Por Tarso Genro
O
golpe já está dado e o que resta saber é se vamos sair dele, com mais
democracia e República, ou com mais autoritarismo e consolidação da
‘exceção’. (Carta Maior).
“Para
popularizar a defesa política, ainda em curso, da legalidade e
legitimidade obtida nas urnas pelo Governo Dilma, o campo de apoio da
Presidenta – no qual eu me incluo – cunhou a expressão “não vai ter
golpe”. Correta, por sinal, mas que agora está esgotada, face às formas
originais que vem adquirindo os contenciosos políticos, dentro da crise
econômica e do próprio Estado de Direito, que estamos vivendo.
Sustento
que, a partir de agora, o destino da crise não será resolvido,
principalmente, em função dos movimentos de rua, mas será disputado
dentro das instituições. Mormente pelas decisões do Parlamento e do
Poder Judiciário, pois este decidirá – se o impedimento da Presidenta
for aprovado – até se ele o foi de forma legal, ou não. A pressão
política democrática sobre os parlamentares, que tem o poder
constitucional de chancelar a “exceção”, já instalada, adquire evidente
predominância neste momento.
Os
movimentos de rua poderão exercer, sobre estas decisões, uma certa
influência, mas mesmo que eles se tornem equilibrados, em termos
numéricos, não decidirão a “exceção”. Os “movimentos” de rua não
comandarão o Direito, pois este –agora- já comanda a Política: a
“exceção” está constituída e é hegemônica, e ela só poderá ser travada,
se o for, pelo Supremo Tribunal Federal. Não foi gratuita a divulgação,
pelo golpismo, das gravações de Lula, reclamando das posições do
Supremo. Eles sabem que as coisas não se decidirão pelas armas da
Republica e sim pela flexibilização dos seus princípios constitucionais:
ódio e “exceção”, são seus instrumentos básicos para voltar ao poder.
É
preciso ousar dizer que o evento dos juristas no Largo de São
Francisco, dia 18, em São Paulo, foi tão ou mais importante, para travar
a “exceção”, do que a grande manifestação da Avenida Paulista. A
expressão “não vai ter golpe” vai, cada vez mais, carecer de efeito
mobilizador, porque o golpe já foi realizado -mesmo que a Presidenta não
seja deposta- pois ele já obteve o seu resultado estratégico: a
sabotagem nos propósitos de recuperação na economia e a inviabilização
de um Governo estável, com maioria social e parlamentar, capaz de lhe
permitir uma mínima rotina de governabilidade.
Importante
ressaltar, igualmente, que a expressão “não vai ter golpe”, neste
momento, já pode criar uma confusão -na parte da sociedade que ainda
apoia o Governo- de que estamos numa situação semelhante a de 64.
Naquele momento da História, os militares estavam organizados em torno
dos confrontos da Guerra Fria e participavam, expressamente, de uma
conspiração. Opunham-se – de maneira direta e frontal – aos projetos de
mudanças reformistas no país.
Hoje,
os militares, pela discrição que têm tido nas crises, e, precisamente,
por estarem atuando dentro das suas funções constitucionais, têm um
prestígio inédito na nossa história. Vincular os movimentos de rua, em
defesa da Presidenta, a março de 64, pode ser uma desinformação fatal às
nossas bases e um grave erro político, com um presente de ouro à
direita fascista, que quer eternizar a exceção com o apoio das Forças
Armadas.
Não
cabe analisar, neste momento, os erros do comando político do Governo e
dos partidos ou frações de Partidos, que o apoiam. Nem a convergência
liberal conservadora e autoritária, que envolve a grande mídia, altas
frações do empresariado e lideranças políticas de distintas organizações
políticas e da sociedade civil, “cansadas” da democracia. Não é hora de
“balanços”, mas de resistência à continuidade da “exceção”, que é, ela
mesma, o golpe “novo tipo”, nos regimes democráticos em crise de
representação.
O
que estamos disputando, neste momento, é se a “exceção” – que é o
próprio golpe – vai se consolidar ou não; se teremos uma transição para
uma outra situação institucional e política em dois meses ou em dois
anos; se conseguiremos – para o próximo período – voltar ao convívio
entre diferentes, aberto pela Carta de 88; se a utopia democrática ainda
tem validade histórica ou se ela será arquivada, como o foi, a
experiência socialista autoritária do Século passado; ou se virão novos
ciclos de confronto, preparatórios de uma longa guerra civil não
declarada, que certamente vai sufocar a vida das novas gerações.
No
último dia 18, encerrei um grande ato da resistência democrática, em
Porto Alegre, que não tinha menos de 50 mil pessoas. Algumas estavam lá
para defender o PT, outras por amarem Lula –o melhor Presidente que este
país teve depois de 88-, outras ainda por se indignarem com a brutal
campanha golpista, que é feita pela maioria da grande mídia nacional,
para derrubar o Governo. Todas, contra a corrupção, pela democracia, por
uma saída da crise com mais democracia, não com menos democracia.
Quando
desci do palanque, no meio de uma multidão comovida, uma senhora de
cabelos já embranquecidos, me abraçou e perguntou angustiada: “Tarso,
quando eles vão dar o golpe?”, recordando certamente 1964. Naquele
preciso momento me dei conta que algo estava errado no cálculo da nossa
resistência: o golpe já está dado e o que resta saber é se vamos sair
dele, com mais democracia e República, ou com mais autoritarismo e
consolidação da “exceção”.
O
golpe pós-moderno, tanto pode se consolidar por um acordo com a
corrupção endêmica, que nenhuma “exceção” tem condições de enfrentar
-pois historicamente sempre a agrava- como por uma República do
Promotores e Juízes, que, elevando-se à condição de salvadores da
nação, tutelem a política e coloquem a Constituição a serviço do seu
autoritarismo. Este é, agora, o nível da nossa resistência. Na época da
despolitização da política, que foi judicializada.
Da
desideologização da cidadania, que foi subsumida no mercado. Da
utilização funcional da burocracia para capturar a democracia, que sai
-cada vez mais das praças- e se encerra no círculo de bronze dos
aparatos do Estado. Não nos enganemos, a última palavra não será das
Forças Armadas, porque elas não querem, mas do Supremo Tribunal
Federal, na sua função de “guardião da Constituição”. E seja para que
lado ele pender, na sua decisão, temos a obrigação política e moral de
acatá-la”.
Carta Maior: 20/03/2016.
Tarso Genro. Advogado. Jornalista. Professor Universitário.
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