Há muitas histórias a serem contadas sobre o Plano Real.
O sonho de todo economista financista é
comandar um processo de troca de moeda em um país. Ele passa a ter o
poder de arbitrar as regras de conversão da moeda velha para a nova.
Dependendo da maneira como definir a conversão, poderá criar fortunas do
nada.
Foi assim nas Guerras Napoleônicas,
com o financista John Law que instituiu o papel-moeda na França, em
lugar do padrão ouro. Tornou-se um dos homens mais ricos do mundo,
chegou a adquirir alguns estados norte-americanos, antes da bolha
explodir.
Foi assim no início
da República, quando Rui Barbosa comandou a mudança do padrão ouro para
o papel moeda. Beneficiou um banqueiro da época, o seu Daniel Dantas, o
Conselheiro Mayrink, conferindo-lhe o monopólio virtual da emissão da
nova moeda.
Quando os negócios do banqueiro entraram em crise, Rui acabou impondo tantas mudanças no plano original - para salvar seu parceiro e sócio - que quebrou o país, no episódio conhecido como o Encilhamento.
No campo dos negócios,
o Plano Real seguiu o padrão John Law e Rui Barbosa - mas com a
sofisticação permitida pelos novos tempos e novas engenharias
financeiras. Aliás, o melhor trabalho sobre o Encilhamento foi do jovem
economista Gustavo Franco, ainda nos anos 80. E sua grande interrogação
era como Ruy poderia ter montado todas suas operações privadas sem
comprometer o plano. A resposta: um Banco Central que impedisse a
volatilidade do câmbio.
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O Real foi implementado por um grupo brilhante de operadores de mercado, dominando estratégias financeiras e firmemente empenhados em aproveitar o momento para a grande tacada de sua vida.
Com o fim do Cruzado Novo, havia várias
formas de irrigar a economia com a nova moeda. A mais óbvia seria no
vencimento dos títulos públicos: em vez de emitir novos títulos e rolar a
dívida, o governo resgataria, entregando reais aos titulares. O país
zeraria sua dívida pública e, com a falta de títulos públicos, os reais
seriam investidos em papéis privados, ajudando a estimular os
investimentos.
Em vez disso, optou-se por entregar reais só
a quem trouxesse dólares de fora. Os economistas do Real se prepararam
antecipadamente para essa reciclagem, adquirindo instituições que, assim
que o Real foi lançado, saíram na frente captando dólares baratos,
convertendo em reais e aplicando em títulos públicos que pagavam juros
expressivos.
Por si só, essa reciclagem já seria um grande negócio.
Mas foram além.
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A lógica
econômica do Real consistia em conservar a paridade de um por um na
relação com o dólar. Quando foi lançada a URV, a ideia era convergir o
valor real de todos os produtos para o novo índice, reduzindo ao mínimo
as oscilações de preços relativos depois que o real fosse introduzido .
Mas o BC fixou uma regra que, na prática,
derrubou o dólar para 85 centavos. Consistia em garantir um teto para o
dólar (de R$ 1,00) mas não garantir um piso. O piso seria determinado
pelo diferencial entre as taxas externas de juros e as internas.
Lançado
o real, imediatamente o dólar caiu para R$ 0,85, encarecendo da noite
para o o dia todos os produtos brasileiros, em relação aos importados.
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Alguns meses antes do lançamento
do real, um dos economistas, Winston Fritsch, procurou bancos de
investimento nacionais e estrangeiros para encontros reservados, nos
quais descrevia o movimento que o dólar faria quando o real fosse
implementado. Convidava-os a entrar no jogo para reforçar o movimento
baixista do dólar já que na outra ponta haveria multinacionais comprando
dólares para se prevenir contra o medo da desvalorização do real.
Menos de três
meses com o dólar a R$ 0,85 e a economia bombando, o país já exibia
déficits externos relevantes. Se houvesse desvalorização cambial,
quebraria grande parte das instituições aliadas dos economistas. Para
não quebrarem, os economistas do Real quebraram o país. Aumentaram a
aposta no câmbio apreciado. No final do ano o país estava quebrado,
explodiu a crise do México e o Brasil se viu sem condições de continuar
crescendo por não conseguir financiar o déficit externo.
Essa armadilha levou o BC a manter por tempo indeterminado a apreciação
do real e a segurar a crise das contas externas com as mais altas taxas
de juros do mundo. Como conseqüência, matou o mercado de consumo
pujante que estava se formando com o fim da inflação; e gerou a maior
dívida pública da história, que seguraria o crescimento brasileiro por
toda a década seguinte.
Mais que isso, matou o próprio sonho do PSDB de governar o país por 20 anos - como era o cálculo de seus operadores.
Com o fim da inflação,
milhões de brasileiros ascenderam ao mercado de consumo. O governo FHC
poderia ter antecipado em oito anos o fenômeno da nova classe C e
garantido o reinado do PSDB por mais vinte. Mas as taxas de juros
praticadas, para segurar o câmbio - e enriquecer os operadores
financeiros - mataram totalmente o dinamismo da economia, obrigando os
novos consumidores a refluírem para a zona cinzenta do subconsumo e só
voltariam à tona no governo Lula - garantindo a nova hegemonia política
ao PT.
Os
quatro primeiros anos de FHC foram sufocados pela dívida criada no
setor público e privado e pelo câmbio apreciado, criando um enorme
déficit externo, expondo o país a qualquer crise internacional. Bastava
uma crise na Rússia para um terremoto se abater sobre o Brasil.
Quatro anos depois, o câmbio cobrou a conta na crise da dívida externa que praticamente liquidou com o segundo mandato de FHC e com o reinado do PSDB.
Em 2002 Lula foi eleito, o PSDB alijado do poder e, já extremamente ricos, os economistas do Real trataram de procurar outros barcos para remar.
Vinte anos depois, o PSDB serve de novo de mula para o retorno dos financistas que liquidaram com o partido.
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