Extraído do blog de Rogério Cerqueira Leite
Um
livro como Quem pagou a conta?, da historiadora britânica Frances
Stonor Saunders, aponta a cultura como estratégia de dominação e força
dos Estados Unidos em relação aos seus artistas e intelectuais e em
relação a outros países durante a Guerra Fria. Essa dominação ainda se
dá da mesma forma? Ela passou por novas configurações?
Sim, o inglês é a língua franca e os Estados Unidos ainda possuem o maior soft power.
É através do controle dos meios de comunicação, das artes e da cultura
que influenciam e dominam, virtualmente, quase todos os povos, sobretudo
no Ocidente. E os recursos financeiros correm por diversas fontes.
Como
o senhor vê o modo como os EUA elegem seu presidente da República? É um
método seguro? A Rússia chegou a anunciar que enviaria fiscais para
acompanhar o processo de votação até a apuração do resultado.
Os
grandes bancos e corporações, concentradas em Wall Street, são,
geralmente, os grandes eleitores nos Estados. George W. Bush não foi de
fato eleito, mas instalado no governo por um golpe do poder judiciário.
Agora, porém, a tentativa de colocar na presidência dos Estados Unidos a
candidata de Wall Street e do complexo industrial-militar, a democrata
Hillary Clinton, falhou. Elegeu-se Donald Trump, um bilionário outsider,
como franco repúdio ao establishment político, à continuidade da
política de guerra, de agressão. Trump recebeu o apoio dos trabalhadores
brancos, empobrecidos pela globalização, dos desempregados e outros
segmentos da população descontentes com ostatus quo.
E o fato foi que mais de 70 milhões de cidadãos americanos (59 milhões
em favor de Trump e 13 milhões em favor Bernie Sanders, no Partido
Democrata) votaram contra o establishment, contra uma elite política
corrupta, e demandaram mudança.
De
que modo os EUA participaram da destituição da presidente Dilma
Rousseff? Essas intervenções se dão em que nível, quando comparadas às
do período da ditadura militar no Brasil?
Conforme
o historiador John Coatsworth contabilizou, entre 1898 e 1994, os
Estados Unidos patrocinaram, na América Latina, 41 casos de “successful”
de golpes de Estado para mudança de regime, o que equivale à derrubada
de um governo a cada 28 meses, em um século. Após a Revolução Cubana,
os Estados Unidos, em apenas uma década, a partir de 1960, ajudaram a
derrubar nove governos, cerca de um a cada três meses, mediante golpes
militares, como no Brasil. Depois de 1994, outros métodos, que não
militares, foram usados para destituir os governos de Honduras (2009) e
Paraguai (2012). No Brasil, o impeachment da presidente Dilma Rousseff
constituiu, obviamente, um golpe de Estado. Houve interesses
estrangeiros, elite financeira internacional, aliados a setores do
empresariado, com o objetivo de regime change (mudança
de regime), através da mídia corporativa, com o apoio de vastas camadas
das classes médias, abaladas com as denúncias de corrupção.
E qual teria sido o papel norte-americano na destituição?
Há evidências, diretas e indiretas, de que os Estados Unidos influíram e encorajaram a lawfare,
a guerra jurídica para promover a mudança do regime no Brasil. O juiz
de primeira instância Sérgio Moro, condutor do processo contra a
Petrobras e contra as grandes construtoras nacionais, preparou-se, em
2007, em cursos promovidos pelo Departamento de Estado. Em 2008, ele
participou de um programa especial de treinamento na Escola de Direito
de Harvard, em conjunto com sua colega Gisele Lemke. E, em outubro de
2009, participou da conferência regional sobre “Illicit Financial
Crimes”, promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. A
Agência Nacional de Segurança (NSA), que monitorou as comunicações da
Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de
alguns militantes do PT e, possivelmente, forneceu os dados sobre o
doleiro Alberto Yousseff ao juiz Sérgio Moro, já treinado em ação
multi-jurisdicional e práticas de investigação, inclusive com
demonstrações reais (como preparar testemunhas para delatar terceiros).
O sr, cita também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no desmantelamento de empresas brasileiras…
Rodrigo
Janot foi a Washington, em fevereiro de 2015, apanhar informações
contra a Petrobras, acompanhado por investigadores da força-tarefa
responsável pela Operação Lava Jato, e lá se reuniu com o Departamento
de Justiça, o diretor-geral do FBI, James Comey, e funcionários daSecurities and Exchange Commission (SEC). A quem serve o juiz Sérgio Moro, eleito pela revistaTime um
dos dez homens mais influentes do mundo? A que interesses servem com a
Operação Lava-Jato? A quem serve o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot? Ambos atuaram e atuam com órgãos dos Estados Unidos,
abertamente, contra as empresas brasileiras, atacando a indústria bélica
nacional, inclusive a Eletronuclear, levando à prisão seu presidente, o
almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Os prejuízos que causaram e
estão a causar à economia brasileira, paralisando a Petrobras, as
empresas construtoras nacionais e toda a cadeia produtiva, ultrapassam,
em uma escala imensurável, todos os prejuízos da corrupção que eles
alegam combater. O que estão a fazer é desestruturar, paralisar e
descapitalizar as empresas brasileiras, estatais e privadas, como a
Odebrecht, que competem no mercado internacional, América do Sul e
África.
Levando-se
em consideração a destruição de empresas de infraestrutura no país,
projetos para acabar com a exclusividade da Petrobras na exploração da
commodity, o senhor acredita na tese de que o cérebro da Lava Jato está
fora do país? Se sim, como se daria isso?
Não
há cérebro. Há interesses estrangeiros e nacionais que convergem. Como
apontei, os vínculos do juiz Sérgio Moro e do procurador-geral Rodrigo
Janot com os Estados Unidos são notórios. E, desde 2002, existe um
acordo informal de cooperação entre procuradores e polícias federais não
só do Brasil, mas também de outros países, com o FBI, para investigar o
crime organizado. E daí que, provavelmente, a informação através da
espionagem eletrônica do NSA, sobre a corrupção por grupos organizados
dentro da Petrobras, favorecendo políticos, chegou à Polícia Federal e
ao juiz Sérgio Moro. A delação premiada é similar a um método fascista.
Isso faz lembrar a Gestapo ou os processos de Moscou, ao tempo de
Stálin, com acusações fabricadas pela GPU (serviço secreto). E é
incrível que, no Brasil, um juiz determine, a polícia faça prisões
arbitrárias, ilegais, sem que os indivíduos tenham culpa judicialmente
comprovada, um procurador ameace processá-los se não delatarem supostos
crimes de outrem, e assim, impondo o terror e medo, obtêm uma delação em
troca de uma possível penalidade menor ou outro prêmio. Não entendo
como se permitiu e se permite que a Polícia Federal, que
reconhecidamente recebe recursos da CIA e da DEA, atue de tal maneira,
ao arbítrio de um juiz de 1ª Instância ou de um procurador, que nenhuma
autoridade pode ter fora de sua jurisdição, conluiados com a mídia
corporativa, em busca de escândalos para atender aos seus interesses
comerciais. A quem servem? Combater a corrupção é certo, mas o que estão
a fazer é destruir a economia e a imagem do Brasil no exterior. E em
meio à desestruturação da Petrobras, das empresas de construção e a
cadeia produtiva de equipamentos, com o da “lawfare”,
da guerra jurídica, com a cumplicidade da mídia e de um Congresso quase
todo corrompido. O bando do PMDB-PSDB apossou-se do governo, com o
programa previamente preparado para atender aos interesses do sistema
financeiro, corporações internacionais e outros políticos estrangeiros.
O
economista Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC, afirma, na apresentação
de A Desordem Mundial, que os EUA, segundo a tese do senhor, passaram
por um processo de democracia para a oligarquia. Que paralelo se pode
fazer com o Brasil nesse sentido, tomando como base as últimas três
décadas? O sr. acredita que passamos brevemente por um momento de
democracia e agora voltamos à ditadura do capital financeiro/oligarquia?
Em
livro, professor disseca poder dos EUA na “exportação” de democracias
para o mundo Moniz Bandeira – Michel Temer, que se assenhoreou da
presidência da república, não governa. É um boneco de engonço. Quem dita
o que ele deve fazer é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como
representante do sistema financeiro internacional. E seu propósito é
jogar o peso da crise sobre os assalariados, para atender à soi-disant, “confiança
do mercado”, isto é, favorecer os rendimentos do capital financeiro,
especulativo, investido no Brasil, e de uma ínfima camada da população
– cerca de 46 bilionários e 10.300 multimilionários.
O
senhor afirma que onde quer que os EUA entrem com o objetivo de
estabelecer a democracia, eles entram na verdade por interesses
políticos e econômicos. É esse o caso da aproximação dos
norte-americanos com Cuba? Fidel Castro é um dos que compartilhavam
dessa visão de interesse.
Sim,
havia forte pressão de empresários americanos para o restabelecimento
de relações com Cuba, por causa de seus interesses comerciais. Estavam a
perder grandes oportunidades de negócios e investimentos devido ao
embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba desde fins de
1960, portanto mais de 50 anos, sem produzir a queda do regime
instituído pela revolução comandada por Fidel Castro. Era um embargo de
certa forma inócuo, uma vez que outros países, como o Brasil, estavam a
investir e fazer negócios com Cuba. A construção do complexo-industrial
de Mariel, pela Odebrecht, com equipamento produzidos pela indústria
brasileira e o apoio do governo do presidente Lula, contribuíram,
possivelmente, para a decisão do presidente Barack Obama de normalizar
as relações Cuba. Essa Zona Especial de Desarrollo de Mariel (ZEDM), 45
quilômetros a oeste de Havana, tende a atrair investimentos
estrangeiros, com fins de exportação, bem como opção para o transbordo
de contêineres, a partir da ampliação do Canal do Panamá, ao permitir a
atracagem dos grandes e modernos navios de transporte interoceânicos.
Tenho um livro sobre as relações dos Estados Unidos com Cuba (De Martí a Fidel – A Revolução Cubana e a América Latina).
O
processo de apoio financeiro de instituições políticas às religiões
cristãs de direita, tal como o senhor descreve ao tratar do governo
Bush, se assemelha de alguma forma ao contexto do Brasil, levando-se em
conta o crescimento da bancada evangélica no Congresso Nacional e a
conquista de cargos do Poder Executivo por representantes da Igreja?
Sim,
o processo é secreto. Ocorre através de ONGs, muitas das quais são
financiadas pela USAID, National Endowment for Democracy, conforme
demonstro emA Segunda Guerra Fria e A desordem mundial,
bem como através de outras agências semi-oficiais e privadas. Essas
igrejas também coletam muito dinheiro dos crentes, acumulam fortunas. E
as bancadas de deputados recebem dinheiro de empresas não nacionais, mas
de grandes empresas estrangeiras, muitas das quais apresentam no Brasil
balanços com prejuízos, conquanto realizem seus lucros nas Bahamas e em
outros paraísos fiscais. Tais empresas multinacionais não foram
investigadas pelo juiz Sérgio Moro, o procurador-geral Rodrigo Janot e a
força-tarefa da Operação Lava-Jato et caterva. A quem eles servem?
Racine, o dramaturgo francês, escreveu que “não há segredo que o tempo
não revele”. Não sabemos exatamente agora, porém podemos imaginar.
Entrevista feita pelo jornalistaEduardo Miranda.
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