Milton Pomar (*)
Adoniran
Barbosa, o cantor e compositor paulista famoso por “Saudosa Maloca”, “Trem das
Onze”, “Tiro ao Álvaro” e tantos outros sucessos, compôs nos anos 1950 a música
“Chum Chim Chum”, sobre o chinês dono de pastelaria, louco pra casar e que vendia
“pastéis com vento”. Naquela época, a China era um país muito pobre, e os
imigrantes chineses na cidade de São Paulo eram conhecidos por trabalhar em
pastelarias e tinturarias. Passados quase 60 anos, a música caiu no
esquecimento, enquanto a China transformou-se radicalmente, saindo da condição
de pobreza extrema para a de segunda maior economia do mundo e maior país
exportador.
No
período de 1950 a 2012, a China tirou da pobreza mais de 800 milhões de pessoas,
e passou da condição de país essencialmente agrário para a de quase equilíbrio
entre as populações urbana e rural. Sua população de 1,35 bilhão de habitantes
é a maior do mundo, quase 20% da população total, e está concentrada em 85
cidades com mais de quatro milhões de pessoas.
Hoje,
a China é o segundo país maior importador mundial, o maior parceiro comercial
do Brasil e o maior comprador de nossos produtos agropecuários, com grande destaque
para a soja. Que por sinal, é uma planta originária da China, e começou a ser
cultivada no Brasil em 1954, no Paraná. As oito mil toneladas de soja
produzidas no estado na época, saltaram para 15 milhões de toneladas em 2011,
quase duas mil vezes a mais... E a soja plantada no Brasil agora em setembro
(safra 2012/13), deverá ser recorde, com mais de 80 milhões de toneladas,
superando a produção dos EUA. O Brasil será o maior exportador mundial de soja,
e a China a maior compradora, com mais de 30 milhões de toneladas por ano.
O
país muito pobre de 1950 é hoje o que possui a maior reserva cambial do mundo,
mais de três trilhões de dólares, e é o que detém a maior quantidade de letras
do Tesouro norte-americano, um trilhão e 164 bilhões de dólares – ou seja, a
China é o maior credor dos Estados Unidos!
China e Brasil: 200
anos
Em
2012, completa 200 anos a primeira imigração chinesa para o Brasil, constituída
basicamente por trabalhadores braçais. Agora, os chineses que vem para o Brasil
são executivos de grandes multinacionais do país, como a Huawei, Citic,
Sinopec, ZTE, XCMG, SANY, JAC, Zoomlion, Fóton, Sinotruk, Chery, Foxxcon,
Chongqing Grain etc., interessados nos mercados consumidores local e da América
do Sul, e dispostos a investir na construção de fábricas e de redes de
distribuição de seus produtos. Junto com essas mega corporações vieram os mega
bancos: ICBC (Industrial e Comercial), CDB (Banco de Desenvolvimento) e o Banco
da China.
Esse
movimento acelerado da China em direção ao Brasil tem uma lógica simples: o
país é um dos cinco maiores do mundo em população/mercado consumidor, área e
produção agrícola e mineral. E se mantiver um crescimento do PIB próximo dos 4%
ao ano, muito em breve o Brasil será também a quinta maior economia,
ultrapassando a França. Em outras palavras, o Brasil está no “clube” das cinco
maiores potências mundiais, condição que aqui dentro muita gente ainda não se deu
conta.
“Corrida do ouro” no
Século 21
No
início desse século, o comércio Brasil e China era de dois bilhões de dólares.
Ano passado, foi de 77 bilhões. Se continuar no mesmo ritmo, chegará a 300
bilhões de dólares em 2015. Além disso, há cada vez mais investimentos chineses
no Brasil, em petróleo, indústrias de máquinas pesadas, caminhões, automóveis e
motos.
O
impacto dessa movimentação chinesa no Brasil, de 2010 para cá, pode ser
avaliado pelo que está acontecendo na cidade de Jacareí-SP, onde duas grandes empresas,
a Chery e a SANY, construirão suas plantas industriais para produção em larga
escala. Vizinha de São José dos Campos, 630 mil habitantes, maior polo
aeroespacial do Brasil, a pequena Jacareí (200 mil habitantes) vive hoje uma
“corrida do ouro”, com milhares de pessoas em busca de trabalho e de moradia na
cidade, e uma grande quantidade de empresas de fora se instalando, para atender
as novas demandas. Os preços de tudo aumentaram, e quem possui áreas de terra
disponíveis está se sentindo ganhador da loteria. Situações semelhantes
vivenciam as cidades de Pouso Alegre-MG, onde está sendo construída a fábrica
da XCMG; Atibaia-RJ (Zoomlion); Jundiaí (Foxconn); Camaçari (Fóton) etc., etc.
Desindustrialização do
Brasil?
Apesar
desse monte de grandes indústrias chinesas virem pro Brasil, há uma grita geral
de entidades de setores industriais contra a “desindustrialização”, que segundo
elas estaria ocorrendo no Brasil por culpa da China, que vende os seus produtos
por um preço muito inferior ao praticado aqui. Esse tem sido o discurso de
várias lideranças empresariais e também de alguns professores universitários.
Mas a prática, como dizia um antigo líder político chinês, é critério da
verdade. E a prática dos industriais (e dos comerciantes) brasileiros tem sido
ir à China comprar máquinas e equipamentos –
e
outros produtos – a preços mais em conta, para modernizar suas fábricas, e
matérias-primas para reduzir os custos de produção. Há as que compram as peças
na China e montam no Brasil, como a Houston, do Piauí, maior fabricante de
bicicletas (estimativa de 950 mil unidades em 2012) do Nordeste e segunda maior
do Brasil. Há ainda empresas que se instalaram na China e passaram a fabricar
lá para atender o mercado local, como a Gauss, de Curitiba, a Embraco, de
Joinville, a WEG, de Jaraguá do Sul, a Embraer, de São José dos Campos, e
algumas outras. Tudo isso somado, resultaria em desindustrialização e em
consequente desemprego no Brasil.
Em
contrapartida, nos últimos anos aumentou várias vezes o volume de exportações
agroindustriais para a China, além das de minérios, celulose e petróleo, o que
proporcionou aumento de empregos nesses setores, superávit na balança comercial
e elevada geração de divisas para o Brasil.
Guinada de 180 graus
Apesar
da crise que a Europa, Estados Unidos e Japão estão passando, a China não
deverá diminuir muito o ritmo de crescimento da sua economia. Nos últimos 30
anos, ele se manteve em 9% ao ano, em média, e agora deverá cair para 8% ou até
7%. Menos do que isso a China não deverá permitir, porque ela precisa gerar
mais de dez milhões de novos empregos por ano, principalmente para os
jovens
recém-formados nas universidades e para os migrantes das áreas rurais. Essas
pessoas têm uma expectativa muito alta de conseguir trabalho, e se ficarem
desempregadas, poderá haver muita agitação, que causaria instabilidade política
– e isso os líderes chineses não querem de jeito nenhum.
Há
um complicador: o 12º Plano Quinquenal, conjunto de diretrizes para o
desenvolvimento do país, no período de 2011 a 2015, lançado em março do ano
passado. Nesse novo Plano, o governo propõe mudança radical em relação ao
modelo de crescimento econômico chinês, adotado em 1980 e em vigor até agora.
Pretendem que daqui pra frente o mercado interno puxe o crescimento, ao invés
do mercado externo. Evidentemente, essa guinada de 180 graus tem suas razões de
ser. Há a avaliação que o modelo baseado nas exportações e em indústrias com
mão de obra intensiva já deu o que tinha que dar. O preço político da
agressividade comercial chinesa ficou muito alto e depender tanto de
exportações deixa o país muito vulnerável a crises que ocorram em grandes
clientes, como os EUA e a União Europeia. Metade do PIB chinês é resultado do
comércio exterior, o que significa que nesse aspecto a China é um país
“aberto”, diferentemente do Brasil, no qual menos de 25% do PIB resulta das
suas compras e vendas no mercado internacional.
Ainda
vai demorar alguns anos para essa mudança gigantesca se concretizar, mas ela
será boa para o Brasil, porque a China precisará importar 1 trilhão e 200
bilhões de dólares a mais por ano, para atingir a meta do 12º Plano, do consumo
doméstico atingir 55% do PIB. Esse aumento das importações da China deverá ser
acompanhado de redução do ritmo frenético de exportações, o que na prática
significa que diminuirá a pressão dos produtos baratos chineses no Brasil e em
países tradicionais mercados para as empresas brasileiras. Como a China compra
do Brasil menos de 2% de tudo o que importa do mundo, é realmente possível que
essas mudanças resultem em um salto muito grande do valor das exportações
brasileiras para lá.
Trocas de comando
impactantes para o Brasil
Agora em outubro ocorrerá
o anúncio das mudanças de poder na China, do presidente, primeiro-ministro,
demais ministros e governadores de províncias, com o poder sendo transferido
dos que comandaram o país nos últimos dez anos, para os dirigentes que realizarão
essa tarefa a partir de 2013. Por mera coincidência, dia 4 de novembro os Estados
Unidos elegerão o seu novo presidente.
Ou seja, dentro de mais
alguns dias, terão ocorrido trocas de comando nas duas maiores economias do
mundo, países que são os maiores importadores e exportadores do mundo, e do
Brasil em particular, e também os maiores investidores na economia brasileira. Essas
duas características decisivas explicam porque é tão importante acompanhar a
evolução dos acontecimentos políticos e eleitorais da China e dos EUA. Eles influenciam diretamente o câmbio; os
empregos na indústria, mineração e agropecuária; os preços das mercadorias
(portanto a inflação); as taxas de juros – enfim, o crescimento da economia
brasileira.
Para evitar que diminua
seu poder político e econômico na América do Sul, os EUA investirão mais na
região, principalmente no Brasil, Chile e Argentina, países prioritários para a
China (mais a Venezuela, com a qual os EUA têm relação difícil, porque precisam
comprar petróleo dela, mas não aceitam o governo Chávez). A disputa comercial
entre os dois gigantes na América do Sul poderá beneficiar o Brasil, que
precisa de centenas de bilhões de dólares para construir a infraestrutura de
transportes (portos fluviais e marítimos, ferrovias, dutos, aeroportos regionais)
necessária, navios e locomotivas. Obra decisiva para o desenvolvimento
brasileiro, que poderá contar com apoio financeiro da China, é a construção de ferrovia
ligando os estados do Centro-Oeste ao Oceano Pacífico, a portos marítimos no
Chile e no Peru. Essa obra não foi feita até hoje porque ela contraria
interesses econômicos dos EUA, através dessa saída para o Pacífico o Brasil
ficará mais competitivo do que os norte-americanos no mercado asiático.
A peça que falta nessa
imensa engrenagem é a atuação estratégica do governo brasileiro, para obter o
máximo de recursos e concessões dos dois países, através de ações coordenadas
dos ministérios de Relações Exteriores, Desenvolvimento e Comércio Exterior
(MDIC), Agricultura, Turismo, Transportes e
Ciência, Tecnologia e Inovação, e das entidades empresariais e de
trabalhadores, que estão articuladas no Conselho de Desenvolvimento. Se houver
essa coordenação, o Brasil poderá se posicionar como protagonista na disputa de
interesses, que será intensificada a partir do início do ano que vem, com os
novos governos na China e nos EUA, quaisquer que sejam eles.
Milton Pomar é geógrafo.
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