Valor Econômico, 13/07/2016 às 05h00 (publicado à pág. A11)
Chega de
otimismo fácil
Por Martin Wolf
"Algumas invenções são mais importantes do que
outras. " Essa é a observação mais importante feita por Robert Gordon, da
Universidade Northwestern, em sua obra-prima "The Rise and Fall of
American Growth" (a ascensão e queda do crescimento americano). Esse livro
apresenta uma análise profunda sobre a transformação da vida econômica
americana entre 1870 e 1970 - e seu subsequente declínio. Crescimento não é
inevitável nem estável. Nossa época é de crescimento decepcionante porque os
avanços tecnológicos são relativamente estreitos.
Deirdre McCloskey, respeitada economista, insiste
em que esse "pessimismo tem sido sistematicamente um indicador inadequado
a respeito do mundo moderno. Estamos gigantescamente mais ricos, material e
espiritualmente, do que dois séculos atrás. "Ela tem razão. Mas",
responde o professor Gordon, "nós não nos tornamos mais ricos a uma taxa
constante. Ao contrário, o crescimento foi mais rápido em alguns períodos do
que em outros - mesmo desde a revolução industrial".
A dificuldade no setor de serviços
não está em que os postos de trabalho vão desaparecer, mas que é difícil
fazê-los desaparecer. Essa migração, na composição do PIB, para setores onde é
difícil elevar a produtividade é uma grande razão para a desaceleração
Assim, o período após 1890 exibe aumentos contínuos
da produção por pessoa e por hora. Mas o período entre 1920 e 1970 foi mais
dinâmico do que os antecedentes e posteriores: por mais de meio século, a
produção por hora cresceu cerca de 3% ao ano. Uma medida melhor da inovação é o
aumento da "produtividade total dos fatores": o crescimento do
produto, excluídas as contribuições de insumos adicionais de trabalho e de
capital. O padrão aqui é ainda mais notável. A economia americana viveu dois
períodos de inovação rápida: em 1920-1970 e, a um ritmo bem mais lento, em
1994-2004.
Isto levanta três questões.
Em primeiro lugar, por que nos concentrarmos nos
EUA? A resposta é que esse país está na fronteira mundial de inovação e
produtividade desde 1870. No período até a Segunda Guerra Mundial, um ou dois
países europeus também foram extremamente inovadores. A partir de então, os EUA
não tiveram concorrentes nessa área.
Em segundo lugar, o que explica a ascensão, e
posterior queda, da produtividade? Robert Gordon afirma que a resposta está na
taxa e na variedade de inovações que surgiram após 1870 e foram implementadas
ao longo do período 1920-1970. Esse período viveu uma revolução energética: a
exploração do petróleo, o controle da energia elétrica e o motor de combustão
interna. O período viu o nascimento da indústria química e uma evolução
transformadora no fornecimento de água potável e no descarte de esgotos.
Isso, por sua vez, levou à criação de máquinas: luz
elétrica, telefone, rádio, geladeira, máquina de lavar, automóveis e aviões.
Essas máquinas produziram uma transformação nas vidas por meio da urbanização e
da casa conectada à rede elétrica. Isso tudo, então, fomentou uma revolução na
educação, pois a economia exigiu trabalhadores alfabetizados e disciplinados.
Em comparação, nos anos desde 1970 houve mudanças relativamente pequenas em
países de alta renda. O aumento da produtividade entre 1994 e 2004 reflete o impacto
da internet. Ele veio e, logo depois, se foi.
Em terceiro lugar, até onde mensurações incorretas
distorcem a imagem? A resposta é que elas fazem isso de forma significativa,
mas não de maneiras que tornem o desempenho atual parecer melhor em relação ao
do passado. O oposto é bem mais plausível.
O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi,
efetivamente, extremamente subestimado. Uma razão para isso é a inclusão
atrasada de novos produtos nos dados: nos Estados Unidos não houve um índice de
preços para automóveis até 1935, décadas após sua invenção. Esse tipo de atraso
é menor, hoje. Outra maneira pela qual as mensurações falham está na
dificuldade de avaliar melhorias em novos modelos.
Mais importante: o PIB não é uma boa medida do
nível de vida. Como observa Gordon, o PIB não atribui valor à ampliação da
diversidade de alimentos, à remoção de excrementos de cavalos das vias urbanas,
de maiores velocidades nas viagens, transformação das comunicações, melhoria na
qualidade de entretenimento, maior conforto em aquecimento central, redução do
trabalho doméstico, diminuição no esforço e perigo no trabalho, facilidade de acesso
a água potável, segurança dos alimentos processados e, acima de tudo, o salto
na expectativa de vida. Em países ricos, quase todos as pessoas hoje vivas
assumem tudo isso como certezas.
Não há simplesmente nenhuma razão para acreditar
que o aumento do nível do PIB ou dos padrões de vida são mais subestimados hoje
do que anteriormente. O crescimento mensurado está diminuindo porque as
invenções escassearam. Além disso, as inovações contemporâneas são mais
estreitas, em seu efeito, do que as do passado.
E o que é pior, seus benefícios parecem ser menos
amplamente compartilhados. Desde 1972, não apenas o crescimento da renda real
nos Estados Unidos foi menor do que anteriormente, como a distribuição da renda
distanciou-se daqueles situados abaixo dos 10% no topo da distribuição de
renda. Isso ajuda a explicar as tensões cada vez maiores no cenário político
americano e também em outros países de alta renda.
A história contada pelo professor Gordon destrói
tanto o otimismo fácil sobre as perspectivas para crescimento econômico como o
pessimismo superficial sobre o fim do emprego. Não estamos em meio a uma era de
progresso econômico sem precedentes nem à beira de uma era de excepcional
destruição de empregos. Isso deve-se, em parte, ao fato de o progresso
tecnológico ser tão limitado. Deve-se também a que muito de nossa economia é
imune a rápidos aumentos de produtividade. Assim, em 2014, dois terços do
consumo americano foram destinados ao setor de serviços, como aluguel, saúde,
educação e cuidados pessoais. A dificuldade, nesses setores, não está em que
todos os postos de trabalho vão desaparecer, mas sim em que é difícil fazê-los
desaparecer. Essa migração, na composição do PIB, para setores onde é difícil
elevar a produtividade é uma grande razão para a desaceleração.
A visão de que aumentos contínuos e rápidos no
padrão de vida irão manter-se é uma esperança caridosa. A tendência a acreditar
que algumas "reformas estruturais" corrigirão isso é, igualmente, um
ato de fé. É essencial que as políticas governamentais estimulem invenção e
inovação, tanto quanto os governos acreditem ser capazes disso. Mas não devemos
supor um retorno fácil à era, que há muito ficou para trás, de dinamismo.
Enquanto isso, a má distribuição dos ganhos decorrentes do tanto de crescimento
que temos é um desafio crescente. Estes são tempos difíceis. (Tradução de
Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal
analista econômico do FT
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