Lava Jato atiça a “tiragem” na caçada ao Lula
Ricardo Amaral
Nos últimos dez dias, Globo, Folha e Estadão republicaram antigos
vazamentos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula. Notícias velhas
foram requentadas e servidas como carne fresca a quem perdeu a memória
dos desmentidos: uma sede do Instituto Lula que nunca existiu, uma
rodovia na África e o acervo que Lula tem de guardar por força da lei.
Isso se chama publicidade opressiva, violência inerente ao estado de
exceção e essencial aos “julgamentos pela mídia”.
Não pode
ser coincidência. A ofensiva dos vazadores e seus repórteres amestrados
segue-se à ação da defesa de Lula, que levantou a suspeição de Sérgio
Moro para julgá-lo, por perda da imparcialidade. Essa é a notícia nova
do caso, que a imprensa brasileira escondeu. Deu no New York Times, mas
não saiu no Jornal Nacional.
A ação aponta 12 afirmações de
Moro antecipando a decisão prévia de condenar Lula. Registra os abusos
que ele cometeu – da condução coercitiva sem base legal à divulgação
criminosa de grampos telefônicos. No estado de direito, Moro deveria
declinar do caso para outro juiz, isento, imparcial, condição que ele
perdeu em relação a Lula.
O Datafolha também ajuda a
entender a ofensiva. Só Lula cresceu. Tem um terço dos votos válidos no
primeiro turno e mais de 40% no segundo, contra os três tucanos e a
insustentável Marina. Só perde, hoje, para o antipetismo; e debaixo de
uma campanha de difamação sem precedentes.
É preciso acabar
com Lula, fazer sua caveira, antes que ele tenha chance de voltar pelo
voto. E antes que sua defesa desmoralize a Lava Jato. Tem de bater na
cabeça da jararaca. Mas como, se não há crime para acusá-lo? Se há só
pedalinhos, obras de alvenaria, propriedades imaginárias, palestras
profissionais, presentes de governos estrangeiros.
Desde a
reeleição de Dilma (aliás, por isso mesmo), Lula, seus filhos, sua
empresa de palestras e o Instituto Lula tornaram-se alvos de 9
inquéritos do Ministério Público e da Polícia Federal, 3 proposições de
ação de penal, 2 fiscalizações da Receita e 38 mandados de busca.
Quebraram e vazaram seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.
Numa afronta à Constituição e a princípios universais do Direito,
adotados pelo Brasil em tratados internacionais, Lula é investigado
pelos mesmos fatos em inquéritos simultâneos: da Procuradoria-Geral da
República, de procuradores regionais do Paraná e Brasília e de
promotores do Estado de São Paulo. É tiro-ao-alvo.
Essa
verdadeira devassa – insisto: sem precedentes no Brasil – não encontrou
nenhum depósito suspeito, conta no exterior, empresa de fachada ou
contrato de gaveta; nenhum centavo sonegado, nenhuma conversa de
bandido. Nada que associe Lula direta ou indiretamente aos desvios na
Petrobras investigados na Lava Jato ou qualquer ilegalidade.
Nem mesmo os réus delatores, que negociam acusações sem provas em troca
de liberdade e (muito) dinheiro, apontaram fatos concretos contra Lula.
No máximo, ilações, do tipo “ele devia saber”, conduzindo à esfarrapada
tese do domínio do fato. No estado de exceção midiática, apela-se à
tese da obstrução da justiça (o maldito direito de defesa), a partir do
pré-julgamento de grampos ilegais.
O fato é que a Lava Jato
e a Procuradoria-Geral da República não têm como entregar – na só-base
da prova, da lei e do direito – a mercadoria esperada desde sempre por
seus patrocinadores: Lula na cadeia. Não em julgamento justo, com
policias e procuradores apartidários, juiz natural e imparcial,
tribunais fiscalizadores da primeira instância. Não no estado de direito
democrático.
Para tirar Lula do jogo, precisam
desesperadamente da cumplicidade dos meios de comunicação; a Rede Globo à
frente e o rebotalho dos impressos na retaguarda. Precisam promover um
julgamento pela mídia, com base na publicidade opressiva. Precisam
espalhar que Lula estaria metido “nessa coisa toda”; silenciar e até
intimidar quem duvide disso, para sancionar uma condenação sem prova.
Quem foi jornalista na ditadura tem amarga lembrança de colegas
que serviam à repressão (alguns em dupla jornada, como na Folha da
Tarde, da família Frias). Noticiavam assassinatos de presos como
“atropelamentos”, tratavam torturas como “rigorosas investigações”.
Faziam a caveira dos “subversivos”. Eram chamados jornalistas de
“tiragem” – a serviço dos “tiras”, é claro, não da verdade.
Recordo sem intenção de ofender os jornalistas “investigativos” de hoje
que comem na mão dos “investigadores” anônimos. Podem acreditar
sinceramente que contribuem para “combater a corrupção”. Ganham as
manchetes, mas abrem mão do jornalismo, que é a busca da verdade. Quando
a meganha pauta e o repórter obedece, cegamente, quem perde é a
notícia. E perde a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário