Por Deborah Ball e Ilan Brat | The Wall Street Journal, de Madri
Em um sinal da
mudança no equilíbrio de poder entre a Europa e os países em
desenvolvimento, muitas empresas do sul europeu que hoje penam para
levantar capital em casa estão buscando socorro em subsidiárias em
mercados emergentes.
Uma leva de empresas
- sobretudo da Espanha, Itália e Portugal - está vendendo ativos na
América Latina, considerando a abertura do capital de subsidiárias em
bolsas da região ou captando recursos localmente. Mas, embora derrubem
um pouco a pressão sobre as respectivas matrizes na Europa, as medidas
despertam a preocupação de agências de classificação de risco e
investidores minoritários na América Latina.
Essa atividade
salienta o gradual declínio do privilegiado status desfrutado um dia
pela Europa em mercados emergentes. Empresas europeias, sobretudo do
conturbado sul, hoje sofrem com o arrocho do crédito, a forte
desaceleração do mercado interno e um risco-país que eleva o custo do
capital. Segundo as agências de classificação Moody"s e Standard &
Poor"s, os títulos de dívida da Espanha estão apenas um nível acima da
categoria "junk" - ou papéis de altíssimo risco.
Já subsidiárias na
América Latina estão em geral com os cofres cheios. E com a inclusão,
nos últimos anos, de países como Brasil, Colômbia e Peru no clube das
nações com "grau de investimento", o crédito bancário e o mercado de
títulos de dívida privada cresceram muito na região.
"Com a economia [da
região] em situação tão boa, a disponibilidade de crédito disparou na
América Latina", diz Giancarlo Guenzi, diretor financeiro da italiana
Atlantia SpA, operadora de concessões rodoviárias que há pouco comprou
uma operação no Brasil totalmente com recursos captados no próprio país.
O resultado é que
empresas como a gigante espanhola Telefónica SA estão se apoiando com
mais força em subsidiárias na América Latina para enfrentar a pressão em
casa. A Telefónica poderia perder a classificação de grau de
investimento se agências de crédito rebaixassem a nota dos títulos
soberanos da Espanha para "junk"; com isso, a empresa teria mais
dificuldade para financiar sua dívida na Europa, de 58,3 bilhões de
euros (US$ 76 bilhões). Embora a Moody"s tenha decidido não rebaixar a
classificação da Espanha esta semana, o risco de tal decisão ainda pesa
sobre a Telefónica, que está considerando listar em bolsa as
subsidiárias na América Latina para aliviar sua enorme dívida.
Em agosto, a
construtora espanhola Obrascón Huarte Lain (OHL), que abriu o capital de
sua filial mexicana há dois anos, fechou um acordo com a operadora de
rodovias e aeroportos Abertis Infraestructuras SA para trocar sua
concessionária de rodovias no Brasil por 10% da Abertis. Com isso, a OHL
conseguiu monetizar o valor da filial brasileira.
Na semana passada, a
construtora italiana Impregilo SpA anunciou a venda de 19% de sua
concessionária brasileira de rodovias, a EcoRodovias, por 765 milhões de
euros -transação que permitirá à Impregilo quitar toda sua dívida.
Bosco Ojeda,
analista do UBS, disse que o risco-país da Espanha está ofuscando o
valor de divisões de empresas espanholas em países da América Latina e
outros lugares em que a economia vai bem. A venda de participações ou a
abertura do capital de subsidiárias pode ajudar a destacar divisões mais
saudáveis dessas empresas.
Uma venda dessas
"não é sair" do mercado, diz ele. "Em geral, é uma oportunidade de dar
mais visibilidade às filiais e melhorar o balanço." Além de usar as
divisões na América Latina para captar recursos, empresas europeias
estão elevando a emissão de dívida pelas subsidiárias. Subsidiárias da
Telefónica na América Latina emitiram o equivalente a 800 milhões de
euros em títulos de dívida no primeiro semestre. Em julho, a empresa
informou que poderia emitir até 10% mais. Cerca de 15% da dívida bruta
total da Telefónica está com subsidiárias.
Outra espanhola, a
Abengoa SA - grupo químico e de engenharia que penou por meses para
renegociar um empréstimo com um grupo de bancos europeus no começo do
ano -, está captando mais recursos no Peru e no Chile, depois de ter
levantado fundos no Brasil e no México por um tempo, segundo Bárbara
Zubiria, diretora de relações com investidores.
Outros fatores estão
tornando a América Latina atraente para a Europa. Um crescimento mais
acelerado em toda a região, juros em queda (sobretudo em países como
Colômbia e Peru) e um número crescente de investidores institucionais,
principalmente no Chile, vêm abrindo as comportas do crédito. A redução
do risco-país também permite a empresas emitir títulos de dívida com
prazo maior. Na Colômbia, por exemplo, o prazo máximo de obrigações de
empresas subiu de três anos em 2005 para cerca de dez anos hoje. Em
certos casos, o custo do financiamento caiu cerca de dois pontos
porcentuais nos últimos anos.
Toda essa atividade na América Latina está causando receio entre acionistas e agências de classificação de crédito.
Um exemplo: no meio
do ano, a companhia italiana de energia Enel SpA anunciou o plano de
consolidar seus ativos na América Latina na subsidiária chilena Enersis
SA. A Enel controla a Enersis por meio da subsidiária espanhola Endesa
SA. Em julho, a Enel disse que a Enersis faria um aumento de capital de
US$ 8 bilhões para financiar o crescimento das operações na América
Latina. Pelo plano, a Endesa entraria com seus ativos na América Latina;
já acionistas minoritários da Enersis entrariam com dinheiro.
Só que esses
minoritários disseram não, argumentando que o valor conferido pela
Endesa aos ativos na região - US$ 4,86 bilhões - era alto demais, o que
poderia obrigar os minoritários a injetar US$ 3,16 bilhões em dinheiro
na empresa para não ter sua participação diluída. Dada a crise na
Espanha e na Itália, eles também temiam que esse dinheiro acabasse sendo
usado para financiar a dívida da Endesa ou da Enel.
"Se a Enersis mandar
o dinheiro para a Endesa ou a Enel, todas as três poderiam enfrentar
ações na Justiça", disse Germán Guerrero, sócio da MBI Inversiones,
gestora de investimentos chilena que administra vários fundos que
aplicam na Enersis.
Endesa e Enel
informaram que os recursos serão usados para bancar o crescimento da
Enersis. A Enel pediu uma nova avaliação dos ativos na América Latina,
algo que o conselho da Enersis vai considerar este mês.
A crescente
dependência do financiamento via subsidiárias também está deixando
agências de crédito de orelha em pé. Quando a empresa transfere um alto
volume de dívida para a subsidiária, credores da matriz podem ficar em
desvantagem em relação a credores locais caso a empresa como um todo
passe por apertos. "Se houver dívida demais em subsidiárias mais fortes,
podemos rebaixar a nota da dívida da controladora", diz Patrice
Cochelin, analista da Standard & Poor"s.
Com o mercado
interno dessas empresas encolhendo e nenhum final à vista para o aperto
do crédito na Europa, a rapidez com que a matriz europeia pode ter
acesso ao dinheiro nos cofres de subsidiárias na América Latina também
está virando um fator crítico para firmas de classificação de risco.
Em agosto, por
exemplo, a Fitch Ratings rebaixou a classificação da Energias de
Portugal SA para a categoria imediatamente anterior à de "junk" - em
parte porque concluiu que a empresa teria de pagar uma pesada conta em
impostos se repatriasse a bolada guardada no Brasil, que somava 371
milhões de euros ao fim de 2011.
(Colaborou Graciela Ibáñez, de Santiago).
Nenhum comentário:
Postar um comentário