais difícil que já tivemos foi passar por aqui em abril do ano passado, havia manifestações maiores. O Lula conseguiu injetar de novo confiança, discurso, desmascarar o caráter das denúncias que estavam acontecendo. E acho que hoje o clima político é diferente, não só na quantidade de mobilização, a gente recuperou a capacidade de ocupar as ruas. Acho que o mais grave seria, naquele momento, derrubarem a Dilma, porque existia o risco de ela ser derrubada e ninguém sair na rua para defender. Porque defender o quê? Se o ajuste caía diretamente nas costas do povo. Agora, o Lula está abertamente contra a reforma da Previdência. Até porque qualquer reforma não vai resolver o problema das contas públicas hoje, mas sim a médio e longo prazo. Então acho que a esperança, a expectativa de que com Lula o governo melhore, é o que gera as manifestações de hoje. O último dia que tivemos boas notícias foi quando a Dilma ganhou, de lá para cá foi um horror, eu fiz debates e terminava mal, porque não tinha expectativa. E o Lula se deu conta que precisava entrar, ele não foi lá para se proteger, é porque o governo tem que melhorar.

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