quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

PEC da Previdência: arrocho sobre os mais pobres para pagar juros da dívida.



                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso.
        O governo divulgou no início desta semana sua proposta para a reforma na Previdência Social, a PEC 287/16, para aprovação no Congresso em 2017.        A proposta iguala idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, segurados do INSS e servidores públicos, trabalhadores rurais e urbanos. A idade mínima, inicialmente estabelecida em 65 anos, deve se elevar no mínimo duas vezes, conforme o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, alcançando 67 anos em 2060.  Os trabalhadores, homens ou mulheres, para se aposentar terão que ter 65 anos de idade e, no mínimo, 25 anos de contribuição.  Pela proposta, se faz um cálculo a partir da média das 80 maiores contribuições e atribui a essa média um percentual de 51%. A partir daí acrescenta 1% para cada ano de contribuição. Isso significa na prática que o trabalhador, para se aposentar com seu salário integral, terá que ter 65 anos de idade e mais 49 anos de contribuição.
        Pelas regras atuais o trabalhador pode se aposentar por tempo de contribuição (35 anos) ou por idade, 65 para homens e 60 para mulheres. Com 35 anos de contribuição o trabalhador pode se aposentar independentemente da idade. Com a PEC, não bastam 35 anos de contribuição. Um jovem que comece a trabalhar na economia formal aos 21 anos, e que não interrompa durante toda sua vida profissional a contribuição à previdência, irá se aposentar aos 70 anos. A questão é que, na realidade brasileira, somente uma fração dos trabalhadores está em empregos de qualidade, tem formação elevada, dispõe de emprego estável, tem proteção sindical e salário médio razoável. A maioria dos trabalhadores brasileiros ganha pouco e perde ou sai do emprego com frequência, interrompendo, portanto, a contribuição previdenciária. Exatamente por isso, a maioria das aposentadorias no Brasil ocorre por idade. Pela proposta, para o cidadão se habilitar para aposentadoria integral, terá que começar a trabalhar muito cedo, o que leva a evidentes implicações em relação ao trabalho infantil e com a questão educacional no país. Pela proposta o valor mínimo da aposentadoria continuaria sendo o salário mínimo em vigor, mas o mesmo não vale para as pensões que poderão ficar abaixo do valor do salário mínimo.
        Conforme informações da imprensa, o objetivo da reforma é gerar economia de R$ 678 bilhões em 10 anos. Vale observar que este valor é, praticamente, o que o Brasil pagou pelos serviços da dívida pública nos últimos 12 meses. Se o objetivo é economizar, seria dramaticamente mais eficiente reduzir a taxa de juros. A taxa de juros reais do Brasil, de 7% em termos reais, é a mais elevada do mundo. A segunda maior taxa básica de juros, a da Rússia, está em 2,8%. Mas os juros do cheque especial chegam à 482% ao ano. Não existe nada semelhante em todo o mundo. O problema do déficit público é financeiro, são os juros pagos pelos serviços da dívida que causam o déficit público.
       Apesar dos inéditos ganhos reais do salário mínimo nos últimos anos, entre 1999 e 2011, os gastos com a previdência Social cresceram apenas 1,3 ponto percentual em relação ao PIB. Também foi de 1,3 ponto percentual o aumento registrado para a soma de todos os demais gastos sociais. É claro que o PIB cresceu bastante neste período, mas a proporção gastos/PIB cresceu pouco, se considerarmos os avanços verificadas na distribuição de renda até 2011. O governo quer fazer economia retirando dos trabalhadores, idosos e deficientes (com a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada do salário-mínimo) para aumentar as transferências públicas para banqueiros e demais rentistas, que já equivalem a 9% do PIB.
        Em meio a mais grave recessão da história do Brasil, a proposta de reforma da previdência trazida pela PEC ataca direitos dos mais pobres, o que tende a agravar as desigualdades de renda no Brasil. Do conjunto de políticas distributivas no Brasil, talvez nenhuma seja mais eficiente do que a Previdência Social. A esmagadora maioria dos benefícios, cerca de 80%, é de um salário mínimo, com elevado efeito distributivo. Além de prover dignidade para a população mais pobre, as transferências da Previdência exercem papel econômico fundamental no aspecto da distribuição regional da renda. E com grande capilaridade, na medida em que em torno de 71% dos municípios brasileiros os montantes transferidos pelos benefícios da Previdência Social são superiores àqueles repassados pelo Fundo de Participação dos Municípios. Ademais, 68% dos benefícios da Previdência Social são destinados a municípios com até 50 mil habitantes.
         Pelo pacote de medidas contra o povo que tem sido anunciado pelo governo, fica muito evidente a crueldade e a falta de compromisso com a maioria da população brasileira. Mas há também um grande desconhecimento do papel do Estado na economia e do efeito conhecido como multiplicador do gasto público, exercido pelos investimentos públicos sobre o nível de atividade econômica como um todo. No caso da elevação do gasto em Educação, para cada 1% do PIB de gastos, há uma tendência de ocorrer a expansão da economia nacional na casa de 1,9%, e de 1,8% se o mesmo aumento do gasto fosse na área da Saúde. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2013, por exemplo, mostra que as despesas com o Bolsa Família, além de representar uma fração diminuta do PIB (0,4%), para cada real gasto, significa um acréscimo de R$ 1,78 no PIB.
        Além de ferir direitos constitucionais obtidos a duras penas pelos trabalhadores no Brasil, as medidas de cortes de gastos primários em geral afetam a própria soberania nacional. Acima de dois terços dos 34 milhões de benefícios pagos pela Previdência, são de um salário mínimo. Estamos tratando, portanto, de gente que vive ao nível da sobrevivência. Qual é o sentido de arrochar idosos, mulheres pobres, deficientes e trabalhadores rurais para aumentar os bilionários montantes pagos à 10 mil famílias de rentistas? Ainda mais quando, sabidamente, a proposta de reforma da previdência, assim como as demais, estão baseadas num diagnóstico equivocado e falacioso, de que o problema fiscal advém dos gastos primários e não dos serviços da dívida pública?
                                                                                                                                 *Economista.

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