Luciano Martins da Costa no Observatório de Imprensa
Os manifestantes que caminharam de São Paulo a Brasília para levar ao Congresso Nacional um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff foram reforçados por caravanas transportadas por ônibus de Goiás, Minas Gerais e outros Estados, além de alguns que preferiram viajar de avião. A maioria deles aderiu à marcha a quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes. Eram, ao todo, cerca de 300 a 400 participantes. Os caminhantes eram doze.A recepção ficou por conta de notórios militantes do que há de mais reacionário no Congresso Nacional, entre os quais se destacavam defensores do golpe militar. O senador Aécio Neves, principal incentivador do movimento, não apareceu mas foi representado por parlamentares do PSDB, que prometeram levar adiante a proposta do impeachment, embora seu partido tenha descartado oficialmente essa alternativa.
Sem seu padrinho, a “coluna Aécio” definha como mais uma anedota política nestes tempos de radicalismos. Essa espécie de contrafação da “Coluna Prestes”, que entre 1925 e 1927 percorreu milhares de quilômetros pelo Brasil para pregar o fim do regime oligárquico da República Velha, teve seu melhor momento na audiência que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, concedeu a seus líderes, com a promessa de que uma assessoria técnica iria analisar o pedido contido em seu manifesto.
Era de se esperar que os principais veículos de comunicação, que deram amplo respaldo aos aloprados que conduziram o movimento, oferecessem algum suporte ao ponto alto de suas manifestações. No entanto, observa-se que o noticiário desta quinta-feira (28/5) registra com destaque desproporcional a chegada dos marchadores a Brasília, levando-se em conta o pífio apoio que receberam – mas o tom das reportagens é de claro desprezo pelo acontecimento.
Depois de meses trabalhando para elevar os líderes do protesto à categoria de protagonistas da História, a imprensa os abandona à porta de Eduardo Cunha. Por que a mídia tradicional teria deserdado tão rapidamente os candidatos a heróis que compuseram a patética “coluna Aécio”? Como nada no campo do poder acontece por acaso, é preciso analisar as razões para essa mudança.
O observador poderia reafirmar que o evento tem mais vocação para compor o anedotário do que para enriquecer a crônica política, e tudo ficaria na conta dos destemperos que têm marcado este tempo de muita mídia e pouca reflexão. Mas um texto ao pé da reportagem sobre a “coluna Aécio”, publicada pelo Estado de S. Paulo, informa que outro grupo de cidadãos, denominado “Vem pra Rua”, deveria chegar a Brasília nesta quinta-feira, abrigado sob o manto genérico de uma tal “Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos”.
Esses não caminham pelas estradas nem tomam ônibus para chegar à Capital Federal. Viajam de avião e têm carros com motorista esperando no aeroporto. Em seu manifesto oficial, dizem representar 40 grupos surgidos após as manifestações de protesto que marcaram o início do ano em várias capitais, e que organizaram pelas redes sociais os panelaços contra a presidente da República e o Partido dos Trabalhadores. Eles não defendem o pedido de impeachment, mas apoiam a iniciativa do PSDB de propor uma ação penal contra a presidente na Justiça comum.
São, portanto, a autêntica representação do principal partido oposicionista nessa nova tentativa de reverter o resultado da eleição de 2014. Seus participantes usam terno e gravata, se expressam em bom português e não podem ser tidos como politicamente mal-educados, como disse o jurista Miguel Reale Jr. sobre os integrantes da marcha.
Eles têm uma pauta mais elaborada, não entraram para a crônica política por meio de páginas doFacebook, possuem assessoria de imprensa profissional e consultores especializados.
Esse é o verdadeiro núcleo ideológico por trás das manifestações. Se levam em uma das mãos o porrete da ação judicial, na outra escondem o único propósito de sua mobilização: eles querem evitar que o Executivo aprove a proposta de taxação de grandes fortunas e a criação do imposto sobre heranças. Chegam a Brasília para propor uma barganha. A crise de governabilidade lhes convém.
Seus fundadores, como informa o Estado, são “grandes empresários e executivos do mercado financeiro”. Como sempre, movem-se em defesa de seus interesses específicos, mas não costumam se expor nas ruas. Como sempre, é a classe média despolitizada que lhes serve de anteparo, como massa de manobra ruidosa e insana. Essa é a autêntica “coluna Aécio”, que os jornais mantiveram oculta sob a balbúrdia dos panelaços e dos carros de som.
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