*José Álvaro de Lima Cardoso
A intervenção da sociedade civil nos
destinos do orçamento público, em qualquer nível de governo, não é algo simples
de ser realizado. A discussão do orçamento requer investimento de tempo, para
participação nos fóruns, leitura e estudos. A compreensão do orçamento demanda conhecimento
do arcabouço legal, de noções de contabilidade, de economia e outras habilidades
adquiridas. Além de formação técnica básica, exige formação política que permita
entender a complexidade da dinâmica que envolve a confecção, aprovação e a
execução do orçamento público. É desafio que poucos cidadãos estão aptos a
enfrentar a contento. Sem contar com o fato de que boa parte do trabalho advém
de esforço voluntário, sem nenhuma remuneração. O cidadão participa por dever cívico
e interesse de dar sua cota de contribuição à melhoria de vida de seus conterrâneos.
A configuração e destinação do orçamento público desnudam a verdadeira natureza
dos governos. A forma como os gestores investem o dinheiro público mostra a
serviço de quem ele estão e quais os seus verdadeiros interesses. É no modo de elaboração
e, principalmente, na distribuição das prioridades, que os governos se revelam.
Um exemplo muito didático são os projetos e propostas que têm vindo do governo
interino de Temer, antes mesmo de assumir definitivamente. As medidas anunciadas até o momento, que
definem a execução orçamentária, têm endereço certo: dificultam o cumprimento
de políticas sociais, da aplicação de direitos trabalhistas, do acesso ao
crédito, à escola, à moradia, no direito à segurança alimentar, na recomposição
do poder aquisitivo do salário mínimo, na soberania nacional e na defesa das
riquezas nacionais. A destinação concreta do orçamento revela mais do que um
milhão de palavras.
O orçamento público não é neutro, e sim objeto
de permanente disputa. Historicamente as chamadas classes dominantes têm muito
maior influência sobre o orçamento público, do que o povo e os mais pobres em
geral. Apesar dos limites mínimos de
investimentos previstos na Constituição Federal, e nas legislações municipais,
boa parte do destino do orçamento depende de escolhas políticas do gestor. E o
pior é que somos educados sob uma cultura que nos leva a supor que o orçamento
público não nos diz respeito, é domínio privilegiado de contadores,
economistas, autoridades e especialistas. Somos levados a supor que a confecção
de orçamento depende de definições exclusivamente técnicas, afeitas aos
especialistas, não sujeita à tomada de decisões políticas. Ledo engano.
Esse fenômeno fica claro, por exemplo, na nossa postura em relação aos
pagamentos dos serviços da dívida pública. A esmagadora maioria da população
nem imagina que o Brasil gaste quase 10% do PIB brasileiro com os serviços da dívida
pública, e que esta fábula de recursos seja apropriada por cerca de 20 mil famílias
de super ricos no Brasil. Aqueles poucos que detêm essa informação são levados
a imaginar que os “fundamentos macroeconômicos” requerem, para o bom andamento
da economia, que tais somas sejam destinadas para o pagamento da dívida. O que é
bizarro, visto que não existe nenhuma fundamentação técnica para esse tipo de
decisão. É uma escolha política do governo brasileiro.
A Administração Pública, seja ela
federal, estadual ou municipal, pressupõe planejamento e organização das
finanças de forma adequada. Tudo aquilo que pode ser arrecadado (impostos,
taxas, contribuições) está previsto na Constituição Federal e nas Leis
específicas dos Estados e Municípios. O planejamento orçamentário, em boa
medida, está na contramão em uma sociedade, em boa parte calcada na chamada “anarquia
do mercado”, onde cada unidade produtiva define a sua estratégia mercadológica
a partir de seus interesses individuais de lucros. De certa forma, o princípio
do planejamento da arrecadação e da destinação do gasto público vai contra a lógica
geral do sistema capitalista.
O planejamento orçamentário no Brasil
ainda engatinha. Até alguns anos atrás a definição de onde gastar dependia
muito da “vontade” do gestor. Por isso as vinculações constitucionais são um
avanço imenso na cultura orçamentária. A partir principalmente dos anos 1990
alguns governos municipais passaram a construir o orçamento público através da
participação da sociedade civil. O orçamento participativo é uma forma
reconhecida de democratização das decisões de direcionamento do orçamento. Este
tipo de iniciativa tenta contrabalançar uma tendência muito forte da construção
do orçamento que é favorecer os “amigos do rei”. Experiências de participação
popular na construção do orçamento possibilitam um direcionamento maior da
arrecadação pública dos mais pobres na sociedade. O problema é que a construção
do orçamento de forma efetivamente participativa, não é simples. Exige planejamento,
disciplina, perseverança e força de vontade acima da média, tanto do gestor público,
quanto dos segmentos populacionais interessados.
Um dos problemas da construção do
orçamento público, é que, muitas vezes os processos são encaminhados de forma
burocrática, “cumprindo tabela”. Não são encarados como um
processo vivo, ligado a interesses sociais concretos, e que reflete determinada
correlação de forças e o nível de mobilização política da sociedade. Tem que
ser desmistificada a ideia de que o orçamento é neutro, que pode ser definido
apenas tecnicamente por um grupo de iluminados. A destinação dos recursos públicos
não é neutra, decorre de escolhas políticas dos gestores. Daí a necessidade da
maior transparência e participação possíveis na elaboração do orçamento público,
especialmente ao nível municipal.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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