quinta-feira, 17 de julho de 2014

David Luiz, meu malvado favorito

Antonio Lassance

 do site Carta Maior



Não é só o técnico Felipão que não soube dizer o que aconteceu com o Brasil, nos 7 a 1 sofridos contra a Alemanha, e também nos 3 a 0 da Holanda. A imprensa "especializada" em futebol até agora não anotou a placa da jamanta que passou em cima do Brasil naqueles dois jogos.

Os mesmos senhores, cheios de razão, que ditavam o prognóstico de que a organização da Copa seria uma vergonha internacional e só a Seleção Canarinho salvaria a pátria, agora mudam de conversa como quem muda de roupa.

Pela enésima vez, querem nos convencer a jogar fora a criança com a água suja e reforçar o slogan mais antigo reproduzido por aqui: os outros são sempre melhores do que nós.

O remédio mais facilmente encontrado na esquina é imitar a Alemanha e trazer um técnico estrangeiro, como José Mourinho ou Pep Guardiola (por que não o Jürgen Klinsmann, que é alemão legítimo?).

Seguindo à risca o padrão colonizado, a nossa crônica futebolística esperou que um europeu fosse o primeiro a dar uma aula de como se analisa um jogo.

Os comentaristas tradicionais e os recém chegados, como Juninho Pernambucano e Ronaldo, fizeram jus ao ditado imortalizado pelo genial Aparício Torelly (nosso Barão de Itararé): "de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo".

Foi preciso aparecer na área o jornalista Tim Vickery, correspondente da britânica BBC e que mora no Brasil há duas décadas, para dar uma explicação razoável à tragédia do Mineiraço e à sua sequência melacólica, contra a Holanda.

A vantagem de Vickery não é a de ser inglês, mas talvez a de não estar contaminado pelo comentarismo envenenado e "galvanizado", que reclama de barriga cheia, pois é sócio da CBF e das federações estaduais na hora de levar vantagem com o futebol do Brasil.

No artigo "Herói do Brasil ignorou função e jogou para arquibancada" , ele desfaz o enigma e acha o mordomo do crime: David Luiz.

Isso mesmo, foi o heroi mais querido da Amarelinha o improvável responsável por fazer ruir a defesa brasileira e abrir a avenida para a "blitzkrieg" que nos abateu.

Taxativo, Vickery afirma, com sua experiência:

"O desempenho de David Luiz contra a Alemanha foi a pior coisa que eu já vi de um jogador de alto nível numa partida importante."

Com a suspensão cumprida por Thiago Silva, David Luiz deveria cumprir dois papeis fundamentais: o de capitão, responsável por dar tranquilidade e foco ao time, e o de pivô defensivo. Não fez nem uma coisa, nem outra.

O zagueiraço, que de fato ele é, provavelmente achou pouco. Preferiu "fazer coisas que lhe dão mais fama e atenção".

Contra a Alemanha e, de novo, contra a Holanda, passou a maior parte do tempo distribuindo broncas e partindo para o ataque, uma ajuda preciosa para desorganizar o time. "Exatamente o oposto do que era preciso" - diz Vickery.

"Ele não estava jogando para seus companheiros. Estava jogando para as câmeras".

O correspondente da BBC é um dos poucos que, naquele jogo, olhou para algo mais do que a seleção da Alemanha - esta todo mundo viu jogar e dispensa comentários e comentarismos extra.

David Luiz certamente não fez por mal. Ele bagunçou o coreto com a melhor das intenções. O problema é que as goleadas são repletas de gente cheia de boas intenções. Por isso, o zagueiro merece o posto de nosso malvado favorito.

O exercício que a imprensa esportiva brasileira e uma boa parte dos torcedores (aquela que se deixa contaminar pelo comentarismo rasteiro e tacanho de todo tipo) acabam fazendo é o de olhar qualquer problema como um mundinho escroto, governado pela luta entre heróis e vilões, mocinhos e bandidos, e não enxergar o jogo no qual estamos metidos como um todo.

A análise de Vickery mostra como o jogador que se tornou, na Copa, o mais popular da equipe, pôde ajudar, e muito, a pôr tudo a perder. Não intencionalmente, não por ser um inveterado vilão, mas, ao contrário, por ter levado a sério demais o papel de herói de todas as horas.

A Copa de 2014 passou e a imprensa esportiva brasileira, salvo raras exceções, não aprendeu nada. Com a mesma empáfia de sempre, discute agora a solução urgente a ser adotada, sem que haja um mínimo de clareza quanto ao diagnóstico.

Vem aí um coquetel de remédios que inclui de Cibalena a Gardenal pela goela dos brasileiros.

Pelo menos para os torcedores, eleitores de outubro, seria bom que a lição mais amarga servisse de parábola para tantas outras coisas que são vítimas dos esculhambadores da nação.

Muitos já se esqueceram que, em 2007, diante de alguns casos de febre amarela no país, os esculhambadores partiram para o ataque e recomendaram à população, insuflada ao pânico, que se vacinasse a torto e a direito, independentemente das orientações do Ministério da Saúde, que recomendava cautela.

O resultado foi que morreu mais gente de overdose de vacina do que de febre amarela propriamente dita. Não sei ao certo a proporção, mas foi algo como 7 X 1.


(*) Antonio Lassance é cientista político.


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