sexta-feira, 4 de março de 2016

O que justifica a 'condução coercitiva' de Lula?

Najla Passos na Carta Maior

  
A condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor, na manhã desta sexta (4), na 24 quarta fase da Operação Lava Jato foi duramente criticada não só por militantes do PT e do campo popular, mas também por juristas e operadores do direito de diferentes tendências. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, chegou a classificá-la como “ato de força”. Ex-presidente da OAB-Rio, o deputado Wadih Damous (PT-RJ) preferiu o termo “sequestro”.


A medida foi autorizada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, sob a justificativa de que serviria para proteger o próprio Lula, já que, em depoimentos anteriores, ocorreram tumultos provocados por militantes, como o de 17/2, no Fórum Criminal de Barra Funda, em São Paulo. O mais curioso é o fato de que o Ministério Público sequer solicitou autorização para tal. Foi uma iniciativa espontânea do juiz mais midiático da história da República.


Lula, porém, discordou das supostas preocupações de Moro e reagiu indignado. “Eu não me recusei a ir a Brasília prestar depoimento três vezes. E eu não me recusaria a prestar depoimento aqui, era só ter me convidado”, afirmou ele, no pronunciamento que fez na sede do PT, após o término do depoimento que prestou à Polícia Federal (PF) no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.


“Lamentavelmente, estamos vivendo um processo onde a pirotecnia vale mais do que qualquer coisa. O que vale mais é o show midiático do que a apuração séria e responsável que deve ser feita pela Justiça e pelo Ministério Público”, destacou o ex-presidente, criticando também a ação da mídia no episódio. “Os advogados ainda nem tinham informações e tudo isso já estava na imprensa”, constatou..


Ex-presidente da OAB-RIO, o deputado Wadih Damus (PT-RJ) foi ainda mais duro. "Não nos iludamos. O que está em curso hoje aqui no Brasil é um golpe de Estado.  O que aconteceu hoje em São Paulo com o ex-presidente Lula não foi uma condução coercitiva: foi um sequestro perpetrado pela Polícia Federal, a mando do juiz da Lava Jato”, afirmou. De acordo com ele, condução coercitiva acontece quando um cidadão que foi intimado a depor perante o juiz não aparece. “O ex-presidente Lula jamais se negou a depor”, argumentou.


Acima de quaisquer suspeitas de ligações pessoais ou partidárias com Lula, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, também fez críticas contundentes à tal condução coercitiva, segundo noticiou a coluna de Mônica Bergamo na Folha de São Paulo. "Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado", questionou.


Seis advogados que atuam na Operação Lava Jato, ouvidos pelo site Consultor Jurídico, criticaram não só a medida, mas também a transformação de cada fase da Operação em um espetáculo midiático, com amplo desrespeito às normas penais. “Esta operação já passou da ilegalidade. Conduzida por um juiz incompetente, extrapolou em uma campanha política conduzida por procuradores federais e pela Polícia Federal com claros objetivos eleitorais”, afirmou Fernando Fernandes.


Nas redes sociais, o professor de Direito da PUC-Rio, Adriano Pilatti, explicou o que é – ou deveria ser - a medida. “Condução coercitiva é uma intervenção violenta do Estado que restringe, temporariamente, a liberdade individual por excelência (somos corpo, e é dele que o pensamento provém), que é a liberdade física. Do ponto de vista legal e processual (ia começar com "constitucional", mas quem está ligando para a Constituição?), é uma medida extrema que só se justifica quando uma pessoa se recusa a comparecer para prestar depoimento para o qual fora regularmente intimada. Isto vale ou devia valer para qualquer um de nós - qualquer um: ninguém está livre de ter um policial (da polícia ou do MP) ou juiz obcecado no seu encalço, ninguém”, afirmou.


Professor da PUC-SP, o constitucionalista Pedro Serrano classificou a ação contra Lula como a maior ilegalidade já cometida em relação a um ex-presidente da República desde João Goulart. Para ele, é injustificável o fato de Lula ter sido levado coercitivamente a depor. E mais ainda a alegação de que isso foi feito para protegê-lo.“Estamos num país sem lei onde há flexibilização de alguns direitos fundamentais em especial de cidadão e onde só se investiga um determinado campo politico”, afirmou ao Blog do Rovai.

Até o jurista José Gregori, ex-ministro da Justiça no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, subiu o tom para condenar a medida. "Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação. A praxe tem sido sempre essa: você convida a pessoa a comparecer e, se ela não comparecer, então na segunda vez vem a advertência de que ela poderá ser conduzida coercitivamente”, disse à Rede Brasil Atual.


As razões de Moro


Para o senador Lindberg Farias (PT-RJ), a condução coercitiva desnecessária e irregular faz parte do espectáculo midiático articulado pelo juiz Sérgio Moro para conquistar a competência de investigar e processar o ex-presidente. Ele lembrou que a defesa de Lula questionou no STF o porquê de Moro estar à frente de processos que investigação a relação de Lula com o triplex em Ubatuba (SP) e com o sítio em Atibaia (SP), que deveriam estar a cargo do Ministério Público de São Paulo.


“Com medo de uma decisão, eles se anteciparam para criar um fato político. Porque essa Operação Lava Jato tem um objetivo hoje, que é destruir um projeto político no nosso país, que transformou a vida de milhares de pessoas, que fez uma grande inclusão social”, denunciou. Para o senador, a perseguição a Lula tem o propósito de destruir sua biografia. “Eles fazem isso porque o ex-presidente Lula é o maior líder popular brasileiro, foi o maior presidente da historia do país e o nosso candidato em 2018”, destacou.


Damous reforçou o entendimento de Farias. Para ele, a sistemática desta operação revela a intenção de Moro de fixar a sua competência para investigar e processar Lula em Curitiba, ao contrário do que pleiteia a defesa do ex-presidente. “Na verdade, o juiz Lava Jato que hoje põe o país de joelhos, as instituições democráticas de joelhos, quer, junto com seus amigos dos meios de comunicação, obrigar o STF a fixar a competência da república de Curitiba para investigar e processar o ex-presidente Lula”, acusou.


O deputado alertou sobre os riscos que a Lava Jato impõe à democracia, principalmente ao executar uma agenda como esta às vésperas da mobilização pró-impeachment, convocada pela oposição para o próximo dia 13. “O que está acontecendo agora aconteceu em 1964. Dia 13 vai ser algo similar à Marcha da Família, que precedeu o golpe de 1º de abril. Temos que, neste momento, nos lembrar de Getúlio, de João Goulart”, comparou.


Pra ele, a hora é de tomar as ruas. “Golpe de estado a gente não assiste de braços cruzados. Ou nós asseguramos nossa democracia que custou tanto sangue, custou tantas vidas para ser conquistadas, ou nós vamos entrar em um retrocesso sem precedentes no Brasil. (…) Não podemos cometer os erros que gerações que nos precederam cometeram, tendo ilusões de que o que está em jogo faz parte do jogo político, de que o que está em marcha faz parte dos arranjos da democracia. Não, nós estamos diante de um golpe de estado aqui em nosso país”, reforçou.


Desconstrução do líder e do projeto


Ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho reforçou a percepção de que o intuito da operação é desgastar a imagem de Lula. “Aconteceu mais ou menos o que nós esperávamos: eles chegaram onde queiram chegar. O que eles querem é passar uma imagem de desconstrução do Lula, como uma pessoa que se corrompe, que se afastou do povo. Mas vocês sabem que isso é mentira, que não vão sustentar essa imagem”, disse à militância.


O ex-ministro também lamentou que a Polícia Federal e o Ministério Público tenham sido usadas de uma forma que ele classificou como criminosa para perseguir um líder popular, enquanto os verdadeiros corruptos estão soltos por aí. “Isso não é combate à corrupção, é perseguição a um partido político. Mas nós saberemos reagir. O Brasil que nós queremos construir é o da Justiça.

Se nós erramos no passado – e erramos -  nós vamos pagar nosso preço e estamos pagando. Mas isso não invalida a ação que este presidente fez, o que ele construiu neste país e que nós continuamos construindo com a presidenta Dilma”, ressaltou.


A deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ) classificou como inaceitável esta fase da Operação Lava Jato. “Este é o maior ato de exceção da república. “Estou de fato indignada com o que a Polícia Federal está fazendo, com esse verdadeiro estado de exceção, porque não há legalidade, não há prova, não há indício concreto de que Lula tenha cometido algum crime. Isso é inaceitável e a sociedade brasileira precisa reagir. Essa armação mídia- PF- Judiciário ultrapassou todos os limites poss[iveis e um estado democrático de direito”, afirmou.


A deputada Margarida Salomão (PT-MG) também manifestou sua indignação conclamando à militância a ocupar as ruas. “A condução coercitiva do ex-presidente Lula, de membros da sua família, da direção do Instituto Lula é uma afronta à sociedade brasileira, é um golpe às instituições democráticas, é um tapa na nossa cara. Isso nós não vamos aceitar”, afirmou. Para Margarida, não faz sentido promover esse constrangimento a um ex-presidente da República por conta de ilações, nenhuma delas substanciais. “Isso é golpe! E nós não vamos aceitá-lo”, resumiu.




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