*José Álvaro Cardoso
*Thomaz Ferreira Jensen
*Adhemar Mineiro
Segundo estimativa recente do Banco Central, o
déficit em transações correntes totalizará US$ 53 bilhões em 2012, praticamente
o mesmo patamar verificado no ano passado. Não se confirma, portanto, a
deterioração deste indicador, prevista no início deste ano, quando se estimava
uma entrada de investimento externo direto (IED) no montante de US$ 50 bilhões.
Segundo o BC a redução do valor projetado para o déficit externo deve-se à
queda do fluxo de remessa de lucros e dividendos ao exterior que, segundo o BC,
em suas previsões no início deste ano, poderia chegar a US$ 39,6 bilhões neste
ano. A projeção atual caiu para US$ 24 bilhões. Em decorrência da variação do
câmbio e da desaceleração do nível de atividade, a remessa de lucros ao
exterior diminuiu 45% entre janeiro e agosto deste ano, em comparação ao mesmo
período de 2011, de US$ 25,6 bilhões para US$ 14,2 neste ano. Por outro lado, a
projeção do BC é que neste ano o fluxo de IED alcance US$ 60 bilhões. Será o
sexto ano consecutivo que o fluxo de IED financiará o déficit em transações
correntes do Brasil.
Dada a escassez de opções de investimentos
em função da crise mundial, continua firme, portanto, o apetite do capital estrangeiro
por investir no Brasil. Muitos analistas da economia brasileira acham ótimo o
fenômeno e elogiam a capacidade de o Brasil atrair os investimentos externos
diretos, apesar da grave crise mundial, que aguçou o medo do risco dos
investidores, em todo o globo. O fato é que estes capitais para investimento
direto, basicamente, vêm ao Brasil para adquirir o controle de empresas
nacionais. Somente no primeiro semestre deste ano as corporações estrangeiras
adquiriram 167 empresas de capital nacional, maior liquidação de empresas
privadas brasileiras num único semestre de toda a história do país. A maior
parte das empresas nacionais foi comprada por transnacionais com sede nos EUA,
França, Inglaterra e Alemanha. Pesquisas mostram que, desde 2004, passaram a
ser controladas de fora do país 1.167 empresas que antes eram nacionais, sendo
86,5% destas (1.009 empresas) desnacionalizadas após 2006, ano em que o Governo
Federal passou a facilitar o ingresso no país do investimento estrangeiro direto.
Ou seja, o outro lado da atração de investimento externo direto é a
desnacionalização da produção no país.
Com este processo de desnacionalização da
economia se aprofundando, cada vez mais os centros de decisão econômica das
empresas estarão localizados nos países centrais do capitalismo, que foram
pioneiros na industrialização e no desenvolvimento – e patenteamento – de novas
tecnologias. As grandes corporações transnacionais tomam suas
decisões de investimento levando em conta os seus interesses estratégicos – que
na maioria das vezes estão profundamente imbricados com os interesses
estratégicos dos Estados Nacionais onde estão sediadas as empresas – e não os
deste ou daquele país onde mantêm filiais. Empresas estrangeiras podem até ser
o carro chefe da economia de país, mas neste caso, o desenvolvimento ficará à
mercê das decisões destas transnacionais, em suas matrizes, e portanto fora do
controle de estratégias nacionais de desenvolvimento. Além disso, um país com
economia inserida de forma dependente no sistema mundial corre o risco de
desindustrialização, dependendo de como as empresas transnacionais que nele
atuam definirem a organização de suas cadeias de produção e seus fornecedores.
A distribuição das plantas industriais dos grandes grupos capitalistas segue as
suas lógicas globais, que não levam em conta os interesses de países
específicos. Nos países centrais e nos demais BRICs são comuns políticas em
benefício das empresas de capital nacional, especialmente nas áreas mais estratégicas
da economia, e no caso da China, existe o controle do planejamento do Estado
exercido pela operação direta de suas empresas e, através de acordos, com as
transnacionais que lá investem. Estes países têm também uma política definida de
compras governamentais que privilegia as empresas nacionais (corretamente
adotadas no Plano Brasil Maior, que estabelece preferência por produtos nacionais nas compras governamentais dos
setores de medicamentos, fármacos, biofármacos, retroescavadeiras e
motoniveladoras, pelo que os EUA, que adotam programas como o “Buy America”, ou
seja, de incentivo à compra de produtos produzidos nos EUA, nos acusam de
protecionismo).
As
empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, regra geral, megacorporações
transnacionais, com seus centros de pesquisa localizados em geral nos países
onde ficam as suas sedes. Se deixar ao sabor das estratégias dessas empresas, a
aquisição de empresas nos países periféricos não significa transferência de
tecnologia. Longe disso, significa continuar dependente de importação de
tecnologia, forma clássica pela qual as transnacionais remetem divisas ao
exterior. Mais do que isso, com a venda de empresas nacionais, centro de
pesquisas podem ser fechados, seguindo uma estratégia global desses grandes
capitais, com evidentes efeitos sobre a educação e os investimentos em pesquisa
e desenvolvimento no Brasil, “exportando” dessa forma os melhores empregos,
aqueles que requerem mais capacitação e uso do conhecimento.
*Técnicos do DIEESE.
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