sábado, 31 de dezembro de 2016

Harlem, Soweto, São Paulo. O mundo é um grande gueto.

 Marcos Rezende*

Semana passada ao caminhar para a sede do Coletivo de Entidades Negras (CEN) no Pelourinho observei um senhor de idade sentado aos pés de um monumento em frente à delegacia de proteção ao turista e como o sol estava muito forte imaginei que ele poderia estar passando mal e ofereci ajuda. Ele me respondeu que não precisava de nada, nem de ajuda, nem água, nem almoço e disse que estava apenas descansando mas me agradeceu pela preocupação.
Resolvi seguir adiante e foi nesse momento que ele me chamou de volta e disse: jovem (pura generosidade de um senhor que visivelmente beirava os 70 anos), obrigado por se preocupar comigo viu, sempre faça isso com as pessoas. Eu sorri por dentro e segui adiante.
Aquela cena ficou na minha cabeça e hoje à conecto com as pessoas que passavam na estação de metrô em São Paulo e viam o corpo de "Índio" estendido no chão e nada faziam.
Não sou melhor e nem pior do que aquelas pessoas e mesmo com o passar dos dias ainda me dói e revolta tamanha apatia diante de um ser humano literalmente estendido no chão.
Verdade que esse corpo era negro, corpo de vestes simples, camisa de batalhador, calça surrada do dia a dia. Era um "coroa" negro estendido no chão, talvez se fosse um jovem negro teria sido tratado como marginal, mas sendo um coroa negro na noite de natal talvez tivesse aquele corpo sendo visto como um bêbado, mais um negro embriagado nas ruas.
Assim vivemos nós negros, presos aos nossos corpos, essa prisão silenciosa de descaso e abandono. Seguimos adiante de sol a sol e de déu em déu com a nossa jornada diária, sem grades, sem ter cometido crimes, mas com a absoluta certeza do que representa "aquele" olhar distante como os das pessoas que estavam ali naquela estação de metrô em São Paulo.
É o olhar similar ao do julgamento feito durante séculos, o olhar de perseguição a se entranhar nas nossas carnes inquisitorialmente.
No entanto nós sabemos que no geral vocês nos olham mas não nos vêem, ou melhor, nós sabemos o que somos, quem somos e quantos somos.
Também sabemos que seja nas universidades, nos aviões, nos shoppings, no carro ao lado parado na sinaleira ou nos prédios chiques dos bairros elegantes estamos cada vez mais perto, daí podem ter certeza, é tão somente uma questão de tempo até vocês nos enxergarem na nossa plenitude.
* Marcos Rezende é Coordenador Geral do CEN

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