sábado, 26 de março de 2016

Roteiro de um golpe?

Da Folha

André Singer
 
Peço licença para aproveitar este interregno de Semana Santa e relembrar fatos que todos conhecem. Mas acho necessário destacar que até pouco tempo atrás o impeachment, hoje em franco progresso, estava morto. É preciso retroceder um pouco para entender o que, de fato, aconteceu.
O pedido de impeachment foi aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em 2/12/2015, depois de o PT ter votado contra ele no Conselho de Ética. Alvo de inúmeras acusações e processos, o patrocínio do parlamentar foi visto como forma de grosseira retaliação.
Não obstante a baixa legitimidade do gesto de Cunha, menos de uma semana depois, a 7/12, o vice-presidente da República, Michel Temer, envia carta a Dilma em que explicita o seu afastamento do governo. Escrita em tom de bolero, a missiva fez aumentar as dúvidas sobre a capacidade de ele liderar o país para fora da crise, caso a presidente fosse impedida.
Mesmo assim, diversos movimentos conclamam a população a ir às ruas em favor do pedido recém aceito. O resultado é um fiasco. Em São Paulo, apenas 40 mil pessoas se reuniram na avenida Paulista em 13/12, contra 210 mil em março do mesmo ano.
A manobra dera com os burros n'água. Sem o calor das ruas, o impeachment não prospera. A situação estava assim, quando na quinta-feira, 3/3/2016, a "Isto É" publica, em edição imprevista, suposta delação premiada do senador Delcídio do Amaral. Nela, o ex-líder do governo no Senado afirmava, em síntese, que Dilma e Lula tinham atuado para obstruir a Operação Lava Jato.
Segue-se uma cobertura de imprensa monumental. Telejornais de grande audiência dedicam edições extraordinariamente longas a detalhar as acusações senatoriais. Extensas reportagens sobre os supostos imóveis de Lula são acrescentados ao noticiário daquela noite. No dia seguinte, Lula é conduzido coercitivamente para depor em Congonhas (SP).
Com a detenção do ex-presidente, as acusações penais lançadas sobre ele ganham outra dose maciça de exposição. O país entra em estado de emergência comunicacional, com a televisão pisando e repisando denúncias que poderiam levá-lo à cadeia. Menos de uma semana depois, alguns procuradores paulistas efetivamente pedem a prisão do líder petista, propiciando mais tempo televisivo para os ataques à sua imagem.
Não espanta que, diante desse massacre eletrônico, setores de direita e de centro tenham decidido esquecer os graves problemas que pesam sobre o impeachment e produzido, em 13/3, a maior manifestação da história política do Brasil pela saída de Dilma e a prisão de Lula. A partir daí, legitimado pelas ruas, o impeachment começa a andar. Tudo coincidência?

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