*José Álvaro
de Lima Cardoso
Várias
das medidas do governo interino ameaçam as bases do pacto definido pela
Constituição de 1988 e a própria ideia de Estado Nacional que, com altos e
baixos, vem sendo erigido desde a Era Vargas. Entre os eixos das medidas
anunciadas até aqui se destacam a redução do tamanho do Estado e as ameaças à
soberania do Brasil. Tanto as medidas encaminhadas, quanto as declarações dos
ministros do governo interino, revelam que a intenção é fragilizar o Estado
nacional e atrelar o Brasil ao projeto comandado pelos Estados Unidos. O mais
grave é que tais medidas surgem num contexto de crise internacional, no qual há
uma acirrada disputa entre os setores da burguesia pela apropriação de valor, o
que significa, inclusive a destruição de estados nacionais, como nos casos do
Iraque, Síria e Líbia.
Soberania nacional pressupõe definição
democrática de quanto gastar ou investir, e em quais setores. Várias medidas encaminhadas pelo novo governo
apontam o desmonte de estruturas estatais fundamentais. Tudo que é
estatal é tratado como problema, que deve ser reduzido ou eliminado. Gastos
públicos, direitos constitucionais, estatais, são considerados obstáculos ao
progresso e ao bom funcionamento do mercado. Impedir o Estado nacional de
gastar em áreas públicas, de interesse da nação, ou em questões estratégicas de
defesa do país ou de seu povo, significa enfraquecer a soberania nacional.
A PEC
241, atualmente tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados, que congela em termos reais o gasto público por 20 anos, vem neste
contexto de diminuição do tamanho do Estado na economia. Com a provável
aprovação da referida PEC as despesas públicas deverão decrescer a sua
participação relativa no PIB, sempre que houver crescimento econômico. O Estado
entraria em nova rota de decrescimento em relação à economia nacional. Como se
poderia esperar, a PEC trata somente das despesas primárias, ou seja, exclui os
gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública,
verdadeira razão do déficit público.
No
recente acordo de alongamento das dívidas estaduais, oficializado no dia 20 de
junho, ficou acertado que os estados irão suspender o pagamento de suas dívidas
até o final deste ano e as dívidas foram alongadas para pagamento em 20 anos.
Como contrapartida da negociação, os estados foram incluídos na PEC 241/2016, o
que significa disponibilizar todos os seus ativos públicos para privatização. O
governo editou, ainda no dia 12/05, primeiro dia de sua gestão, a Medida
Provisória 727, da qual pouca se fala, que praticamente retoma o processo de
privatização dos anos de 1990, e abre a possibilidade de venda de todas as
empresas controladas pela União e estados.
A
proposta de privatização do patrimônio público ressurge em uma conjuntura em
que os ativos públicos estão bastante depreciados. Ademais, conforme destacou o
respeitado Clube de Engenharia, a Medida representa um cheque em branco,
através do qual a sociedade aceita ser destituída de titularidade e direitos sobre
recursos naturais e humanos da Nação brasileira. Se fala em privatizar o “tudo
o que for possível”, mas como o processo político atual visa transferir o ônus
da crise para o povo, o alvo central dos especuladores são as joias da coroa:
Caixa Econômica Federal, Eletrobrás, Banco do Brasil e, principalmente,
Petrobrás. A MP foi publicada praticamente em sigilo e pode ir a plenário para
ser votada em regime de urgência.
O
processo de enfraquecimento do Estado brasileiro passa por sangrar a Petrobrás,
em função da grandeza da empresa. Está para ser votado o PL 4.567/2016, que
retira da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal e acaba com a
participação mínima de 30% nos campos licitados, como prevê o regime de
Partilha. Se o projeto for aprovado na Câmara e sancionado pelo presidente
interino, a Petrobrás deixa de ser a operadora única do pré-sal, conforme a
Lei, passando a ser uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) a concessão da preferência à empresa, assim como a participação mínima
de 30% do investimento em cada campo explorado. A aprovação do projeto cumpre
um objetivo central do processo de impeachment que é escancarar a exploração do
pré-sal para as empresas estrangeiras. O projeto possibilita que, na prática,
qualquer campo do pré-sal possa vir a ser explorado com 100% de participação
estrangeira e zero de presença da estatal brasileira. Os petroleiros, com razão, estão chamando este
projeto de crime de lesa pátria.
No dia 21
de junho a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 714/16, que aumenta
para até 100% a participação do capital estrangeiro com direito a voto nas
companhias aéreas nacionais. A desculpa é que, sem capital estrangeiro, as
empresas aéreas vão quebrar. A direção da companhia também poderá ser exercida
por estrangeiros, situação vedada anteriormente pelo Código Brasileiro de
Aeronáutica (Lei 7.565/86). Havia estudos para autorizar até 49%, podendo
chegar a 100% se houvesse reciprocidade, mudou-se para 100%, sem se exigir
contrapartidas. Estão no Congresso uma proposta de emenda Constitucional (PEC
122/07, do deputado federal Alfredo Kaefer e a PEC nº 41/2011, do deputado
Carlos Sampaio, que propõem o fim do monopólio da União na construção e
operação de reatores nucleares para geração de energia elétrica. Segundo o
conceituado engenheiro Paulo Metri, do Conselho de Engenharia, esta PEC,
permitirá a entrada de empresas estrangeiras na geração núcleo elétrica no
país, retirando soberania energética, empregos e tecnologia do Brasil.
A intenção anunciada do governo interino com as
medidas, principalmente com as privatizações, é destinar o dinheiro economizado
para o pagamento dos juros e do principal da dívida pública. Mas o valor
patrimonial dessas empresas é diminuto em relação ao estoque da dívida da
União. E o pior é que, na pressa em entregar o patrimônio público ao capital
privado, o governo interino não estabeleceu nenhuma estratégia de valorização
dos ativos Pelo contrário, querem é entregar o patrimônio público “na bacia das
almas”, aproveitando o baixo preço, em função da recessão. Os brasileiros de
boa memória sabem o que representa a associação das privatizações com
eficiência, modernidade e benefícios aos usuários. O tempo mostrou que esse era
um discurso falacioso. Ironicamente, o recente pedido de liquidação
extrajudicial da Oi, que deve aos seus credores a fábula de R$ 65 bilhões,
desmascarou esse discurso demagógico.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE
em SC.
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