segunda-feira, 28 de julho de 2014

Quais são agora as alternativas para a economia da Argentina?


Jorge Marchini (*) no Carta Maior

postado em: 28/07/2014

O establishment impôs novamente a ideia de que não haveria outra saída para a Argentina senão aceitar a sentença do juiz de Nova York Thomas Griesa a favor da demanda de multimilionários de fundos de investimento especulativo. Estes exigem o pagamento completo, mais os juros acumulados, de títulos da dívida que foram comprados a preço de liquidação, a uma fração do valor nominal, no momento em que o país sofreu uma grande crise financeira no começo do século [1].

Novamente, tal como ocorreu outrora, volta a se argumentar que o país “ficaria fora do mundo” [2]. Afirma-se de forma determinante que o país perderia a oportunidade de “recuperar a confiança dos mercados” que havia conseguido a partir das sucessivas reaberturas de ofertas de renegociação de títulos “defaulteados” [3], o recente reajuste de controvérsias pendentes com empresas privadas do exterior no CIADI/Banco Mundial [4] e o acordo com os países credores da dívida em default desde a crise de 2001 do Clube de Paris [5].

A ratificação, em meados de junho, por parte da Suprema Corte dos EUA da sentença do juiz distrital de Nova York, reafirmando os requerimentos dos donos dos fundos abutres, alterou toda a situação [6]. Por um lado, e no plano imediato, não apenas por inibir pagamentos comprometidos de credores da dívida renegociada, mas por representar a exigência da sentença do pagamento imediato de 1,5 bilhão de dólares, um grave precedente que poderia acarretar a exigência do pagamento completo com juros por parte dos detentores dos títulos que não aceitaram negociações (cerca de 15 bilhões de dólares). E também a possibilidade de impulsionar novas demandas por parte dos que aceitaram uma diminuição de 66,3% do valor nominal em renegociações anteriores [7].

Qualquer que seja a decisão – aceitando pagar ou não –, o país foi levado pelas decisões dos tribunais dos EUA a uma situação crítica que terá, sem dúvida, enormes consequências e derivados imprevistos. De imediato, e em que pesem as significativas e estendidas mostras de solidariedade com a Argentina, o conflito fechou definitivamente o caminho de um retorno ao mercado para requerer novos créditos em um curto prazo, tal como pretendia a Argentina[8]. Isso ocorrerá se a Argentina pagar os demandantes de acordo com a sentença, mas se pode prever a incerteza que a onda de novas demandas provocará. E, se o país não o fizer, a justiça dos EUA pode priorizar o pagamento da sentença ou renegociações com outros credores, o que levará de fato ao “default”.

Já a situação das contas externas da Argentina – a balança comerciária – foi se deteriorando. O sinal mais evidente desse problema foi a quase permanente queda das reservas do Banco Central (de quase 51 bilhões de dólares em agosto de 2010 para 29 bilhões atualmente)[9].

Entre os fatores incidentes, estão:

a) A erosão do saldo da balança comercial. Isso se tornou notável no último período, e está particularmente chamativa neste ano. Em que pese o fato de este ano ter havido uma colheira recorde em um período de altos preços internacionais, as rendas por exportações se reduziram. E também é significativo que não se tenha produzido uma queda geral das compras externas apesar da maior atividade econômica e das limitações de autorizações às importações. O saldo da balança comercial do país para os primeiros seis meses do presente ano foi de 3,684 bilhões de dólares (uma queda de 1,463 bilhão de dólares, isto é, 28% em relação ao mesmo período de 2013)[10]. Os números permitem observar a princípio a possível existência de graves manobras criminosas de subfaturamento de exportações, contrabando e sobrefaturamento de importações com trocas cambiais ilegais e fugas de capitais.

b) Os fortes e crescentes pagamentos da dívida pública dentro de uma estratégia geral de desendividamento. Desde 2003, a Argentina pagou mais de 100 bilhões de dólares equivalentes a divisas[11].

c) A enorme e crescente acepção da fuga de capitais que tem sido crônica desde 2007, em que pese a imposição de restrições cambiárias a partir de outubro de 2001. Trata-se de um sinal evidente do fenômeno do permanente crescimento dos ativos privados externos (205,460 bilhões de dólares do setor privado não financeiro e mais 3,158 bilhões de dólares do setor financeiro, de acordo com estimativas oficiais do Banco Central em março de 2014).

Diante do imprevisto aspecto que a situação assumiu, e a ocorrência de eventos nos últimos dias (posição intransigente e provocadora dos fundos abutres, a negativa do juiz Griesa de dar um novo prazo), não basta falar mal dos abutres e se queixar quão terríveis são os especuladores – que não são senão um produto natural derivado da desregulação e globalização financeira –, mas se perguntar se a Argentina não tem saídas neste momento.

De imediato, deve-se ponderar que a situação não é parecida às recorrentes crises que o país viveu nas últimas décadas. A Argentina, assim como a Venezuela, são os únicos países da região que podem contar imediatamente com saldos positivos da balança de pagamentos, o nível de endividamento em moeda estrangeira é baixo e, o que é melhor ainda, existe o marco internacional de perda de credibilidade da arquitetura financeira mundial a partir das consequências e dos custos públicos da crise de 2007/08.

Se é impossível prever as consequências dos últimos eventos, é preciso imediatamente analisar com seriedade e sem impressionismos superficiais o cenário que está dado e, sobretudo, analisar/debater passos viáveis e consistentes para defender o interesse nacional.

Existem alternativas

Não é certo que o governo careça de alternativas. Diante da perspectiva do default forçado pelos abutres e sua aliada, a justiça dos EUA, deve-se reconhecer sem rodeios a emergência da situação e avançar de forma imediata para proteger a economia nacional, combatendo decididamente e sem mais demora a continuidade de drenagens e fugas.

É preciso colocar em evidência que se trata de uma estratégia nacional e, tal como ocorre nessas ocasiões, os interesses particulares ser preteridos em detrimento dos gerais. A Pátria acima do individual e do egoísta.

a) Controle público e social na fiscalização e abertura/transparência de informações das operações de comércio exterior. Combater com leis já vigentes as manobras hoje estendidas de subfaturamento e contrabando de exportações, e sobre faturação de importações e fuga de capitais.

b) Fazer uma ampla chamada pública para a elaboração, diante da emergência nacional, de um Plano de Defesa da Produção e do Trabalho, contra a Especulação, o Crime Econômico e a Alienação do Patrimônio Nacional que inclua o debate de propostas/planos concretos (por exemplo, priorizar a sustentação de fontes de trabalho, aprofundar o monitoramento da inflação – custos e preços –, combate ao contrabando e às manobras no comércio exterior e cambiárias, sustentação da produção nacional, substituição de importações, reformas financeiras e impositivas, compra nacional/latino-americana, campanha e plano para a economia de energia, entre outros).

c) Diante da intenção de estrangular a balança de pagamentos e levar o país ao “default”, determinar/investigar a origem de todas as obrigações e movimentos financeiros, de forma a poder reestrutura e reprogramar pagamentos de forma justa e responsável, de acordo com propriedades e capacidade genuína de pagamento.

d) Impulsionar iniciativas concretas de unidade latino-americana americana para a proteção regional que vão além do discurso, como, entre outras:

- Início imediato do Banco do Sul;
- Constituição de um fundo comum de reservas e de “swaps” de seguro permanente entre bancos centrais regionais;
- Ampliação do intercâmbio comercial regional, compensado com o uso de moedas locais e/ou unidades de conta (SUCRE);
- Coordenação de políticas e ações para evitar desvalorizações competitivas e manobras especulativas/fugas de capitais;
- Diante da evidente e recorrente parcialidade dos tribunais de países centrais para dirimir conflitos de suas pessoas e empresas privadas contra os Estados de nosso países, firmar contratos que incluam a cessão de jurisdição contratual e reafirmar o direito soberano à plena e intransferível soberania jurídica nacional. É urgente avançar em um processo de debate internacional para reformar o regime de tratamento jurídico das dívidas soberanas.

Notas:

[1] Pode-se ler uma síntese do conflito no site oficial do Ministério da Economia e Finanças Públicas da Argentina (http://www.mecon.gov.ar/DESENDEUDAR/default-es.htm)

[2] Ver opiniões de economistas reconhecidos em http://www.infobae.com/2014/07/22/1582463-los-economistas-advierten-los-costos-un-nuevo-default

[3] “Começa a terceira negociação da dívida”, jornal Ámbito Financiero, Buenos Aires, 24/09/2013, em http://www.ambito.com/diario/noticia.asp?id=708218
[4] “Argentina firmou um acordo com cinco empresas diante do CIADI”- Agência Télam - 18/10/2013 – em http://www.telam.com.ar/notas/201310/37031-argentina-cerro-un-acuerdo-con-cinco-empresas-ante-el-ciadi.html
[5] http://www.telam.com.ar/notas/201405/64883-kicillof-argentina-club-de-paris.html

[6] “O pior dos resultados: a Corte dos Estados Unidos nega apelação argentina no caso dos fundos abutres” jornal La Nación, Buenos Aires, 16 de junho de 20014 - em http://www.lanacion.com.ar/1701767-fallo-de-la-corte-de-estados-unidos-sobre-los-fondos-buitres-y-argentina
[7] Declarações do Ministro da Economia da Argentina, Axel Kiciloff, nas Naciones Unidas, jornal Página 12, 25/06/2014 em http://www.pagina12.com.ar/diario/ultimas/20-249392-2014-06-25.html

[8] Katz, Claudio: “Quantos abutres acossam a Argentina” publicado em Aporrea - http://www.aporrea.org/internacionales/a190781.html
[9] Site do Banco Central da República Argentina: http://www.bcra.gov.ar
[10] Cifras do Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina – http://www.indec.mecon.ar/uploads/informesdeprensa/ica_07_14.pdf
[11] Apresentação pública sobre Fundos Abutres – Ministério de Economia e Finanças da República Argentina- junho de 2014
 

(*) Professor Titular de Economia, Universidade de Buenos Aires, Pesquisador do CIGES – Argentina




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