quarta-feira, 31 de outubro de 2012
'Dilma deu empurrão nos juros e bancos entenderam o recado'
Ex-presidente do Banco Central e vice-presidente do conselho de
administração do Itaú BBA, Bracher defende política econômica do
governo
30 de outubro de 2012 | 22h 05
Raquel Landim, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Fernão Carlos Botelho Bracher está a favor da campanha da presidente
Dilma Rousseff para reduzir os juros no País. "Precisava de alguém para dar esse
empurrão. Ela deu esse empurrão com firmeza, mas dentro dos limites do
entendimento", disse ao Estado. Para ele, os bancos estão se comportando como "bons
cidadãos corporativos" e terão que ser "inventivos" para manter o lucro.
Ele alerta, no entanto, para os riscos da utilização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal como instrumentos para aumentar a competição e forçar a queda de
juros. "É lícito e deve ser feito, mas precisa ser bem acompanhado, porque a experiência
histórica mostra que pode sair caro. Se der prejuízo, vai ser preciso injetar dinheiro."
Ex-presidente do Banco Central na gestão de José Sarney, Bracher defende as
intervenções no câmbio e os aumentos das taxas de importação e diz que as medidas
foram necessárias por conta da crise global. Após sair do governo, ele fundou o BBA,
que foi comprado pelo Itaú e se tornou o braço de investimentos do maior banco
privado do País. Hoje é vice-presidente do conselho de administração do Itaú BBA.
O tripé econômico - metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário -
ainda se mantém?
O tripé tem sido mantido. O que existe é a meta de inflação. Os demais pontos são para
garantir e que a meta será atingida. Desse modo, acredito que o tripé está mantido.
O câmbio deixou de ser flutuante e voltou a ser fixo?
Não há país que tenha um câmbio flutuante e ponto final. Todos os países intervém no
câmbio, quando há um interesse nacional maior em jogo. Por outro lado, o câmbio fixo,
que prevaleceu na conferência de Bretton Woods, quando o Fundo Monetário
Internacional (FMI) foi fundado, mostrou-se inadequado. Foi abandonado na maioria
dos países e deve realmente ser abandonado. A questão é que temos que olhar o
contexto em que estamos hoje. Desde 2008, vivemos uma crise financeira internacional,
que se espalhou pelo mundo, particularmente na Europa. Isso levou países-chave a
terem um comportamento completamente fora dos parâmetros normais. Os Estados
Unidos estão inundando o mercado com dólares, agora com mais um afrouxamento
monetário. Até a Suíça interveio no seu câmbio. Os países estão procurando defender
sua economia, na medida do possível em harmonia com os demais parceiros, mas
tiveram que tomar medidas excepcionais. O real hoje flutua, mas só para cima, não para
baixo. Estava flutuando para baixo por razões absolutamente artificiais por conta do
pandemônio que está lá fora. Foi uma medida excepcional, tomada com cautela.
Para impedir a desvalorização da moeda, o governo adotou uma série de medidas
de controle de capital. Pode atrapalhar o investimento?
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O controle, via de regra, é algo pouco agradável. O melhor é não haver controle, mas
regras prefixadas a serem obedecidas. Só que estava ocorrendo uma avalanche de
recursos. Hoje o País tem quase US$ 380 bilhões de reserva. É a imagem clara de
alguma coisa tinha que ser feita. Essa brincadeira é cara, porque o BC se financia a uma
taxa no Brasil em reais, troca por dólares e aplica lá fora em uma taxa muito menor.
Logo, é preciso fazer o que é menos daninho. Foi preciso introduzir mecanismos para
reduzir o interesse dos estrangeiros em vir para o Brasil e elevar nossas reservas ou
provocar uma valorização do real que quebra a nossa indústria.
O câmbio e as desonerações são suficientes para ajudar a indústria?
Ninguém sabe qual é o câmbio adequado. É possível medir pelo desempenho das
exportações, mas é difícil saber se vendemos pouco porque a demanda lá fora está fraca.
Também dá para medir pela gritaria do empresariado ou pela entrada de produtos
estrangeiros. Outro dia me ofereceram uma água importada em um restaurante
relativamente simples do Nordeste. Que capacidade extraordinária de competição! Não
dá para precisar qual é o câmbio que a indústria precisa, mas ao redor de R$ 2 colocou a
coisa em ordem.
O governo também elevou tarifas de importação. É protecionismo?
Não. Estamos numa crise extraordinária no mundo, com uma política de salve-se quem
puder. O que o governo Dilma está fazendo é usar os meios disponíveis para compensar
a valorização do câmbio e a necessidade dos outros países de forçarem de qualquer
maneira o aumento da importação. Pelo que eu saiba, tudo foi feito dentro dos acordos
da OMC (Organização Mundial de Comércio). Era melhor que as tarifas de importação
não tivessem subido e que tudo fosse controlado pela taxa de câmbio, mas não é
possível hoje.
Com o câmbio acima de R$ 2 e com a política fiscal mais frouxa, ficou mais difícil
controlar a inflação?
Está mais difícil. Não conseguimos mirar no centro da meta, mas as coisas estão sendo
feitas com um propósito e dentro de um nível de inflação aceitável. Esse pequeno
desvio é aceitável.
Alguns economistas dizem que o BC hoje tem triplo mandato: inflação,
crescimento e câmbio. Qual é a sua opinião?
Não vejo isso. O Banco Central se adiantou em relação aos mercados com todo acerto
quando começou a cortar os juros. Ao considerar também o crescimento, Tombini
(Alexandre Tombini, presidente do BC do Brasil) está se alinhando a outros bancos
centrais como o Federal Reserve, nos Estados Unidos. A principal tarefa do BC é
certamente a manutenção do poder aquisitivo do real, mas dentro de um nível de
atividade aceitável.
Vale a pena aceitar mais inflação para crescer mais?
É difícil responder em tese, mas na prática é isso que ocorre. Certamente uma meta de
inflação de 4,5% não é apertada. Uma inflação considerada aceitável é de 2%, logo,
nossa meta já considera essa acomodação. Isso sem falar nos dois pontos porcentuais de
banda que é permitido no sistema. A meta de inflação brasileira deveria ser até mais
baixa, mas não agora.
Apesar dos juros baixos, a economia brasileira não cresce. Por quê?
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As coisas não acontecem da noite para o dia. O governo está tomando todas as medidas
necessárias para um crescimento de 4% no ano que vem. Mexeu no câmbio, nos juros,
tomou medidas microeconômicas.
Pode ser necessário elevar os juros em 2013?
Se for preciso, será feito. Os juros são um instrumento para ser usado. Mas eu não diria
que a pressão inflacionária já aponta para alta de juros. Não vejo um problema de falta
de oferta no Brasil ou lá fora.
A presidente Dilma já disse que é uma meta baixar os juros e que os efeitos serão
parecidas com a estabilização. Ela vai conseguir?
O efeito é muito positivo e ela vai conseguir. Ou melhor, já conseguiu. Não só ela. Essa
é uma batalha que estamos travando desde o Plano Real em 1995. Apesar das crises
internacionais e outras dificuldades, os governos, com acertos e desacertos, sempre
trabalharam para isso. Mas é como o ovo de Colombo: precisa de alguém para dar o
empurrão. E a presidente Dilma deu o empurrão para a queda dos juros pagos pelo
Tesouro e pela queda dos juros cobrados no sistema bancário. Ela deu esse empurrão
com firmeza, mas dentro do limite de entendimento. E os bancos souberam se
comportar como os americanos chamam - bons cidadãos corporativos.
Alguns economistas dizem que baixar os juros não é só uma questão de vontade.
Não é mesmo só uma questão de vontade, mas é também uma questão de vontade. É
preciso procurar ativamente o que fazer para baixar os juros ou que práticas foram
adotadas que impedem a queda dos juros. Por exemplo: as prestações com 10 vezes sem
juros. O varejo dá essa vantagem, mas é compensada com juros altos em outras
operações. Ou quando os bancos fazem uma política de crédito sem exigência cadastral.
Se emprestam para todo mundo, sem conferir o histórico, o prejuízo vai ser maior, logo
cobram taxas maiores para compensar as perdas. Para fazer essa mudança, a presidente
Dilma valeu-se da colaboração de duas das principais instituições de crédito do País, o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. São instituições primorosas, com um
corpo de funcionários magnífico, mas, no passado, quando atenderam os interesses do
Executivo, tiveram que ter um suprimento de caixa do Tesouro. A propósito, em
setembro último, o governo federal fez uma capitalização no Banco do Brasil e na
Caixa. A utilização dessas instituições para redução de juros é lícita e deve ser feita,
mas precisa ser muito bem acompanhada, porque a experiência histórica mostra que
pode sair caro. Dá prejuízo e é preciso injetar dinheiro. Espero que não seja o caso.
Ao reduzir os juros, os bancos estão comprometendo seu lucro?
Eu não ficaria muito preocupado com isso, porque eles tem muita atenção com essa
parte do balanço. As ações dos bancos caíram porque todo o contexto é negativo. Os
bancos agora vão ter que ser inventivos para baixar os juros sem deixar os lucros
caírem. É uma belíssima era para os bancos, que vai permitir a eles se desenvolverem e
nadarem de braçada.
Como o senhor avalia o relacionamento da presidente Dilma com o setor privado?
Ela comprou briga com bancos, operadores de celular, concessionárias de energia,
operadoras de plano de saúde.
Não sei sobre outros setores, mas ela não comprou briga com os bancos. Ela falou e eles
entenderam o recado. É como diz o ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
A única ressalva que faço é que é preciso ter atenção com essa questão do BB e da
Caixa.
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A geração que nasceu na década de 90 não sabe o que é inflação descontrolada.
Ainda há algum risco para o Brasil?
A economia trata do comportamento de seres vivos em relação ao dinheiro. E ser vivo é
um inferno. Você imagina um comportamento em determinada situação econômica, mas
o ser vivo reage diferente. Enquanto houver homem e dinheiro, tem perigo de inflação.
Mas o Brasil teve mudanças institucionais importantes em muitos aspectos.
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