*José Álvaro de Lima Cardoso.
O governo divulgou no início desta
semana sua proposta para a reforma na Previdência Social, a PEC 287/16, para
aprovação no Congresso em 2017. A
proposta iguala idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, segurados do
INSS e servidores públicos, trabalhadores rurais e urbanos. A idade mínima, inicialmente estabelecida em
65 anos, deve se elevar no mínimo duas vezes, conforme o aumento da
expectativa de vida dos brasileiros, alcançando 67 anos em 2060. Os
trabalhadores, homens ou mulheres, para se aposentar terão que ter 65 anos de
idade e, no mínimo, 25 anos de contribuição.
Pela proposta, se faz um cálculo a partir da média das 80 maiores
contribuições e atribui a essa média um percentual de 51%. A partir daí
acrescenta 1% para cada ano de contribuição. Isso significa na prática que o
trabalhador, para se aposentar com seu salário integral, terá que ter 65 anos
de idade e mais 49 anos de contribuição.
Pelas regras atuais o trabalhador pode
se aposentar por tempo de contribuição (35 anos) ou por idade, 65 para homens e
60 para mulheres. Com 35 anos de contribuição o trabalhador pode se aposentar
independentemente da idade. Com a PEC, não bastam 35 anos de contribuição. Um
jovem que comece a trabalhar na economia formal aos 21 anos, e que não
interrompa durante toda sua vida profissional a contribuição à previdência, irá
se aposentar aos 70 anos. A questão é que, na realidade brasileira, somente uma
fração dos trabalhadores está em empregos de qualidade, tem formação elevada,
dispõe de emprego estável, tem proteção sindical e salário médio razoável. A
maioria dos trabalhadores brasileiros ganha pouco e perde ou sai do emprego com
frequência, interrompendo, portanto, a contribuição previdenciária. Exatamente
por isso, a maioria das aposentadorias no Brasil ocorre por idade. Pela
proposta, para o cidadão se habilitar
para aposentadoria integral, terá que começar a trabalhar muito cedo, o que
leva a evidentes implicações em relação ao trabalho infantil e com a questão
educacional no país. Pela proposta o valor mínimo da aposentadoria
continuaria sendo o salário mínimo em vigor, mas o mesmo não vale para as pensões
que poderão ficar abaixo do valor do salário mínimo.
Conforme informações da imprensa, o
objetivo da reforma é gerar economia de R$ 678 bilhões em 10 anos. Vale
observar que este valor é, praticamente, o que o Brasil pagou pelos serviços da
dívida pública nos últimos 12 meses. Se o objetivo é economizar, seria
dramaticamente mais eficiente reduzir a taxa de juros. A taxa de juros reais do
Brasil, de 7% em termos reais, é a mais elevada do mundo. A segunda maior taxa
básica de juros, a da Rússia, está em 2,8%. Mas os juros do cheque especial
chegam à 482% ao ano. Não existe nada semelhante em todo o mundo. O problema do
déficit público é financeiro, são os juros pagos pelos serviços da dívida que
causam o déficit público.
Apesar dos inéditos ganhos reais do
salário mínimo nos últimos anos, entre 1999 e 2011, os gastos com a previdência
Social cresceram apenas 1,3 ponto percentual em relação ao PIB. Também foi de
1,3 ponto percentual o aumento registrado para a soma de todos os demais gastos
sociais. É claro que o PIB cresceu bastante neste período, mas a proporção
gastos/PIB cresceu pouco, se considerarmos os avanços verificadas na
distribuição de renda até 2011. O governo quer fazer economia retirando dos
trabalhadores, idosos e deficientes (com a desvinculação do Benefício de
Prestação Continuada do salário-mínimo) para aumentar as transferências
públicas para banqueiros e demais rentistas, que já equivalem a 9% do PIB.
Em meio a mais grave recessão da história do
Brasil, a proposta de reforma da previdência trazida pela PEC ataca direitos
dos mais pobres, o que tende a agravar as desigualdades de renda no Brasil. Do
conjunto de políticas distributivas no Brasil, talvez nenhuma seja mais
eficiente do que a Previdência Social. A esmagadora maioria dos benefícios,
cerca de 80%, é de um salário mínimo, com elevado efeito distributivo. Além de
prover dignidade para a população mais pobre, as transferências da Previdência
exercem papel econômico fundamental no aspecto da distribuição regional da
renda. E com grande capilaridade, na medida em que em torno de 71% dos
municípios brasileiros os montantes transferidos pelos benefícios da
Previdência Social são superiores àqueles repassados pelo Fundo de Participação
dos Municípios. Ademais, 68% dos benefícios da Previdência Social são
destinados a municípios com até 50 mil habitantes.
Pelo pacote de medidas contra o povo
que tem sido anunciado pelo governo, fica muito evidente a crueldade e a falta
de compromisso com a maioria da população brasileira. Mas há também um grande
desconhecimento do papel do Estado na economia e do efeito conhecido como
multiplicador do gasto público, exercido pelos investimentos públicos sobre o
nível de atividade econômica como um todo. No caso da elevação do gasto em
Educação, para cada 1% do PIB de gastos, há uma tendência de ocorrer a expansão
da economia nacional na casa de 1,9%, e de 1,8% se o mesmo aumento do gasto
fosse na área da Saúde. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2013, por exemplo,
mostra que as despesas com o Bolsa Família, além de representar uma fração
diminuta do PIB (0,4%), para cada real gasto, significa um acréscimo de R$ 1,78
no PIB.
Além de ferir direitos constitucionais
obtidos a duras penas pelos trabalhadores no Brasil, as medidas de cortes de
gastos primários em geral afetam a própria soberania nacional. Acima de dois terços dos 34 milhões de benefícios
pagos pela Previdência, são de um salário mínimo. Estamos tratando, portanto,
de gente que vive ao nível da sobrevivência. Qual é o sentido de
arrochar idosos, mulheres pobres, deficientes e trabalhadores rurais para
aumentar os bilionários montantes pagos à 10 mil famílias de rentistas? Ainda mais
quando, sabidamente, a proposta de reforma da previdência, assim como as demais,
estão baseadas num diagnóstico equivocado e falacioso, de que o problema fiscal
advém dos gastos primários e não dos serviços da dívida pública?
*Economista.
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