Da Folha
André Singer
Peço licença para aproveitar este
interregno de Semana Santa e relembrar fatos que todos conhecem. Mas
acho necessário destacar que até pouco tempo atrás o impeachment, hoje
em franco progresso, estava morto. É preciso retroceder um pouco para
entender o que, de fato, aconteceu.
O pedido de impeachment foi aceito pelo
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em 2/12/2015, depois de o PT ter
votado contra ele no Conselho de Ética. Alvo de inúmeras acusações e
processos, o patrocínio do parlamentar foi visto como forma de grosseira
retaliação.
Não obstante a baixa legitimidade do
gesto de Cunha, menos de uma semana depois, a 7/12, o vice-presidente da
República, Michel Temer, envia carta a Dilma em que explicita o seu
afastamento do governo. Escrita em tom de bolero, a missiva fez aumentar
as dúvidas sobre a capacidade de ele liderar o país para fora da crise,
caso a presidente fosse impedida.
Mesmo assim, diversos movimentos
conclamam a população a ir às ruas em favor do pedido recém aceito. O
resultado é um fiasco. Em São Paulo, apenas 40 mil pessoas se reuniram
na avenida Paulista em 13/12, contra 210 mil em março do mesmo ano.
A manobra dera com os burros n'água. Sem
o calor das ruas, o impeachment não prospera. A situação estava assim,
quando na quinta-feira, 3/3/2016, a "Isto É" publica, em edição
imprevista, suposta delação premiada do senador Delcídio do Amaral.
Nela, o ex-líder do governo no Senado afirmava, em síntese, que Dilma e
Lula tinham atuado para obstruir a Operação Lava Jato.
Segue-se uma cobertura de imprensa
monumental. Telejornais de grande audiência dedicam edições
extraordinariamente longas a detalhar as acusações senatoriais. Extensas
reportagens sobre os supostos imóveis de Lula são acrescentados ao
noticiário daquela noite. No dia seguinte, Lula é conduzido
coercitivamente para depor em Congonhas (SP).
Com a detenção do ex-presidente, as
acusações penais lançadas sobre ele ganham outra dose maciça de
exposição. O país entra em estado de emergência comunicacional, com a
televisão pisando e repisando denúncias que poderiam levá-lo à cadeia.
Menos de uma semana depois, alguns procuradores paulistas efetivamente
pedem a prisão do líder petista, propiciando mais tempo televisivo para
os ataques à sua imagem.
Não espanta que, diante desse massacre
eletrônico, setores de direita e de centro tenham decidido esquecer os
graves problemas que pesam sobre o impeachment e produzido, em 13/3, a
maior manifestação da história política do Brasil pela saída de Dilma e a
prisão de Lula. A partir daí, legitimado pelas ruas, o impeachment
começa a andar. Tudo coincidência?
Nenhum comentário:
Postar um comentário