Clemente
Ganz Lúcio [1]
Participei
recentemente de um evento
na CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura -, para
refletir e debater sobre o cenário econômico futuro, visando a
subsidiar seu
planejamento estratégico. Sistematizo alguns pontos abordados.
A produção
agrícola estruturou-se no
Brasil como um setor econômico estratégico, decorrente da
dimensão territorial
para o plantio e criação animal, da qualidade do solo e do
clima, dos
investimentos e desenvolvimento em termos de ciência e
tecnologia, respondendo
a uma demanda crescente, interna e externa, por alimentos e
insumos
industriais. A produção agrícola e pecuária em grande escala
estruturou-se com
tecnologia de ponta, colocando o país como um dos maiores
responsáveis pela
segurança alimentar da população mundial.
Essa
presença se fez com muitas e
profundas transformações nas relações sociais de produção no
meio rural
brasileiro. A ampliação da capacidade produtiva, com expansão da
área utilizada
e incremento tecnológico, em uma sociedade que se urbanizou
rapidamente,
integrou de maneira acelerada a agricultura com os demais
setores, tornando
cada vez mais tênue a linha que a separa da indústria, comércio
ou serviços. Os
chamados complexos industriais integram cadeias produtivas de
alta agregação de
valor, fazendo da escolha do que produzir um complexo processo
decisório.
A
agricultura familiar, que produz
em módulos bem menores do que a agricultura extensiva, mas que
ocupa 70% dos
quatro milhões trabalhadores do setor agrícola, experimenta
mudanças profundas
e enfrenta desafios. Como atividade econômica que responde por
grande parte da
oferta de alimentos nas cidades, está desafiada a superar a
produção para o
autoconsumo, para atender a uma demanda crescente, a preços que
remunerem
adequadamente o produtor, capitalizando-o para investir na
produção e, ao mesmo
tempo, propiciando oferta de alimento barato e de qualidade na
mesa do
trabalhador urbano.
Planejar a
organização desses
trabalhadores da agricultura familiar é tomá-los como
produtores, proprietários
ou arrendatários que, com sua força de trabalho e o uso de
máquinas e
equipamentos, arriscam-se na produção de alimentos. O
direcionamento para uma
produção agroecológica de qualidade precisa ser realizado,
respondendo ao
desafio de promover aumento na quantidade ofertada, para
garantir o
abastecimento. O incremento da produtividade é elemento chave, o
que implica
desenvolver um tipo de conhecimento da ciência em termos
tecnológicos,
biológicos, químicos, genéticos, entre outros, orientado para
uma produção
agroecológica com escala, que preserve a qualidade do solo e o
ambiente e
produza alimentos saudáveis.
As diversas
formas de produção,
organizadas de maneira cooperada, compartilhando equipamentos,
investimentos,
pesquisa e conhecimento entre milhares de produtores, devem
avançar para fazer,
cada vez mais, da agricultura familiar uma grande organização,
em termos de
produção econômica, que domine e difunda tecnologia, oferecendo
produtos em
quantidade e com qualidade.
O
incremento da produtividade na
produção agrícola brasileira, de um lado, e a ampliação e
espraiamento no
território dos núcleos urbanos, de outro, estendeu para o campo
uma série de
serviços (energia, transporte, internet, escola, saúde, entre
outros),
promovendo mudanças substanciais na vida e organização das áreas
rurais. A
presença da indústria, colada à atividade agrícola, reorganiza
as relações
sociais de produção. Cerca de um terço da população rural,
composta
especialmente por jovens e mulheres, que vive em unidades da
agricultura
familiar, está ocupada em atividades não agrícolas, na indústria
ou em serviços
urbanos. Também aumenta a população que vive em núcleos urbanos
e produz nas
unidades familiares rurais.
As unidades
rurais, principalmente
da agricultura familiar, diversificam suas possibilidades
produtivas e passam a
desenvolver novas atividades, como lazer e turismo rural. Essas
atividades
(hospedagem, convívio com atividades produtivas, acesso a
lugares turísticos
etc) crescem no país, com vocação de preservação ambiental.
Áreas mais próximas
aos centros urbanos passam a ser local de moradia. O espaço
rural também passa
a ser sede de empresas. Há um movimento inverso daquele
observado nos anos
60/70: moradores urbanos se deslocam para residir e produzir no
meio rural
brasileiro.
Essas
mudanças, entre tantas outras,
ocorrem simultaneamente ao processo de redução da população
rural, que caiu de
25% (1991) para 16% (2010) da população brasileira. Os quatro
milhões de
trabalhadores rurais representam menos de 8% da população
trabalhadora do país.
Há, ainda, um grande contingente de trabalhadores rurais sem
terra, lutando
pela reforma agrária. Por outro lado, há também aqueles que já
acessaram a
terra e que demandam políticas agrícolas (crédito, seguro,
assistência,
comercialização, armazenagem, transporte, supressão de
intermediários etc.),
para que suas unidades produtivas sejam economicamente viáveis.
Vislumbra-se
uma grande luta pela
frente, que exigirá da CONTAG uma capacidade de organizar-se,
priorizando o
produtor familiar, para atender as demandas dessa força de
trabalho, que
insiste em empreender e produzir, com os riscos e desafios que
tem que
enfrentar em uma economia capitalista. As políticas públicas
precisam ser
fortalecidas e aperfeiçoadas, para que, cada vez mais, a
agricultura familiar
se posicione como parte essencial de um setor econômico
estratégico para o país
e o mundo.
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