segunda-feira, 18 de julho de 2016

Chega de otimismo fácil (Martin Wolf do FT)



Valor Econômico, 13/07/2016 às 05h00 (publicado à pág. A11)

Chega de otimismo fácil
Por Martin Wolf
"Algumas invenções são mais importantes do que outras. " Essa é a observação mais importante feita por Robert Gordon, da Universidade Northwestern, em sua obra-prima "The Rise and Fall of American Growth" (a ascensão e queda do crescimento americano). Esse livro apresenta uma análise profunda sobre a transformação da vida econômica americana entre 1870 e 1970 - e seu subsequente declínio. Crescimento não é inevitável nem estável. Nossa época é de crescimento decepcionante porque os avanços tecnológicos são relativamente estreitos.
Deirdre McCloskey, respeitada economista, insiste em que esse "pessimismo tem sido sistematicamente um indicador inadequado a respeito do mundo moderno. Estamos gigantescamente mais ricos, material e espiritualmente, do que dois séculos atrás. "Ela tem razão. Mas", responde o professor Gordon, "nós não nos tornamos mais ricos a uma taxa constante. Ao contrário, o crescimento foi mais rápido em alguns períodos do que em outros - mesmo desde a revolução industrial".
A dificuldade no setor de serviços não está em que os postos de trabalho vão desaparecer, mas que é difícil fazê-los desaparecer. Essa migração, na composição do PIB, para setores onde é difícil elevar a produtividade é uma grande razão para a desaceleração
Assim, o período após 1890 exibe aumentos contínuos da produção por pessoa e por hora. Mas o período entre 1920 e 1970 foi mais dinâmico do que os antecedentes e posteriores: por mais de meio século, a produção por hora cresceu cerca de 3% ao ano. Uma medida melhor da inovação é o aumento da "produtividade total dos fatores": o crescimento do produto, excluídas as contribuições de insumos adicionais de trabalho e de capital. O padrão aqui é ainda mais notável. A economia americana viveu dois períodos de inovação rápida: em 1920-1970 e, a um ritmo bem mais lento, em 1994-2004.
Isto levanta três questões.
Em primeiro lugar, por que nos concentrarmos nos EUA? A resposta é que esse país está na fronteira mundial de inovação e produtividade desde 1870. No período até a Segunda Guerra Mundial, um ou dois países europeus também foram extremamente inovadores. A partir de então, os EUA não tiveram concorrentes nessa área.
Em segundo lugar, o que explica a ascensão, e posterior queda, da produtividade? Robert Gordon afirma que a resposta está na taxa e na variedade de inovações que surgiram após 1870 e foram implementadas ao longo do período 1920-1970. Esse período viveu uma revolução energética: a exploração do petróleo, o controle da energia elétrica e o motor de combustão interna. O período viu o nascimento da indústria química e uma evolução transformadora no fornecimento de água potável e no descarte de esgotos.
Isso, por sua vez, levou à criação de máquinas: luz elétrica, telefone, rádio, geladeira, máquina de lavar, automóveis e aviões. Essas máquinas produziram uma transformação nas vidas por meio da urbanização e da casa conectada à rede elétrica. Isso tudo, então, fomentou uma revolução na educação, pois a economia exigiu trabalhadores alfabetizados e disciplinados. Em comparação, nos anos desde 1970 houve mudanças relativamente pequenas em países de alta renda. O aumento da produtividade entre 1994 e 2004 reflete o impacto da internet. Ele veio e, logo depois, se foi.
Em terceiro lugar, até onde mensurações incorretas distorcem a imagem? A resposta é que elas fazem isso de forma significativa, mas não de maneiras que tornem o desempenho atual parecer melhor em relação ao do passado. O oposto é bem mais plausível.
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O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi, efetivamente, extremamente subestimado. Uma razão para isso é a inclusão atrasada de novos produtos nos dados: nos Estados Unidos não houve um índice de preços para automóveis até 1935, décadas após sua invenção. Esse tipo de atraso é menor, hoje. Outra maneira pela qual as mensurações falham está na dificuldade de avaliar melhorias em novos modelos.
Mais importante: o PIB não é uma boa medida do nível de vida. Como observa Gordon, o PIB não atribui valor à ampliação da diversidade de alimentos, à remoção de excrementos de cavalos das vias urbanas, de maiores velocidades nas viagens, transformação das comunicações, melhoria na qualidade de entretenimento, maior conforto em aquecimento central, redução do trabalho doméstico, diminuição no esforço e perigo no trabalho, facilidade de acesso a água potável, segurança dos alimentos processados e, acima de tudo, o salto na expectativa de vida. Em países ricos, quase todos as pessoas hoje vivas assumem tudo isso como certezas.
Não há simplesmente nenhuma razão para acreditar que o aumento do nível do PIB ou dos padrões de vida são mais subestimados hoje do que anteriormente. O crescimento mensurado está diminuindo porque as invenções escassearam. Além disso, as inovações contemporâneas são mais estreitas, em seu efeito, do que as do passado.
E o que é pior, seus benefícios parecem ser menos amplamente compartilhados. Desde 1972, não apenas o crescimento da renda real nos Estados Unidos foi menor do que anteriormente, como a distribuição da renda distanciou-se daqueles situados abaixo dos 10% no topo da distribuição de renda. Isso ajuda a explicar as tensões cada vez maiores no cenário político americano e também em outros países de alta renda.
A história contada pelo professor Gordon destrói tanto o otimismo fácil sobre as perspectivas para crescimento econômico como o pessimismo superficial sobre o fim do emprego. Não estamos em meio a uma era de progresso econômico sem precedentes nem à beira de uma era de excepcional destruição de empregos. Isso deve-se, em parte, ao fato de o progresso tecnológico ser tão limitado. Deve-se também a que muito de nossa economia é imune a rápidos aumentos de produtividade. Assim, em 2014, dois terços do consumo americano foram destinados ao setor de serviços, como aluguel, saúde, educação e cuidados pessoais. A dificuldade, nesses setores, não está em que todos os postos de trabalho vão desaparecer, mas sim em que é difícil fazê-los desaparecer. Essa migração, na composição do PIB, para setores onde é difícil elevar a produtividade é uma grande razão para a desaceleração.
A visão de que aumentos contínuos e rápidos no padrão de vida irão manter-se é uma esperança caridosa. A tendência a acreditar que algumas "reformas estruturais" corrigirão isso é, igualmente, um ato de fé. É essencial que as políticas governamentais estimulem invenção e inovação, tanto quanto os governos acreditem ser capazes disso. Mas não devemos supor um retorno fácil à era, que há muito ficou para trás, de dinamismo. Enquanto isso, a má distribuição dos ganhos decorrentes do tanto de crescimento que temos é um desafio crescente. Estes são tempos difíceis. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

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