terça-feira, 19 de julho de 2016

O GOLPE DE 2016 DE NOVO: OS ARTICULADORES DO GOLPE DE 2016

Oswaldo Miqueluzzi

“... sempre que acontece algum avanço, do ponto de vista dos interesses populares e nacionais, segue-se um retrocesso institucional, político, social-econômico” (Roberto Requião).
Em relação ao Golpe de 1964, “do ponto de vista da articulação política estão ausentes os militares e a igreja católica, porém, os demais setores estão novamente em cena – os empresários (nacionais e internacionais), os latifundiários, a OAB, grandes jornais, TVs e federações patronais. Michel Temer é o novo Carlos Lacerda, com sede de chegar ao poder e o PMDB virou a antiga UDN” (Prudente José Silveira Mello).
Segundo Jessé Souza, “o golpe precisa do ‘bumbo’ tocado pela imprensa conservadora, do suporte da classe média e de um elemento constitucional para dar a aparência de legalidade à captura da soberania popular. Nos governos democráticos de Getúlio Vargas e João Goulart, esse elemento eram os militares, pois a Constituição previa a intervenção das Forças Armadas em caso de desordem. Essa gramática modernizou-se: não está ancorada mais na botina do general, mas na toga da lei. O elemento constitucional atual são as agências de controle, a Polícia Federal, os juízes justiceiros, postos para além do bem e do mal”.
Mino Carta enfatiza que “em 64 a casa-grande não mostrou a cara e chamou os gendarmes para executar o serviço sujo”. Em 2016, tirou a máscara, diz ele, e fez, simplesmente, o que bem entendeu, “conforme o figurino do barão medieval”.
Com efeito, em 2016, as entidades da classe patronal engajaram-se política e financeiramente ao golpe. Interessava e interessa a elas a reforma da previdência social, a diminuição de investimentos em educação, saúde e programas sociais do Governo Federal, a retirada de direitos dos trabalhadores (por exemplo, permitindo que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais). Como destacado por Nasser Allan, “reduzir ou extinguir direitos previstos em lei, constitui-se em verdadeira obsessão do empresariado brasileiro”.
A grande imprensa do país apoiou escancaradamente a destituição presidencial, “patrocinando a disseminação de todo e qualquer factoide possível para manter a sociedade absolutamente confusa diante dos fatos em apuração do Congresso”, misturando impeachment com Operação Lava Jato, que nada tem a ver um com o outro, tudo para robustecer “seu processo de manipulação de opinião pública”.
Cynara Menezes afirma que, “exatamente como em 1964, coube de novo à mídia hegemônica brasileira o papel vexaminoso de dar suporte a um governo que chegou ao poder sem passar pelas urnas. Enquanto veículos de comunicação do mundo inteiro questionam o processo pelo qual uma presidenta honesta foi arrancada do cargo, os daqui apenas se calam e trabalham diuturnamente para conferir legitimidade a um governo ilegítimo”.
Os parlamentos e os judiciários, sustenta Roberto Amaral, cumpriram “o papel que antes era atribuído às Forças Armadas, no caso vertente animados pela coalizão formada pela mídia, o grande capital, os partidos conservadores e o complexo Judiciário-Ministério Público-Polícia Federal”.
Jessé Souza lembra que, “de acordo com a conjuntura histórica, sempre que o Executivo está nas mãos do inimigo, imprensa e Congresso, comprados pelo dinheiro, se aliam a um quarto elemento que é o que suja as mãos de fato no golpe: as Forças Armadas antes, e o complexo jurídico-policial do Estado hoje em dia”.
Enquanto os parlamentares da Câmara, “comportando-se como líderes de múltiplas facções (de religiosos, de proprietários rurais, de industriais, de forças de segurança e várias outras) e não como representantes do povo” desconsideraram “inteiramente as exigências constitucionais para configuração de crime de responsabilidade”, o Supremo Tribunal Federal mostrou-se “acovardado, acuado, apático”, assistindo a um “político corrupto e amoral conduzir, sem uma gota de legitimidade, um golpe parlamentar contra a decisão soberana de mais de 54 milhões de brasileiros”, além de “omisso” à violação da Constituição.
Como assinalado por Giovanni Alves, “com a conivência ativa do STF, a maioria política de direita teve ‘sinal verde’ para encaminhar um processo de impeachment, espúrio no mérito, tendo em vista que não possui fundamentos jurídicos, na medida em que a Presidenta da República não cometeu crime de responsabilidade. Mais uma vez, como em 1964, o STF colaborou com o estupro da Constituição Federal que diz ser guardião”.
Para Márcio Tanembaum, “omitir-se em processo de análise de impeachment, que exige, segundo a Constituição Federal, a prova de crime de responsabilidade da Presidenta da República, é, no mínimo, o pior dos comportamentos, semelhante a Pilatos, que, ao lavar as mãos, enviou um inocente à morte”. Segundo Roberto Amaral, “não julgar é uma forma de julgar. Toda e qualquer demora do STF será registrada pela História como conivência”.
Jessé Souza destaca “a aliança entre endinheirados e moralistas de ocasião”, fortalecida “com um novo aliado: o aparato jurídico-policial do Estado”, construído pela Constituição de 1988, que “passa por mudanças expressivas desde então”, com “altos salários e demanda crescente por privilégios de todo tipo associados ao ‘sentimento de casta’ que os concursos dirigidos aos filhos das classes do privilégio ensejam”. Segundo ele, esses aparelhos “tudo controlam, mas não são controlados por ninguém”, transformando-se “em verdadeiros ‘partidos corporativos’ lutando por interesses próprios dentro do aparelho de Estado”, travestidos “em suposto ‘bem comum’”, onde “o troféu de ‘campeão da moralidade pública’ passa a ser disputado por todas as corporações e se estabelece um conluio entre elas e a imprensa, que os vazamentos seletivos cuidadosamente orquestrados comprovam tão bem”. Esse é, diz ele, “o elemento novo do velho golpe surrado de sempre. Ainda que o golpe tenha se dado no circo do Congresso em uma palhaçada denunciada por toda a imprensa internacional, sem o trabalho prévio dos justiceiros da ‘justiça seletiva’ ele não teria acontecido”.
Segundo Maria Inês Nassif, “a Justiça não evitou o golpe porque é parte do golpe. O Ministério Público não reagiu ao golpe porque era um dos conspiradores”.
Para Jessé Souza, “formalmente, o Judiciário tem todos os elementos que as Forças Armadas tinham. Não é eleito pelo povo, faz de conta que interpreta coisas que não têm a ver com a política e o jogo econômico e se põe acima do bem e do mal”, sendo que “o juiz justiceiro hoje em dia é o substituto do general entre nós”. O que dá sustentação ao golpe, segundo ele, “não é mais o militar, a metralhadora, é o aparato jurídico”.
De sua parte, o Conselho Federal da OAB, que em 2015 havia decidido pela não propositura de um pedido de impeachment contra a presidenta Dilma, “sob nova gestão, resolveu apresentar a peça”. Todavia, a iniciativa da OAB, no dizer de José Carlos Moreira da Silva Filho, foi tratada com “desprezo” e “insignificância” pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, “um dos mais destacados artífices do golpe de 2016” (José Carlos Moreira da Silva Filho).
A classe média, “historicamente idiota na política e liberal na visão de mundo”, segundo Giovanni Alves, foi seduzida pelo “Partido da Imprensa Golpista (PIG), tendo como vanguarda midiática a TV Globo”, que se utilizou “do discurso de combate sensacionalista à corrupção”.
Para Jessé Souza, a “ascensão dos setores populares via, antes de tudo, a valorização real do salário mínimo", desagradou às classes dos privilégios, pois “os mais pobres passaram a ocupar espaços antes exclusivos” delas. Segundo ele, “parte da classe média sofria profundo incômodo diante dessa nova proximidade em shopping centers e aeroportos” e, pior, “temia que essa classe ascendente pudesse vir a disputar os seus privilégios e os seus empregos”.
José Carlos Moreira da Silva Filho assinala que setores da classe média brasileira, “estimulados por empresários e meios de comunicação”, foram às ruas “pedir a deposição da Presidente eleita”, sendo que “tais mobilizações procuraram explicitamente reeditar as ‘Marchas com Deus, pela Família e pela Propriedade’ e receberam farto financiamento de empresários brasileiros, em especial da FIESP, e de milionários estadunidenses como os irmãos Koch, financiadores da organização ‘students for liberty’ e empresários que atuam na exploração de óleo, gás e refino do petróleo”.
No site http://asalasecreta2015.blogspot.com.br/…/documentario-bomb…, acessado em 14.12.2015, são apontados movimentos como MBL (Movimento Brasil Livre), EPL (Estudantes pela Liberdade) e Revoltados OnLine como participantes ativos do golpe, juntamente com William Waack, Kim Kataguiri, Constantino, Caiado/DEM, Grupo RBS, Gerdau, Souza Cruz, a famosa blogueira cubana Yoani Sánchez, FHC, entre outros. Juliano Torres é o diretor executivo do Estudantes pela Liberdade (EPL) e tem Felipe França como parceiro. Kim Kataguiri é membro da EPL, tendo sido treinado pela EPL. Segundo a reportagem, Fábio Ostermann, coordenador do MBL, é assessor do Deputado Marcel van Hattem (PP-RS), eleito com doações da Gerdau e do grupo Évora. WistonLing é fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul e seu filho, Anthony Ling, é ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que criou o MBL.
O Instituto Millenium, ligado à Globo e a Gilmar Mendes, é o principal think tank da direita no Brasil. Armínio Fraga é sua figura mais conhecida no campo econômico e seus mantenedores são a Gerdau, a editora Abril e a Pottencial Seguradora, uma das empresas de Salim Mattar, dono da locadora de veículos Localiza, a Suzano, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora, dos irmãos Ling.
A rede de thinktanks liberais e libertaristas no Brasil se completa com o Instituto Ordem Livre e o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do Rio de Janeiro, ligado ao Opus Dei.
Floripa, 15 de julho de 2016.

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