segunda-feira, 18 de julho de 2016

O GOLPE DE 2016: ORIGENS E RAZÕES - Por Oswaldo Miqueluzzi.

“A plutocracia está disposta a destruir países, devastar economias, sacrificar liberdades, comprometer o futuro de várias gerações, apenas para ganhar mais dinheiro” (Miguel do Rosário).
O dia 17 de abril de 2016, tido como histórico pela Rede Globo, foi, no dizer de Ruy Braga, “um verdadeiro festival de horrores, uma espécie de Marcha da Desfaçatez, onde os deputados foram se sucedendo na tribuna e para cada voto a favor do impeachment via-se a maquinação de um sistema degenerado”.
Foi o dia em que, como denunciado por Bresser-Pereira, “a direita e a classe média tradicional venceram. Paralisaram o Brasil, desestabilizaram a democracia, tornaram o país sujeito a crises políticas sempre que a popularidade do presidente da República cair, trocaram o acordo pela luta de classes, mas satisfizeram seu desejo de poder. Que desastre, que loucura, que irresponsabilidade”.
Na origem do golpe estão as elites econômicas e as forças políticas a seu serviço que, como assinala Boaventura Santos, “não se conformaram com a perda das eleições em 2014”. Estas elites, diz ele, “num contexto global de crise da acumulação do capital, se sentiram fortemente ameaçadas por mais quatro anos sem controlar a parte dos recursos do país diretamente vinculada ao Estado em que sempre assentou o seu poder. Essa ameaça atingiu o paroxismo com a perspectiva de Lula da Silva, considerado o melhor Presidente do Brasil desde 1988 e que saiu do governo com uma taxa de aprovação de 80%, vir a postular-se como candidato presidencial em 2018. A partir desse contexto, a democracia brasileira deixou de ser funcional para este bloco conservador e a desestabilização política começou”.
De acordo o professor de Ciências Sociais da Unicamp, Frederico Almeida, “o golpe foi dado no momento em que Moro divulgou os áudios com as conversas da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. Porque isso inviabilizou que ele atuasse politicamente. Porque não é a mesma coisa você articular um governo de um quarto de hotel e do Palácio”. Segundo ela, “o governo foi impedido de resolver problemas políticos por meios políticos. Se Lula tivesse sido ministro, faria toda a diferença”.
A origem do golpe pode também estar nas manifestações de junho de 2013, inicialmente contra o aumento de tarifas do transporte coletivo, mas que “viraram um protesto generalizado contra o Estado, as autoridades e políticos tradicionais”, culminando no golpe do impeachment.
Segundo Laymert Garcia dos Santos, “um ponto importante de inflexão” foi “o que aconteceu na abertura da Copa, porque foi um evento simbólico. Foi ali que a pessoa da presidente da República foi aviltada num xingamento que pretendia ter um alcance mundial. E esse xingamento, a falta de respeito e o não reconhecimento para com a chefe de Estado, saiu do camarote do Itaú, que era o patrocinador da Copa. Dos convidados do camarote do banco patrocinador da Copa, ou seja, da super elite, e isso sinalizou para a elite que estava autorizada, estava liberada toda essa baixaria que veio depois”.
Para ele, “não foi por acaso que quase que imediatamente a direita se sentiu encorajada para, não só tentar capturar os movimentos, mas capturar as próprias manifestações, e também para começar a atacar os, digamos assim, petistas nas manifestações”. Foi, diz ele, quando “a direita viu que ela podia começar a falar alto o que ela pensava baixo”.
Para Maria Inês Nassif, “a estratégia do golpe institucional, com papel ativo do baixo clero do Legislativo e de instâncias judiciárias (o juiz de primeira instância Sérgio Moro e o Supremo Tribunal Federal), e ação publicitária dos meios de comunicação tradicionais (TV Globo e a chamada grande imprensa) começou a ser desenhada no chamado Escândalo do Mensalão.
Na ocasião, como disse Vladimir Safatle, “salvou o governo o fato de a direita temer, naquele momento, mobilizações populares” ou por se considerar que era melhor o PT sangrar até morrer, como se chegou a afirmar.
Para José Álvaro de Lima Cardoso, tudo indica que a principal motivação do golpe “seja de ordem geopolítica. O Brasil nos últimos anos fez opções que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos latino-americanos, defesa do Mercosul, a entrada nos Brics*, Lei de Partilha. Certamente não é uma simples coincidência que a Petrobrás está no olho do furacão desde o começo da crise. A operação Lava Jato foi estratégica na progressão do golpe até o momento: contribuiu para aprofundar a recessão, liquidou com várias empresas de engenharia de capital nacional (poupando as estrangeiras) e desconstruiu brutalmente a imagem internacional da Petrobrás, em um momento de crise mundial do petróleo”.
Segundo o sociólogo Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, “o impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras: grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobras da exploração de petróleo”, pois “o petróleo é um ativo num ambiente altamente explosivo, um recurso importante de poder. O Brasil está se tornando independente em petróleo. Daqui a pouco, será exportador. É obvio que os EUA estão olhando para isso. Não tem como não estar”. Interessa a determinadas forças internacionais, diz ele, “a desestabilização política do Brasil”.
Para Samuel Pinheiro Guimarães, “toda a crise atual, em parte verdadeira e em parte fabricada, decorre da revolta conservadora devido ao fato de a Presidenta Dilma ter cometido dois ‘pecados mortais’ à luz dos interesses do ‘mercado’, isto é, daqueles indivíduos beneficiários da concentração de riqueza, de renda e de poder político no Brasil, que são os grandes multimilionários, os latifundiários rurais e urbanos, os rentistas, os banqueiros e os grandes industriais, e seus representantes na mídia, no Congresso, no Judiciário”.
O primeiro “pecado”, diz Samuel Pinheiro, “foi a redução, ainda que temporária, das taxas de juros”. Como “o sistema financeiro e bancário é o principal instrumento de concentração de riqueza no Brasil”, sustenta ele, “ao reduzir as taxas de juros dos bancos públicos e ao forçar a redução dos juros dos bancos privados (que foi logo compensada pelo aumento das ‘taxas’ de administração) a Presidenta diminuiu a transferência de riqueza da sociedade e do Estado para os bancos privados, seus acionistas e os detentores de títulos públicos e, assim, a Presidenta atingiu o cerne do mecanismo de concentração do sistema econômico e provocou a ira dos setores conservadores que hoje pedem a privatização dos bancos públicos”.
O segundo “pecado”, por sua vez, “foi o apoio, ainda que tímido, à democratização dos meios de comunicação”, cujo sistema no Brasil “é o instrumento das classes dominantes para construir o imaginário do povo, para manipular as informações e para justificar o sistema econômico e social vigente e desmoralizar aqueles que lutam por mais igualdade, mais liberdade, mais fraternidade e pelos direitos das minorias, em um contexto de desenvolvimento”.
Glenn Greenwald e David Miranda sustentam que “para uma parte da elite midiática e econômica do país, a corrupção é apenas uma desculpa, um pretexto para atingir um fim antidemocrático”. Segundo eles, o objetivo real era “remov
er do poder um partido político – o PT”, que não conseguiram derrotar após quatro eleições democráticas seguidas, na esperança de que o impeachment de Dilma fosse “tão catártico para o público, que permitiria o fim silencioso da Operação Lava Jato ou, ao menos, fosse capaz de fazer com que tudo terminasse em pizza para os políticos corruptos”. Segundo os jornalistas, “ninguém que realmente se importasse com o fim da corrupção iria torcer por um processo que delegaria o poder a líderes de partidos como o PMDB, o PSDB e o PP”.
Floripa, 15 de julho de 2016.
* Como se sabe, a diplomacia dos governos Lula e Dilma “alinhou-se aos BRICS, adotando uma postura independente com respeito à política exterior norte-americana, o que a distingue, por exemplo, do alinhamento automático com os EUA operado pela diplomacia dos governos neoliberais” (Giovanni Alves. Neodesenvolvimento, estado neoliberal e a persistência da ditadura no Brasil. In O mito da CLT: um estudo preliminar. Jorge Luiz Souto Maior, coordenador. São Paulo: LTr, 2015, p. 115).

Nenhum comentário:

Postar um comentário