domingo, 24 de maio de 2015

O pacote chinês para além da ferrovia transoceânica

José Augusto Valente no Carta Maior
postado em: 24/05/2015
Presidentes da China e do Brasil assinaram, nesta semana, 35 acordos de cooperação, englobando áreas como planejamento estratégico, transportes, energia e agricultura. Com isso, Brasil e China enviaram ao mundo um forte sinal de fortalecimento das relações dos Brics. Há muita coisa importante nesses acordos bilaterais assinados, mas ganhou destaque na imprensa a possibilidade de construção de uma ferrovia ligando os oceanos Atlântico e Pacífico.

O propósito deste artigo é comentar esse ponto, mostrando que há um acúmulo histórico sobre o assunto, e apontar os desafios a superar que estão colocados.

Já em 1996, um estudo desenvolvido pelo Geipot teve como objetivo caracterizar possibilidades de ligações terrestres e fluviais entre o Brasil e a Bolívia, o Equador, o Chile e o Peru. O estudo analisou dez corredores alternativos, distribuídos em toda a extensão do território brasileiro e em grande parte da América do Sul.

Por outro lado, no período 2001-2009, no âmbito da Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Suramericana – Iirsa, foram identificados dez eixos. Quatro abrangem áreas de influência situadas entre os oceanos Atlântico e Pacífico, sendo, portanto, de especial interesse para o Corredor Bioceânico.

Mais recentemente, a Valec estudou a Ferrovia Transcontinental, planejada para ter aproximadamente 4.400 km de extensão em solo brasileiro, entre o Porto do Açu, no litoral do estado do Rio de Janeiro e a localidade de Boqueirão da Esperança/AC, como parte da ligação entre os oceanos Atlântico, no Brasil, e Pacífico, no Peru. Entre Campinorte/GO e Vilhena/RO, com estimados 1641 km de extensão, essa ferrovia é denominada Ferrovia de Integração do Centro Oeste – Fico e está no Programa de Aceleração do Crescimento (Pac).

Segundo o acordo firmado agora entre Brasil e China, será feito o estudo de viabilidade técnico-econômica da ligação da Fico até um porto no Peru, atravessando a cordilheira dos Andes.

Embora a China visualize a possibilidade de reduzir o custo logístico da importação significativa que faz de soja brasileira, a finalidade de integração sul-americana deve ser igualmente ou mais valorizada neste projeto.

Nesse sentido, um aspecto a ressaltar é que a mesma infraestrutura ferroviária para transporte de carga poderá ser utilizada para passageiros, com veículos que podem desenvolver até 200 km/hora (tecnologia Pendolino).

Do ponto de vista da integração, as cargas de maior valor agregado produzidas nos países sul-americanos poderiam ser movimentadas em menor tempo e custo, com impacto significativo para as nossas economias.

Voltando ao interesse declarado dos chineses, que é soja e minério de ferro, a dúvida quanto à redução do preço final da soja, por conta de eventual redução de custo, reside no fato de que, na cadeia logística da soja, o elo forte é o embarcador, ou seja, aquele que comercializa sua a produção. Assim, qualquer redução de custo logístico provavelmente será apropriada pelo embarcador, uma vez que ele controla toda a cadeia, definindo o preço no mercado e contratando os operadores logísticos. Além disso, tem comprador garantido.

Outra dúvida é quanto à flexibilidade da tarifa cobrada no Canal do Panamá, por onde passam os navios saindo dos terminais do norte e nordeste do país, ou mesmo de Santos, São Francisco do Sul e Paranaguá em direção à China. Como o frete marítimo é, normalmente, a metade do frete ferroviário, o que pesa, atualmente, é o "pedágio" do Canal. Há, portanto,  a possibilidade de que esta tarifa seja reduzida o suficiente para garantir que o transporte marítimo continue sendo a melhor alternativa.

De todo modo, o estudo de viabilidade dirá o que é possível em relação a esse mercado. Assim, estou animado quanto ao objetivo de integração sul-americana e um pouco cético quanto ao principal objetivo da China ao financiar esse estudo.
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José Augusto Valente
é especialista em logística.



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