Íntegra da entrevista do coordenador da FUP, José Maria Rangel, ao portal Brasil 247. Extraído do blog O Cafezinho.
Para quem acredita na lenda de que a Petrobras encontra-se à beira de
um abismo sem salvação, o mês de junho de 2016 encerrou-se com uma
notícia surpreendente.
Funcionário concursado, Zé Maria entrou na empresa em 1985, quando
a meta fixada consistia em atingir a produção de 500 000 barris diários
-- menos de um terço daquilo que foi obtido em junho de 2016.
Por dez anos Zé Maria esteve à frente do Sindicato dos Petroleiros no
Norte Fluminense, onde se encontra a maior área de produção de petróleo
do país. Entre 2013 e 2014, foi membro do Conselho de Administração da
empresa, eleito pelos trabalhadores. Hoje, faz parte do Conselho de
Desenvolvimento Social e Econômico, criado por Lula e reconstruído por
Dilma numa tentativa de articular o crescimento com base num diálogo
permanente entre o governo.
BRASIL 247-- Dias atrás, uma Comissão Especial aprovou, por
22 votos a favor e apenas 5 contrários, o projeto que retira a
obrigatoriedade da participação da Petrobras no Pré-Sal. Em breve, o
projeto será enviado para em plenário. Não é estranho isso ter
acontecido as vésperas da divulgação de resultados tão bons, que
contrariam diretamente a teoria de que a Petrobras não tem condições de
explorar o pré-Sal como tem feito até hoje?
ZÉ MARIA -- Só é surpreendente para quem acredita que o país está
fazendo um debate político serio, bem explicado e bem argumentado, sobre
a Petrobras. O simples placar da comissão mostra que não é assim. Num
país que descobriu a maior província de petróleo do mundo, não há
argumento que explique uma votação de 22 a 5. Não houve discussão ali.
Este placar é a conta do golpe. Não há argumento nem número para fazer
essas pessoas mudarem de opinião. Uma das causas fundamentais para o
pedido de impeachment era justamente a mudança no regime da Petrobras,
como mostram conversas do atual ministro José Serra com diplomatas
norte-americanos, divulgadas pelo Wikileaks, e que nunca foram
desmentidas. É isso que estamos vendo.
247 -- Você vê algum ponto positivo nessa mudança?
ZÉ MARIA -- Nenhum. Neste momento, o país encontra-se em posição
confortável em relação a produção de petróleo. Tem reservas comprovadas
para os próximos 14 anos, situação que não exige investimentos urgentes
para ampliar a exploração. Além disso, vivemos uma época de baixa no
mercado. Toda concessão, agora, será feita numa situação desfavorável a
nós, que somos a parte vendedora, e favorável aos investidores
estrangeiros, que são os compradores. Com o barril a U$ 50, você não faz
leilão. Faz doação. Por essa razão, dois leilões recentes, no México e
no Brasil, fracassaram.
247 -- Como você define o momento atual da Petrobras?
ZÉ MARIA -- Nós temos um declínio acima da média nos campos que
chamamos de maduros. Nessa situação, o campo de produção tem em média
um declínio de 10 % ao ano. Mas em 2015 os nossos campos maduros
registraram uma queda de 15%. Por isso penso que seria a hora de
investir na produção do Pré-sal , para repor com sobras essas perdas.
Mas eu acho que o governo precisa investir através da Petrobras e não
abrir para as multis. A Lei da Partilha é jovem e ainda não foi testada.
Foi promulgada em 2010 , o Leilão de Libra foi em 2013 , os testes de
longa duração serão em 2017 e a produção definitiva só em 2020. Num
setor como o do petróleo, nada acontece da noite para dia. Quando os
adversários da Petrobras falam que as multinacionais vão investir, estão
dizendo uma falácia. Elas querem acumular mais reservas em seu
portfólio, apenas isso. As reservas que temos hoje não incluem ainda o
pré-Sal , que só será computado após os testes de longa duração .
247 -- Um dos deputados favoráveis ao projeto declarou que a
mudança pode fazer bem a Petrobras, que hoje enfrenta problemas de
imagem...
ZÉ MARIA -- Concordo que a Petrobras tem um problema de imagem
distorcida, aos olhos da população. Só que o problema não está nas
regras do pré-sal, que até hoje não foram debatidas com seriedade. O
problema está na blindagem da mídia, assumidamente golpista, que sempre
escondeu resultados operacionais, evitando que a população tomasse
conhecimento dos avanços obtidos. A Petrobras deu saltos imensos ao
longo de sua história, em particular na última década, mas a mídia
publicava denúncia, só denuncia. A tal ponto que durante sua gestão (o
presidente) Sérgio Gabrielli foi obrigado a criar um blogue, Fatos e
Dados, para noticiar informações que os jornais não publicavam. A
preocupação era essa: informar corretamente, com dados corretos e
confiáveis. O que aconteceu? Disseram que ele estava querendo interferir
no trabalho dos jornalistas.
247 -- Quais progressos que os jornais e tele jornais esconderam?
ZÉ MARIA -- A grande mídia sempre assumiu as teses que interessavam
aos adversários da Petrobras. No início, dizia que o país não tinha
petróleo. Depois, que não tinha recursos para sustentar a produção
própria. Quando o pré-sal foi encontrado, dizia que não havia tecnologia
para que fosse trazido à superfície a um preço competitivo. O que se
tenta esconder, sempre, é um progresso inegável.
247 -- É possível mostrar isso em números?
ZÉ MARIA -- Não vamos falar das primeiras descobertas, nem de casos
muito importantes, como a Bacia de Campos e o Campo de Garoupa. Também
não vamos lembrar episódios como o afundamento da P-36, dos vazamentos
na Baia de Guanabara e no Rio Iguaçu, no Paraná. São sintomas claros de
uma empresa que estava sendo sucateada, num processo destinado a
facilitar sua privatização. Basta comparar a empresa que foi recebida
pelo governo Lula com aquela que chegou a nossos dias. Em 2002, a
Petrobrás tinha 33 000 empregados. Em 2013, 85 000. Os investimentos em
pesquisa ficavam em US$ 110 milhões. Chegaram a US$ 1,1 bilhão. O lucro
líquido foi de R$ 8,1 bilhões em 2002. Em 2013, de US$ 23,5 bilhões.
Nós tínhamos 11 bilhões de barris em reservas. Hoje, são 16,5 bilhões.
Se você somar o pré-sal, chega a 64 bilhões. A industria naval tinha
2000 empregados em 2002. Chegou a 90 000 em 2013. É como se, a partir de
2003, tivessem sido criados 13 empregos por dia no setor, todos os
dias.
A realidade é que o Brasil virou o jogo após um período trágico. O
valor de mercado da da empresa era de R$ 54 bilhões. Em 2013, chegou a
R$ 289,5 bilhões. Hoje, depois de um massacre que dura mais de dois
anos, encontra-se em R$ 134 bilhões.
247 -- Mas o endividamento é alto.
ZÉ MARIA -- Primeiro, é bom reconhecer que, em 60 anos de existência,
a empresa só recebeu grau de investimento durante o governo Lula. Não é
qualquer coisa. Por isso, quando a Petrobras foi ao mercado,
recentemente, para buscar US$ 5 bi, voltou com US$ 6 bi e recebeu um
sinal de que poderia levantar US$ 15 bi se quisesse. Alguém investe
tudo isso numa empresa quebrada? Temos uma dívida alta sim , mas fruto
de vários investimentos que já estão dando retorno, permitindo a
produção de um milhão de barris por dia apenas no pré-sal, sem falar na
contratação de plataformas , navios , linhas , mão de obra própria e
terceira e outros investimentos. Outras empresas levaram pelo menos 15
anos para atingir essa marca. Nós construímos uma refinaria depois de
30 anos , uma malha de gasodutos , reativamos o setor de engenharia.
247 -- Qual a razão das dificuldades, então?
ZÉ MARIA -- O que a grande mídia e os analistas -- verdadeiros
entreguistas, vamos falar a coisa com clareza -- não dizem é que todas
as operadoras estão passando por apuros em virtude da queda brutal que
sofreu o preço do barril de petróleo despencando de U$ 140 para até U$
28 , hoje se encontra em U$ 50.
247 -- Qual a importância das denúncias de corrupção?
ZÉ MARIA -- Todos os brasileiros, funcionários ou não da Petrobras,
são vítimas da safadeza de quem roubou a empresa. Vários delatores já
confirmaram a existência de esquemas que assolavam a Petrobras desde
1997, pelo menos. A pauta da corrupção sempre foi nossa. Há muito tempo
defendemos que se faça uma apuração rigorosa sobre todo fato denunciado,
assegurando amplo direito de defesa aos acusados e obrigando os
condenados a pagar pelo que fizeram. Este sempre foi o ponto de vista
dos trabalhadores e funcionários.
247 -- Como avaliar a Lava Jato, então?
ZÉ MARIA -- Para a população, o que ela trouxe de prático até agora?
Redução do PIB de 3,8% , desemprego na ordem de 1 milhão de pessoas. As
grandes construtoras do país estão em frangalhos. Já estamos mandando
obras para fora do país, como os módulos de produção das plataformas da
Cessão Onerosa. O chamado maior escândalo de corrupção no país não
recuperou quase nada para os cofres públicos. Os delatores estão em suas
mansões confortáveis com uma tornozeleira na canela , gastando grande
parte do que roubaram.
247 -- O que está errado?
ZÉ MARIA -- Queremos a punição dos CPFs e não dos CNPJs das
empresas, porque isso prejudica a vida dos trabalhadores e suas
famílias, que não tem a menor responsabilidade pelos abusos. Na grande
crise de 2008, nos Estados Unidos, os executivos foram punidos. Não as
empresas.
Basta ouvir os discursos no Congresso para compreender que, no Brasil
de hoje, a corrupção está sendo usada como cortina de fumaça para
entregar o Pré Sal, desmontar a Petrobrás e acelerar as privatizações em
todos os níveis, passando a imagem de que tudo que é público é
corrupto. A verdade é outra. A Volks acaba de ser punida em U$ 12 bi por
fraude na emissão de poluentes. A Vale foi multada por corrupção nas
barragens de Mariana. Todas as empresas envolvidas na Lava Jato são
privadas e operam há a anos no Brasil e no exterior. A corrupção faz
parte do regime capitalista e cabe a nós encontrarmos mecanismos para
acabar com ela mas sem sacrificar o padrão de vida de quem precisa do
trabalho para viver.
247 -- Num discurso neste fim de semana, você disse que era
preciso ter claro que a luta contra o decreto 4567/16, que muda o
pré-sal, não poderá ser vitoriosa caso venha a permanecer como um
combate apenas dos petroleiros. Poderia desenvolver melhor essa ideia?
ZÉ MARIA -- - Temos que reviver a Campanha "O Petróleo é nosso".
Aquela campanha foi vitoriosa, transformando-se numa das grandes
mobilizações populares de nossa historia, porque mostrou aos brasileiros
e às brasileiras que o petróleo é não é uma riqueza que vai beneficiar
um grupo de trabalhadores, um governo, ou alguns empresários, mas pode
levar o progresso para um país inteiro. Permite melhorias na saúde e na
educação. Gera emprego e renda em setores que aparentemente nada tem a
ver com petróleo. Gera conhecimento. Mas é evidente que os benefícios
que o Pré-Sal é capaz de gerar dependem, em sua maior parte, do modelo
de exploração. Nosso regime é de partilha, que é o mais conveniente em
áreas nas quais a existência do petróleo já é conhecida e o risco
exploratório é baixo, como acontece no pré-sal. Por essa razão o óleo é
propriedade do Estado e vence o leilão quem der o maior retorno ao
Estado. Em nosso caso, a Petrobras é operadora única e tem no mínimo 30%
de todos os campos.
247 -- Por que isso?
ZÉ MARIA -- Ser operadora única , proporciona ao Estado ditar o
ritmo de produção ao seu interesse, evitar exploração predatória ,
desenvolver a indústria nacional gerando empregos no país, manter sempre
atualizada a nossa tecnologia de desenvolvimento dos campos o que
proporciona a redução dos custos de extração e consequentemente dando
para o Estado mais retorno financeiro e por fim qual empresa de Petróleo
não quer ter 30% no mínimo de cada campo no Pré Sal? Alguém pode achar
isso ruim, prejudicial?
247 -- Como você avalia o início da gestão de Pedro Parente na presidência da empresa?
ZÉ MARIA -- As primeiras falas do Pedro Parente já dizem a que ele
veio. Primeiro disse que a Petrobrás não precisa de aporte do Governo. É
uma visão que colide com o que o Grupo de Trabalho criado fruto da
nossa greve de 2015 detectou: sem ajuda do Governo, acionista
majoritário, toda a solução para os problemas da Petrobras será bem mais
difícil, passando necessariamente pela venda de ativos (segunda
afirmação dele) e a mudança na Lei da Partilha. Em relação as vendas de
ativos, cabe ressaltar que devido a retração dos investimentos no setor,
as operadoras estão colocando cerca de U$ 1 trilhão no mercado. Por
isso, quem vender petróleo vai receber a preço de banana em final de
feira. No caso da Petrobras o que o senhor Pedro Parente quer é quebrar a
empresa integrada, do poço ao poste, que todo mundo já comprovou que
torna a Cia mais rentável. Na mais infeliz de todas as declarações, ele
afirma que a Lei da Partilha deve ser modificada. Segundo estudos do
Instituto de Óleo e Gás da UERJ, o Pré-Sal tem reservas de 176 bilhões
de barris de Petróleo. Vamos supor que a Petrobras entre com apenas os
30%, que a Lei lhe garante, em todos os blocos. Neste caso, estamos
falando em reservas de 53 bilhões de barris. Qual empresa abre mão
disso? Só a Petrobrás de Parente. Notem que ainda sobra para a
iniciativa privada , 70% , ou 123 bilhões de barris. Parece que isso é
pouco, não serve. Querem tudo. O preço é acabar com a Petrobrás, com
nosso conhecimento, com nossa indústria, para que o Brasil volte a ser
dependente como antes.
Fonte: Brasil 247
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