"Segundo diretor de
redação da revista "Carta Capital", Mino Carta, ao contrário do que
pretendiam a mídia e a oposição, a Copa do Mundo provou que os maiores
problemas do Brasil ficam no gramado: “Este campeonato mundial exibiu
um país bem diferente daquele anunciado. A assistência global viu uma
boa organização em um recanto civilizado, deste ângulo digno da melhor
contemporaneidade, na contramão das circunstâncias previstas alhures e,
mais ainda, por aqui”
Por Mino Carta
"Uma
criança que chora por culpa do pai dá pena. Com o pai, como haveria de
ser, não aprendeu que o futebol é apenas um jogo e que a pátria não
calça chuteiras, além de ser o derradeiro refúgio dos covardes, conforme
o doutor Johnson. Pela lição paterna, deveria entender a justa dimensão
do ludopédio, e hierarquizar a sua importância na relação com outras
questões propostas pela vida, embora esteja longe de ser pecado perceber
graça e arte no trato da bola.
Há situações que não se dão por
acaso. As crianças choram na arquibancada, mas a nação em peso
habilita-se à puerilidade. Sou de um tempo em que Pedro Luís Paoliello e
Mario Moraes formavam, desde o imediato Pós-Guerra até meados dos anos
60, a mais ouvida e celebrada dupla radiofônica das transmissões
futebolísticas. Pedro Luís, locutor insuperável, conheci, já sessentão,
cavalheiro impecável. Moraes, comentarista de voz pastosa, pensador do
esporte bretão, não conheci. Lembro ambos, com saudade.
Ao cabo da partida, Moraes analisava os jogadores por duas lentes: tecnicamente e taticamente.
Hoje, a ele perguntaria, meu comentarista preferido, sucinto e certeiro
nas apreciações, que diria a respeito do desempenho da Seleção
Canarinho na fatídica semifinal de 8 de julho de 2014, contra o time
teutônico. Muito teutônico, ao som de Wagner, a bem da verdade factual.
Ouço-o sentenciar: tecnicamente abaixo de medíocre, taticamente um desastre.
Deste específico ponto de vista, me seduz enxergar nos jogadores a
criança mal ensinada pelo pai. E penso em Felipe Scolari, a encarar a
tragédia entre atônito e perplexo.
Haverá quem evoque, a favor
dele, Scolari campeão em 2002. Pois, naquela seleção, os craques
autênticos sobravam, e o time jogou como sabia, a dispensar técnicos. O
mesmo aconteceu em 1958, quando os jogadores impuseram a Vicente Feola a
escalação e inventaram por conta própria um esquema, o 4-3-3, que
poderia tornar-se 4-2-4, destinado a revolucionar o futebol mundial. O
qual, nos últimos 56 anos, mudou muito. Mudou demais.
Dinheiro em
proporções exorbitantes adentrou o gramado e uma quadrilha passou a
comandar a Fifa, instruída a contento por um brasileiro, João Havelange.
Jules Rimet, aquele frágil senhor que entregou a taça em 1950, 'tadim',
não tinha a mais remota possibilidade de imaginar seu atual sucessor,
Joseph Blatter. Totò Riina não se sairia melhor do que Blatter. Só que
Riina está na cadeia.
Sobe à memória, do longínquo passado, uma
foto de Djalma Santos, campeão em 58 e 62, a carregar as chuteiras
embrulhadas em papel jornal, e logo sobrevém de chofre a imagem de David
Luiz em lágrimas ao sair de campo. No microfone que prorrompe debaixo
de sua boca trêmula, soluça: “Eu queria apenas a felicidade do meu povo, a alegria de todos”. Mario Moraes afirmaria dele: tecnicamente razoável, taticamente nota zero. E no mais, que dizer do zagueiro recém-adquirido pelo PSG por 50 milhões de libras: hipócrita ou parvo? Ou reuniria em um único ser humano as duas características?
Moraes e Pedro Luís não se permitiam concessões e aí está outra comparação: raríssimos, ao longo desta Copa, os comentários sensatos.
Em contrapartida, a enchente impetuosa das informações dispensáveis a
tomar inexoravelmente todos os espaços disponíveis, como se nada mais
houvesse a ser noticiado além do festival da bola, e os comentários
amiúde equivocados, como se o objetivo fosse levar a plateia a acreditar
no impossível e a estimular-lhe a imbecilização. A campanha da Seleção
foi pífia e a semifinal imerecida. Em dois jogos, contra Croácia e
Colômbia, os canarinhos gozaram da colaboração decisiva dos juízes. No
jogo contra o Chile, os fados haviam acordado de excelente humor. O
outro encontro foi o empate com o México. Neymar mostrou seus limites de
criança mimada. Esporádicas as avaliações isentas, responsáveis, de
sorte a preparar a plateia para o desenlace melancólico.
Enredado
pelas recordações, enveredei por reflexões pretensamente técnicas.
Cabem outras mais significativas, e são políticas, e também
sociológicas, se quiserem, sem a mais pálida intenção de escrever um
tratado. A Copa teve o condão de deixar claro que o problema do Brasil
não estava fora dos estádios, e sim no próprio gramado. Este Campeonato
Mundial exibiu um país bem diferente daquele anunciado. A assistência
global viu uma boa organização em um recanto civilizado, deste ângulo
digno da melhor contemporaneidade, na contramão das circunstâncias
previstas alhures e, mais ainda, por aqui.
A quem aproveita? Ao
País. A todos nós. Não falta, entretanto, quem queira tirar vantagem no
bem e no mal. Ouvimos, nos últimos meses, contraditórias versões a
respeito de quem se valeria da situação para favorecer seus interesses,
proclamadas em ambientes diversos e sustentadas pela mídia nativa. "A Copa sela o enterro de Dilma". Nada disso, "Dilma pretende usar a Copa em seu benefício". Perdão, perdão, boi na linha: "o desfecho da Copa trabalha contra Dilma". Há mesmo alguns, desvairados, a afirmar que "a derrota, acachapante", diria Mario Moraes, "sofrida contra a Alemanha, é culpa da Dilma".
"CartaCapital"
esforçou-se para sustentar, amparada nas aulas que a história costuma
ministrar aos menos desavisados, que resultados futebolísticos e
eleitorais seguem por caminhos próprios e não se cruzam. Mesmo assim,
preparemos nossos corações para assistir a mais uma quermesse de
sandices a respeito. Registre-se que, de fato, o Brasil oferece uma
prova de sua contingente decadência futebolística e outra, muito mais
importante, de um inesperado grau de maturidade, embora misturado com a
puerilidade nacional quando trila o apito."
FONTE: escrito
pelo diretor de redação da revista "Carta Capital", Mino Carta, e
transcrito e comentado no jornal on line "Brasil 247" (http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/146376/Mino-Carta-problema-da-Copa-ficou-nos-gramados.htm).
Muito bem embasado o texto, tras informações e análises robustas, suas considerações colocam a reflexão no topo, a copa foi um legado, este Brasil de hoje, de pós copa é outro, sem entretanto ter mudado sua essência radicalmente, haja vista que a mudança cultural é paulatina, quando não retrocede como nas ditaduras, porém temos tudo para crescer e virar o jogo da velha política e das tradições burguesas que sempre frustram as mudanças de base que tanto almejamos, quem sabe se agora no pós copa possamos debater em alto nível o Brasil que queremos, bem como o futebol que não queremos!
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