do blog Redecastorfhoto
23/7/2014, [*] Pepe Escobar,
Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
“A
inteligência e os fatos estão sendo acomodados em torno da política”. Todos
recordam o memorando de Downing Street, que revelou a “política” de Bush/Blair
em torno do bombardeio/ invasão/ ocupação do Iraque em 2003. A “política” foi
livrar-se de Saddam Hussein via guerra-relâmpago. A justificativa foi
“terrorismo” e (inexistentes) armas de destruição em massa, que teriam
“desaparecido”, montadas em caminhões, no interior da Síria. Esqueçam os tais
de “inteligência e os fatos”.
A tragédia do
voo MH17 – convertido incidentalmente em arma de destruição em massa – pode ser
vista como reaplicação distorcida da política imperial no Iraque. Dessa vez,
nem se precisou de memorando. A “política” do Império do Caos é clara e tem
vários braços: diversificar o “pivô para a Ásia” estabelecendo uma cabeça de
ponte na Ucrânia para sabotar o comércio entre Europa e Rússia; expandir a
Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, até a Ucrânia; quebrar a
parceria estratégica Rússia-China; impedir por todos os meios a integração
comercial/econômica da Eurásia, da parceria Rússia-Alemanha às Novas Rotas da
Seda que convergem da China ao Ruhr; manter a Europa sob a hegemonia dos EUA.
Nova Rota da Seda: Xangai - Duisburg |
A razão chave
pela qual o presidente Vladimir Putin da Rússia não “invadiu” a Ucrânia do Leste
– por mais que tenha sido provocado por Washington/OTAN – para deter o massacre
de civis que está em andamento aconselhado-facilitado por conselheiros
militares norte-americanos – é que Putin não quer antagonizar a União Europeia,
principal parceiro comercial da Rússia.
Crucialmente
significativo é que a intervenção por Washington no Kosovo invocando a
“Responsabilidade de Proteger” [orig. R2P - Responsibility to Protect]
foi justificada por exatamente as mesmas razões pelas quais uma intervenção russa
em Donetsk e Lugansk poderia ser totalmente justificada agora. Exceto que
Moscou não intervirá – porque o Kremlin está jogando jogo muito longo.
A tragédia do
MH17 pode ter sido erro horrendo. Mas também pode ter sido um gambito
desesperado tentado pelos asseclas do Império do Caos em Kiev. É provável que
agora a inteligência russa já conheça todos os fatos chaves. O previsível modus
operandide Washington foi atirar sem sacar do coldre; disparar e em teoria
vencer a guerra “da mídia”, e subir a aposta, soltando o proverbial exército de
“altos funcionários” para incendiar a discussão com “provas”
de mídias sociais. Moscou
cuidará de construir caso meticuloso, e só então o fará chegar em detalhes
precisos à opinião pública.
Putin joga simultânea contra TODO o "ocidente" |
Hegemonia
perdida
O Grande
Quadro mostra que as elites do Império do Caos vivem tempos de grave
perturbação. Tome-se o Dr. Zbigniew “O Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski,
o qual, como seu ex-mentor de política exterior, ainda merece toda a atenção do
cada vez mais desprestigiado amanuense da Casa Branca. O Dr. Zbig apareceu
domingo na tela da CNN, para desafiar os líderes europeus a “erguer-se
contra Putin”. Cogita que a Europa talvez esteja querendo “tornar-se satélite
europeu”, e preocupa-se com “momento de significação decisiva para o futuro do
sistema – do sistema mundial”.
Zbigniew Brzezinski |
E tudo,
claro, é culpa de Putin:
Não estamos iniciando a Guerra Fria. Foi ele
[Putin] quem começou a Guerra Fria. Mas meteu-se numa enrascada horrível.
Suspeito seriamente que há muita gente na Rússia, inclusive gente bem perto
dele, que se preocupa por o status da Rússia no mundo estar sendo tão
dramaticamente solapado, com a Rússia estar começando a fracassar
economicamente, com a Rússia estar hoje ameaçada de converter-se em satélite da
China, com a Rússia acabar autoisolada e desacreditada.
Obviamente o
Dr. Zbig é abençoado pela ignorância de todos os detalhes da parceria
estratégica Rússia-China, e nem sabe que os dois países falam pelo mesmo
diapasão dentro do grupo dos BRICS, do G-20 e de muitos outros mecanismos. Mas
é a russofobia, marca registrada do Dr. Zbig, que o eleva aos píncaros da visão
de futuro. Em seu livro mais recente, Strategic Vision (2012), o Dr.
Zbig ainda fala de um “Ocidente” ampliado, para o qual ele recomenda que os EUA
anexem Turquia e Rússia, com o Império do Caos fazendo pose de “promotor” e
“garantidor” de ampla unidade no Ocidente, e de “equilibrador” e “conciliador”
entre as grandes potências do leste. É passar os olhos pelos registros desde
2012 – Líbia, Síria, Ucrânia, cercamento da China – e já se vê que o Império do
Caos só fomenta, mesmo, o caos.
Immanuel Wallerstein |
Comparem
agora um amedrontado Dr. Zbig com Immanuel Wallerstein – que foi uma das
grandes influências em Globalistan, meu atormentado livro de viagem
geopolítica, de 2007. Em seu artigo “Alemania
y Estados Unidos: una brecha sin precedente” 19/6/2014 (em espanhol), Wallerstein diz que o Império do Caos
simplesmente não pode aceitar a própria decadência geopolítica – e por isso se
tornou tão imensamente perigoso. A obsessão suprema do Império do Caos passou a
ser restaurar a própria hegemonia no sistema mundial; e é onde a “política”,
pano de fundo inafastável e essencial da tragédia do MH17, mostra que a Ucrânia
é o campo da batalha final, definitiva, de conseguir ou morrer.
Na Europa,
tudo depende da Alemanha. Especialmente depois do escândalo da Agência de
Segurança Nacional dos EUA e suas ramificações, o debate chave que se trava em
Berlim é sobre como o país se autoposicionará geopoliticamente, contornando e
ultrapassando os EUA. E a resposta, a favor da qual pressionam grandes porções
do big business alemão, está numa parceria estratégica com a
Rússia.
Quero ver o
míssil!
The Saker |
Lentamente,
sem tumulto nem futrica, os militares russos começam a explicar o que
interessa. Cortesia do blog Vineyard of the Saker [traduzido
ao português] ali está a principal exposição de fatos,
até agora. Como o Saker já disse, a Rússia tinha – e continua a ter – “visão de
radar 20/20”, vigilância de pleno espectro, sobre tudo, absolutamente tudo, que
acontece na Ucrânia. E a OTAN, pode-se dizer, também tem. O que o Ministério da
Defesa da Rússia está dizendo é tão importante quanto as pistas que está
apontando, para que os especialistas prestem atenção a elas e as sigam.
Os restos
calcinados da turbina direita do MH17 sugerem que tenha sido atacada por míssil
ar-ar – não por sistema Buk; é consistente com o que o Ministério da
Defesa russo mostrou muito clara e convincentemente: que havia um avião
ucraniano de combate, um SU-25, acompanhando o voo MH17. Cada vez mais o
cenário Buk – histericamente promovido pelo Império do Caos – vai sendo
descartado. Para nem repetir que, até agora, nenhuma testemunha ocular viu a
trilha de fumaça, muito clara, visível, espessa, que qualquer míssil terra-ar
teria traçado do céu, se tivesse havido tiro de equipamento Buk.
À parte o
fato já estabelecido de que havia um avião SU-25 seguindo o MH17, muitas
perguntas permanecem sem resposta, algumas das quais sobre um estranhíssimo
procedimento de segurança no aeroporto Schphol de Amsterdam – onde a segurança
é feita pela empresa ICTS, empresa israelense com sede na Holanda, fundada por
ex-agentes da agência de inteligência Shin
Bet de Israel. E há também a inexplicada presença de conselheiros
“estrangeiros” na torre de controle em Kiev.
Assim como Bashar
al-Assad na Síria jamais teve motivo algum para “matar o próprio povo com gás
venenoso” – como pretendia a narrativa histérica naqueles dias – os
federalistas da Ucrânia Leste não têm motivo algum para derrubar um avião de
passageiros. E, assim como Washington não dá a mínima para o massacre de civis
em curso em Gaza, Washington tampouco dá a mínima para os mortos civis do voo
MH17. A única obsessão dos EUA é forçar os europeus a aplicar sanções, se
possível, sanções mortais, contra a Rússia. Tradução: aos EUA só interessa
quebrar a integração comercial e geopolítica Europa-Rússia.
Uma semana
antes da tragédia do MH17, o Instituto Russo de Estudos Estratégicos [orig. Russian
Institute of Strategic Studies] já fizera soar
o alarme quanto à “política” do Império do Caos e sua
recusa a “aderir aos princípios e normas da lei internacional e as regras e ao
espírito do sistema existente de relações internacionais”.
Moscou,
enquanto vai reconstruindo detalhadamente os passos que levaram à tragédia do
MH17, trabalha para desmascarar a farsa de Kiev e maximizar a própria
credibilidade. Agora, o jogo está chegando às caixas pretas e ao gravador da
cabine dos pilotos. A Ucrânia permanece como campo de batalha de vida ou morte
– tabuleiro de xadrez encharcado de sangue.
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom
Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire,
Counterpunch e outros; é correspondente/ articulista das
redes Russia Today,The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo
de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books,
2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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