quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Empresas europeias encontram alívio na América Latina


Por Deborah Ball e Ilan Brat | The Wall Street Journal, de Madri

Em um sinal da mudança no equilíbrio de poder entre a Europa e os países em desenvolvimento, muitas empresas do sul europeu que hoje penam para levantar capital em casa estão buscando socorro em subsidiárias em mercados emergentes.
Uma leva de empresas - sobretudo da Espanha, Itália e Portugal - está vendendo ativos na América Latina, considerando a abertura do capital de subsidiárias em bolsas da região ou captando recursos localmente. Mas, embora derrubem um pouco a pressão sobre as respectivas matrizes na Europa, as medidas despertam a preocupação de agências de classificação de risco e investidores minoritários na América Latina.
Essa atividade salienta o gradual declínio do privilegiado status desfrutado um dia pela Europa em mercados emergentes. Empresas europeias, sobretudo do conturbado sul, hoje sofrem com o arrocho do crédito, a forte desaceleração do mercado interno e um risco-país que eleva o custo do capital. Segundo as agências de classificação Moody"s e Standard & Poor"s, os títulos de dívida da Espanha estão apenas um nível acima da categoria "junk" - ou papéis de altíssimo risco.
Já subsidiárias na América Latina estão em geral com os cofres cheios. E com a inclusão, nos últimos anos, de países como Brasil, Colômbia e Peru no clube das nações com "grau de investimento", o crédito bancário e o mercado de títulos de dívida privada cresceram muito na região.
"Com a economia [da região] em situação tão boa, a disponibilidade de crédito disparou na América Latina", diz Giancarlo Guenzi, diretor financeiro da italiana Atlantia SpA, operadora de concessões rodoviárias que há pouco comprou uma operação no Brasil totalmente com recursos captados no próprio país.
O resultado é que empresas como a gigante espanhola Telefónica SA estão se apoiando com mais força em subsidiárias na América Latina para enfrentar a pressão em casa. A Telefónica poderia perder a classificação de grau de investimento se agências de crédito rebaixassem a nota dos títulos soberanos da Espanha para "junk"; com isso, a empresa teria mais dificuldade para financiar sua dívida na Europa, de 58,3 bilhões de euros (US$ 76 bilhões). Embora a Moody"s tenha decidido não rebaixar a classificação da Espanha esta semana, o risco de tal decisão ainda pesa sobre a Telefónica, que está considerando listar em bolsa as subsidiárias na América Latina para aliviar sua enorme dívida.
Em agosto, a construtora espanhola Obrascón Huarte Lain (OHL), que abriu o capital de sua filial mexicana há dois anos, fechou um acordo com a operadora de rodovias e aeroportos Abertis Infraestructuras SA para trocar sua concessionária de rodovias no Brasil por 10% da Abertis. Com isso, a OHL conseguiu monetizar o valor da filial brasileira.
Na semana passada, a construtora italiana Impregilo SpA anunciou a venda de 19% de sua concessionária brasileira de rodovias, a EcoRodovias, por 765 milhões de euros -transação que permitirá à Impregilo quitar toda sua dívida.
Bosco Ojeda, analista do UBS, disse que o risco-país da Espanha está ofuscando o valor de divisões de empresas espanholas em países da América Latina e outros lugares em que a economia vai bem. A venda de participações ou a abertura do capital de subsidiárias pode ajudar a destacar divisões mais saudáveis dessas empresas.
Uma venda dessas "não é sair" do mercado, diz ele. "Em geral, é uma oportunidade de dar mais visibilidade às filiais e melhorar o balanço." Além de usar as divisões na América Latina para captar recursos, empresas europeias estão elevando a emissão de dívida pelas subsidiárias. Subsidiárias da Telefónica na América Latina emitiram o equivalente a 800 milhões de euros em títulos de dívida no primeiro semestre. Em julho, a empresa informou que poderia emitir até 10% mais. Cerca de 15% da dívida bruta total da Telefónica está com subsidiárias.
Outra espanhola, a Abengoa SA - grupo químico e de engenharia que penou por meses para renegociar um empréstimo com um grupo de bancos europeus no começo do ano -, está captando mais recursos no Peru e no Chile, depois de ter levantado fundos no Brasil e no México por um tempo, segundo Bárbara Zubiria, diretora de relações com investidores.
Outros fatores estão tornando a América Latina atraente para a Europa. Um crescimento mais acelerado em toda a região, juros em queda (sobretudo em países como Colômbia e Peru) e um número crescente de investidores institucionais, principalmente no Chile, vêm abrindo as comportas do crédito. A redução do risco-país também permite a empresas emitir títulos de dívida com prazo maior. Na Colômbia, por exemplo, o prazo máximo de obrigações de empresas subiu de três anos em 2005 para cerca de dez anos hoje. Em certos casos, o custo do financiamento caiu cerca de dois pontos porcentuais nos últimos anos.
Toda essa atividade na América Latina está causando receio entre acionistas e agências de classificação de crédito.
Um exemplo: no meio do ano, a companhia italiana de energia Enel SpA anunciou o plano de consolidar seus ativos na América Latina na subsidiária chilena Enersis SA. A Enel controla a Enersis por meio da subsidiária espanhola Endesa SA. Em julho, a Enel disse que a Enersis faria um aumento de capital de US$ 8 bilhões para financiar o crescimento das operações na América Latina. Pelo plano, a Endesa entraria com seus ativos na América Latina; já acionistas minoritários da Enersis entrariam com dinheiro.
Só que esses minoritários disseram não, argumentando que o valor conferido pela Endesa aos ativos na região - US$ 4,86 bilhões - era alto demais, o que poderia obrigar os minoritários a injetar US$ 3,16 bilhões em dinheiro na empresa para não ter sua participação diluída. Dada a crise na Espanha e na Itália, eles também temiam que esse dinheiro acabasse sendo usado para financiar a dívida da Endesa ou da Enel.
"Se a Enersis mandar o dinheiro para a Endesa ou a Enel, todas as três poderiam enfrentar ações na Justiça", disse Germán Guerrero, sócio da MBI Inversiones, gestora de investimentos chilena que administra vários fundos que aplicam na Enersis.
Endesa e Enel informaram que os recursos serão usados para bancar o crescimento da Enersis. A Enel pediu uma nova avaliação dos ativos na América Latina, algo que o conselho da Enersis vai considerar este mês.
A crescente dependência do financiamento via subsidiárias também está deixando agências de crédito de orelha em pé. Quando a empresa transfere um alto volume de dívida para a subsidiária, credores da matriz podem ficar em desvantagem em relação a credores locais caso a empresa como um todo passe por apertos. "Se houver dívida demais em subsidiárias mais fortes, podemos rebaixar a nota da dívida da controladora", diz Patrice Cochelin, analista da Standard & Poor"s.
Com o mercado interno dessas empresas encolhendo e nenhum final à vista para o aperto do crédito na Europa, a rapidez com que a matriz europeia pode ter acesso ao dinheiro nos cofres de subsidiárias na América Latina também está virando um fator crítico para firmas de classificação de risco.
Em agosto, por exemplo, a Fitch Ratings rebaixou a classificação da Energias de Portugal SA para a categoria imediatamente anterior à de "junk" - em parte porque concluiu que a empresa teria de pagar uma pesada conta em impostos se repatriasse a bolada guardada no Brasil, que somava 371 milhões de euros ao fim de 2011.
(Colaborou Graciela Ibáñez, de Santiago).

Nenhum comentário:

Postar um comentário