O Estado de S.Paulo, 18 jul 16
O empresário Laodse de Abreu Duarte, um dos diretores da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é o maior devedor da
União entre as pessoas físicas. Sua dívida é maior do que a dos governos da
Bahia, de Pernambuco e de outros 16 Estados individualmente: R$ 6,9 bilhões.
Laodse – que já foi condenado à prisão por crime contra a ordem tributária, mas
recorreu – é um dos milhares de integrantes do cadastro da dívida ativa da
União, que concentra débitos de difícil recuperação. Além de Laodse, aparecem no
topo do ranking dos devedores pessoas físicas dois de seus irmãos: Luiz Lian e
Luce Cleo, com dívidas superiores a R$ 6,6 bilhões.
No caso desses três irmãos, quase a totalidade do valor
atribuído a cada um diz respeito a uma mesma dívida, já que eles eram gestores
de um mesmo grupo empresarial familiar que está sendo cobrado pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A soma dos valores devidos por empresas
e pessoas para o governo federal ultrapassou recentemente R$ 1 trilhão. São
milhões de devedores, mas uma pequena elite domina o topo desse indesejável
ranking: os 13,5 mil que devem mais de R$ 15 milhões são responsáveis, juntos,
por uma dívida de R$ 812 bilhões aos cofres federais – mais de três quartos do
total devido à União.
O débito desses maiores devedores representa cinco vezes o
buraco total no Orçamento federal previsto para 2016. Nesse grupo – que exclui
dívidas do estoque previdenciário, do FGTS e dos casos em que há suspensão da
cobrança por determinação judicial – estão desde empresas quebradas, como a
Varig e a Vasp, mas também motores do PIB nacional, como a Vale, a Carital
Brasil (antiga Parmalat) e até a estatal Petrobrás. Mas como pessoas físicas
chegam a dever tanto ao Fisco? A explicação é que os integrantes da família
Abreu Duarte foram incluídos como corresponsáveis em um processo tributário que
envolveu uma de suas empresas, a Duagro – que deve, no total, R$ 6,84 bilhões ao
governo.
Segundo a Fazenda, a empresa realizou supostas operações de
compra e venda de títulos da Argentina e dos Estados Unidos sem pagar os devidos
tributos entre 1999 e 2002. Denúncia do Ministério Público apontou que a Duagro
"fraudou a fiscalização tributária." Para o MP, há dúvida sobre a real
existência dos títulos negociados, já que alguns não foram lançados nas datas
registradas na contabilidade.
A Procuradoria suspeita que a empresa tenha servido como
"laranja" em "um esquema de sonegação ainda maior, envolvendo dezenas de outras
renomadas e grandes empresas, cujo valor somente poderá vir a ser recuperado, em
tese, se houver um grande estudo do núcleo central do esquema". Segundo o site
da Fiesp, Laodse é um dos atuais 86 diretores da entidade, sem
especificação.
Ele também integra o Conselho Superior do
Agronegócio da federação e preside o Sindicato da Indústria de Óleos Vegetais e
seus derivados em São Paulo. Offshore. Um quarto irmão de Laodse aparece na
lista de devedores da União com débitos de R$ 3 milhões e também é dono de
offshore em paraíso fiscal, segundo os Panamá Papers. Lívio Canuto de Abreu
Duarte foi sócio da Oil Midwest LTD, empresa registrada nas Ilhas Virgens
Britânicas pela firma panamenha Mossack Fonseca.
Laodse foi citado em casos do mensalão e do Banestado
Além do título da pessoa física com mais débitos com a União,
o empresário Laodse de Abreu Duarte aparece em escândalos de repercussão
nacional. Um dos inquéritos sobre o esquema do mensalão indica que o esquema
montado pelo empresário Marcos Valério de Souza fez sete pagamentos a uma
empresa de comércio e exportação de grãos ligada a Abreu Duarte. Em 2003, o
empresário foi condenado a cinco anos de prisão – pena que foi posteriormente
convertida a prisão domiciliar – após ser acusado pelo Ministério Público de
participar de suposto esquema de falsificação de operações de exportação de
soja, com valor superior a US$ 60 milhões.
Laodse também foi indiciado pela CPI do Banestado, em 2004.
Em 2006, o Ministério da Justiça pediu aos Estados Unidos colaboração para
investigar a suspeita de lavagem de dinheiro e crimes financeiros envolvendo o
empresário, João Francisco Daniel (irmão do ex-prefeito de Santo André Celso
Daniel) e Geraldo Rondon da Rocha Azevedo. O inquérito foi arquivado em 2010.
/
Firma ‘nunca se prestou’ a sonegação, diz
empresário-
Procurado pela reportagem, o empresário Laodse de Abreu
Duarte informou, por e-mail, que sua condenação por crime contra a ordem
tributária ainda não foi julgada em segunda instância, "o que torna precipitado
qualquer conclusão ou juízo". Ele disse ainda que a Duagro "nunca se prestou" ao
suposto esquema de sonegação fiscal descrito pela Procuradoria. O empresário
afirmou também não ter nenhum tipo de ligação com os casos do mensalão e do
Banestado. "Não mantive relação comercial ou pessoal com os mencionados e não
respondo a processo ou procedimentos que tenham ligações ou relacionados a
estes", escreveu. Ele negou ainda ter "relação de qualquer espécie" com João
Francisco Daniel e Geraldo Rondon da Rocha Azevedo e disse que o Judiciário
ainda analisa recurso à sua condenação pelas operações de exportação de
soja.
O advogado Fabrício Henrique de Souza, que representa a
família, informou que as dívidas que aparecem no nome dos três irmãos resultam
de "questionamentos da Receita Federal por operações mercantis realizadas" e que
elas ainda estão sendo questionadas judicialmente. Já o advogado de Lívio Canuto
de Abreu Duarte, Ademir Sica, disse que as cobranças da União são indevidas, já
que Lívio saiu da direção das empresas familiares em 1997. Ele não quis comentar
sobre a existência da offshore e desconhecia se ela foi declarada às autoridades
brasileiras. Procurada, a Fiesp não se pronunciou.
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