Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation
Pouco depois de a moção pró-impeachment contra a presidenta Dilma
Rousseff ser aprovada no Congresso do Brasil, por deputados que resolvi
chamar de hienas da Guerra Híbrida, o presidente-coroado Michel "Até tu,
Brutus?!" Temer, um dos articuladores do golpe, mandou um de seus
senadores a Washington como garoto-de-recados especial, para dar
notícias sobre o golpe em andamento. O senador em questão não cumpria
missão oficial da Comissão de Relações Exteriores do Senado do Brasil.
Michel "Até tu, Brutus?!" Temer assustou-se com a reação da mídia
global, a qual está vendo cada dia mais vê claramente que o golpe que
ele está fazendo é o que é (golpe) – aliado de Brutus-2, presidente
notoriamente corrupto da Câmara de Deputados do Brasil, Eduardo Cunha.
A missão do tal senador era lançar uma ofensiva de Propaganda/Relações
Públicas para desconstruir a narrativa que insiste que golpe é golpe, e a
qual, segundo Brutus-1 estaria "desmoralizando instituições
brasileiras".
Nonsense. O senador office-boy foi mandado dizer ao
Departamento de Estado dos EUA que tudo por aqui está andando conforme a
encomenda.
Em Washington, o senador office-boy resmungou que
"explicaremos que o Brasil não é uma república de bananas". Ora... Não
era. Mas graças às hienas da Guerra Híbrida, é.
Quando se tem um
homem que administra 11 contas bancárias ilegais na Suíça; cujo nome
aparece listado nos Panama Papers, que já está sendo investigado pela
Suprema Corte... e que, mesmo assim, continua a comandar o destino
político de toda a nação, sim, sim, aí está uma república de bananas.
Quando você tem um juiz de paróquia, provinciano, que ameaça pôr na
prisão o ex-presidente Lula, por ser proprietário de um apartamento
modesto onde vive e por visitar um sítio modesto de amigos, mas, ao
mesmo tempo, não cuida de investigar o Brutus-2, e juiz provinciano que
opera irmanado àqueles pomposos juízes da pomposa Corte Suprema
paroquial provinciana... sim, aí está uma república de bananas.
Comparem agora a reação-zero de Washington, e a reação de Moscou. O
Ministério de Relações Exteriores da Rússia, mediante a irrepreensível
porta-voz Maria Zakharova, chamou a atenção do mundo para a parceira
crucial que liga todos os países BRICS, e as posições comuns que Brasil e
Rússia têm defendido juntos dentro do G20. E Moscou deixou claro que os
problemas do Brasil têm de ser resolvidos "no quadro constitucional
legal e sem qualquer interferência externa".
Todo mundo sabe o que significa "interferência externa".
Dominação de Pleno Espectro Rearmada
Estou acompanhando o golpe em andamento no Brasil, com especial atenção
à Guerra Híbrida movida/apoiada pelos EUA para destruir "o projeto
neodesenvolvimentista para a América Latina – que unia pelo menos parte
das elites locais, investia no desenvolvimento de mercados internos, em
associação com as classes trabalhadoras". O objetivo chave da Guerra
Híbrida no caso do golpe no Brasil é instalar uma restauração
neoliberal.
Obviamente, o alvo chave tinha de ser o Brasil, estado membro dos BRICS e sétima maior economia do mundo.
Falcões imperiais [ver também "Preocupações com a 'Bala de Prata' nem
tão eficaz", in Rússia e China, 2016: Como planejam enfrentar a guerra
econômica dos EUA], já estão indo diretamente ao ponto, quando listam as
armas e objetivos da Guerra Híbrida, que o Pentágono definiu em 2002
como "Doutrina da Dominação de Pleno Espectro": "O poder dos EUA vem de
nossa superior força militar, sim. Qualquer coisa que expanda o alcance
dos mercados dos EUA – como a Parceria Trans-Pacífico no comércio, por
exemplo – acrescenta-se ao arsenal do poder dos EUA. Mas em sentido mais
profundo, o poder dos EUA é produto da dominação da economia dos EUA
sobre o mundo".
Mas fato é que a economia norte-americana já está
longe de dominar o mundo. O que hoje realmente preocupa são as forças
que orientam "os negócios para longe dos EUA, ou permitem que outras
nações construam arquitetura financeira rival e menos vulnerável a
sanções, mesmo que a uma montanha delas".
"Arquitetura financeira
rival" é perfeita tradução de "BRICS". E nem "uma montanha de sanções"
bastaram para fazer o Irã curvar-se e pedir penico ao Tio Sam; Teerã
continuará a praticar uma "economia de resistência". Não por acaso, dois
dos países BRICS – Rússia e China – além do Irã, aparecem entre as
cinco principais ameaças existenciais listadas pelo Pentágono, além das
bombas atômicas da Coreia do Norte e, em último lugar na lista,
"terrorismo".
Guerra Fria 2.0 é essencialmente Rússia e China –
mas o Brasil também é ator chave. Edward Snowden revelou como a
espionagem contra o Brasil, pela Agência de Segurança Nacional
centrava-se na Petrobrás, cuja tecnologia proprietária foi responsável
pela maior descoberta de petróleo, ao nascer do século 21: os depósitos
do pré-sal em águas do Brasil. O Big Oil norte-americano está excluído
da exploração dessa riqueza.
E "Big EUA Oil excluído é anátema –
e exige mobilização imediata das técnicas e táticas de Guerra Híbrida
reunidas na [doutrina] de Dominação de Pleno Espectro.
As elites
comprador brasileiras correram a se oferecer para jogar o jogo. Já há
mais de dois anos analistas de JP Morgan oferecem seminários aos
guerrilheiros da macroeconomia neoliberal, ensinando táticas e golpes
para desestabilizar o governo Rousseff.
Lobbies da indústria,
comércio, banking e agronegócio ostensivamente se puseram na defesa do
impeachment, que representaria, na avaliação deles, o fim do experimento
social-democrata dos governos Lula-Dilma.
Assim sendo, não
surpreende que o presidente herdeiro coroado Michel "Até tu, Brutus?!"
Temer tenha acordo tão amplo com o Big Capital – incluindo juros
ilimitados sobre a dívida pública (muito acima da norma internacional); a
relação entre dívida e PIB, que terá de subir; mais empréstimos caros; e
o corolário, cortes na atenção pública à saúde e à educação dos
brasileiros.
No que tenha a ver com Washington, não há dúvidas e é
questão fechada para os Democratas e Republicanos: absolutamente não se
admite que haja poder regional autônomo no Atlântico Sul abençoado por
riqueza ecológica única do mundo (pensem na Floresta Amazônica, toda
aquela água, que se soma ao aquífero Guarani) e, como se isso fosse
pouca coisa, ainda muito intimamente conectado aos BRICS-chave, Rússia e
China, que já têm sua própria parceria estratégica.
O fator
pré-sal é a cereja nesse bolo tropical. Absolutamente de modo algum, não
e não, o Big Oil dos EUA não permitirá que a Petrobrás tenha o
monopólio para explorar aquele petróleo todo. E, sendo necessário,
afinal de contas, a 4ª Frota dos EUA já está posicionada no Atlântico
Sul.
Um BRICS derrubado, ainda faltam dois
A "guerra ao
terô ["terror", no sotaque de Bush] declarada pelo regime Cheney
distraiu a atenção do Empire of Chaospor tempo demais. Agora,
finalmente, está em andamento uma ofensiva do caos global contra os
BRICs – coordenada em todo o planeta.
Do Sudoeste da Ásia ao Sul
da Ásia, o sonho da Guerra Híbrida será criar alguma espécie de caos
iraquiano para substituir os governos de Arábia Saudita, Irã, Paquistão e
Egito – e o Império "Liderar pela Retaguarda" do Caos está fazendo o
possível na Síria, onde ainda nada conseguiu, por mais que a "dinastia
Assad", ao longo de décadas, tenha sido aliada "secreta" dos EUA.
Os Masters of the Universe que controlam o cordame que move Obama,
eterno office-boy deles, resolveu que seria chegada a hora de apunhalar a
Casa de Saud pelas costas – o que não chega a ser, afinal, má ideia –
por causa do Irã. O pensamento desejante dominante 'ensinava' que seria
fácil pôr o gás natural iraniano na Europa, em lugar do gás natural
russo, o que derrubaria a economia russa. Absolutamente não funcionou.
Mas ainda há outra possibilidade: o gás natural do Qatar, pelo gasoduto
que atravessa Arábia Saudita e Síria, também poderia substituir o gás
natural russo vendido à Europa. Esse é hoje o principal objetivo da CIA
na Síria – o instrumento não importa: Daech, falso Califato, vale tudo,
porque nada disso é coisa alguma além de propaganda.
A CIA também
está gostando de ver a Arábia Saudita destruir a economia russa com
aquela guerra dos preços do petróleo – e não querem que os sauditas
parem; por isso mantêm secretas as tais famosas 28 páginas sobre os
sauditas nos eventos de 11/9.
A CIA também andou tentando feito
doida atrair Moscou para dentro de uma armadilha síria como no
Afeganistão dos anos 1980s; e, como fizeram com o golpe em Kiev, a ponto
de ordenar que militares turcos, sempre agentes dos EUA, derrubassem um
jato Su-24 russo. "Problema" é que o Kremlin não mordeu a maçã
envenenada.
Nos idos anos 1980s, o mix de Casa de Saud inundando
mercados com seu petróleo, agindo com toda a gangue do petrodólar do CCG
para derrubar o preço até $7 por barril em 1985, plus a operação "O
Afeganistão É O Vietnã", terminou por levar a URSS à bancarrota. Pode-se
dizer que toda a ação foi brilhante – na concepção e na execução: uma
Guerra Híbrida plus Vietnã. Agora, com a coisa de "liderar pela
retaguarda" do Dr. Zbig "Grande Tabuleiro de Xadrez" – mentor de sua
política exterior – Obama está tentando repetir o mesmo truque.
Mas epa! Temos um problema. A liderança em Pequim, já preocupada com
ajustes no modelo chinês de desenvolvimento, viu claramente os esforços
do Império do Caos para Dividir e Governar (e Ocupar) o mundo inteiro.
Se a Rússia caísse, a China seria o alvo seguinte.
Ainda
praticamente ontem, em 2010, a inteligência dos EUA via a China como sua
principal ameaça militar, e pôs-se a andar na direção do Império do
Meio, com o tal "pivô para a Ásia". Mas de repente a CIA deu-se conta de
que Moscou gastara um trilhão de dólares para saltar por cima de duas
gerações de atraso em matéria de mísseis de defesa e de ataque – para
nem falar dos submarinos – as armas de eleição para a 3ª Guerra Mundial.
E foi aí que a Rússia pulou para o trono de principal ameaça.
Analisando atentamente o tabuleiro de xadrez, a liderança em Pequim
imediatamente acelerou a aliança com Rússia e BRICS como força
alternativa – o que gerou terremoto de proporções absolutamente
devastadoras em Washington.
Agora, Pequim já fez a reengenharia
dos BRICS para operarem como estrutura alternativa séria de poder – com
FMI próprio, com sistema SWIFT de compensações internacionais próprio e
com seu próprio Banco Mundial.
Nunca subestime a fúria de um
Império do Caos enganado. Isso é o que se vê em ação contra os BRICS;
Brasil sitiado, desastre na África do Sul, fragilidade na Índia, China e
Rússia progressivamente cercadas. Variações de Guerra Híbrida da
Ucrânia ao Brasil, pressão crescente na Ásia Central, o barril de
pólvora em que foi convertido o "Siriaque", tudo aponta para uma
ofensiva coordenada do Espectro da Plena Dominação para quebrar os
BRICS, a parceria estratégica Rússia-China, até quebrar as Novas Rotas
da Seda que unem toda a Eurásia.
Guerras do preço do petróleo,
colapso do rublo, fluxo gigante de refugiados para a União Europeia
(causado pelo Sultão Erdogan "errático"), a Operação Gládio do século 21
remistura tudo, distrai as massas com inimigos imaginários, enquanto
simulacros de terroristas do tipo Daesh são manipulados como
sofisticadas táticas diversionistas.
Parece tão brilhante, coisa
mesmo 'de mestre', na concepção e na execução, tão impressionantemente
bem narrada, em sentido de ficção televisiva/cinematográfica. Mas que
ninguém se engane: vai ter volta.*****
Por Pepe Escobar
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